Quinta, 3 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho
A
rebelião ou revolução na Líbia vem tomando um caráter diferente e muito mais
perigoso que nos demais países árabes, destacadamente a Tunísia e o Egito, onde
mobilizações populares conseguiram levar forçar a queda ou renúncia de dois
presidentes que governavam com poderes de ditadores há décadas.
Nos
países árabes onde esses movimentos surgiram com mais força, tudo pareceu uma
espécie de festa cívica, ainda que com resultados políticos decisivos. As
grandes manifestações na Praça Tahrir, no Cairo, foram o mais notório exemplo
disso.
Mas
na Tunísia e no Egito havia estrutura estatal e da sociedade suficientes para
assumir o poder imediatamente após a queda de seus presidentes-ditadores. E
havia exércitos organizados, que não se desintegraram e também não massacraram
os rebeldes e muito menos a população em geral. Exemplo mais
evidente disso é que no Egito o Exército, por seu comando, assumiu
ostensivamente o poder, em cujo núcleo incluiu também o presidente da Corte
Suprema.
Agora,
tanto no Egito quanto na Tunísia, os novos tutores desses países prometem se
manter no poder apenas durante um período de transição, que terminará com
eleições próximas e a posse dos eleitos para exercerem o poder dentro de
parâmetros democráticos. Na teoria, e tendo em consideração as circunstâncias,
trata-se de um plano perfeitamente aceitável tanto para a democracia em termos
mundiais quanto para os povos do Egito e da Tunísia.
Vários
outros países, a exemplo de Bahrein, Iêmen, Argélia, Marrocos, Jordânia e mesmo
a extremamente estratégica Arábia Saudita responderam a manifestações populares
mais ou menos amplas (modestíssimas em alguns casos, como na Arábia Saudita e
na Jordânia) com promessas de reformas políticas e econômicas, o que parece ter
aquietado, ao menos momentaneamente, uma grande parte (não todos) dos
manifestantes.
Mas
havia que se apresentar a ovelha negra e a ovelha negra é a Líbia. Ontem, a
secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, disse que o governo
americano teme que a Líbia mergulhe no caos e se torne, como a Somália, um
“refúgio” para a Al-Qaeda. Um refúgio, aí, significa não somente um lugar para
terroristas da organização de Bin Laden se esconderem, mas um país-base, como
antes foi o Afeganistão dos Talebãs. Apenas, tendo em vista as lições do
passado recente, uma base menos ostensiva.
Hillary
tem razão. E têm razão todos os que vêm advertindo para a hipótese de que a
situação na Líbia acabe levando a uma guerra civil entre oponentes severamente
espatifados, o que naturalmente pode gerar a situação de caos a que se referiu
a secretária de Estado dos EUA. Na Tunísia e no Egito, as manifestações contra
o regime foram pacíficas e inicialmente apenas combatidas moderadamente por
forças policiais. O Exército, nos dois países, se conteve e, na sequência, até
forçou a saída dos dois ditadores.
Na
Líbia, porque houve reação violenta do regime de Gaddafi (há uma dez maneiras
supostamente corretas de escrever este nome em idiomas não árabes) contra as
manifestações e porque os instrumentos de comunicação e expressão foram quase
totalmente suprimidos, grupos armados rebeldes logo apareceram. No momento,
pedem socorro na forma de um ataque aéreo estrangeiro a forças de Gaddafi. Mas
a Rússia e a China, que têm o direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, são
contra qualquer tipo de ação militar.
E preparam
assim, os dois lados dentro do país, e a geopolítica das potências, os
elementos necessários ao pior cenário. Ali, na Líbia, a ovelha negra da
“primavera árabe” está tentando botar o rebanho a perder.
E
com boas chances de êxito.
- - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado
originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.