Quinta, 24 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho

Em que pese a forte divisão no STF e amplas
expectativas de alguns setores políticos e sociais e da mídia de que
prevalecesse o entendimento de aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa,
considerada por muitos um passo importante para o combate à corrupção entre os
políticos com mandato ou que estejam pleiteando mandato, não há como deixar de
reconhecer que o STF, inclusive com o voto favorável do relator e o parecer
também favorável do Ministério Público, deu guarida a um princípio maior.
A
base da decisão da instância suprema da Justiça brasileira foi o princípio da
irretroatividade da lei para prejudicar, ainda mais tratando-se de lei de
caráter penal – já que uma penalidade, a eliminação da possibilidade de acesso
a mandatos eletivos durante um período, de resto, indeterminado. Isto porque
não seria muito previsível a data em que uma decisão superior poderia reformar
a decisão fatídica tomada em instância colegiada inferior.
O
não do STF baseou-se formalmente no artigo 533 do Código Civil e, uma vez que
foi reconhecida a “repercussão geral da questão”, a decisão foi tornada válida
para todos os casos, ficando autorizadas decisões monocráticas no mesmo sentido
e com o mesmo fundamento.
Os
ministros que já haviam votado votaram novamente. Ao reiterar seu voto, que foi
o último, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, considerou, invocando
todas as “data vênias” possíveis perante seus colegas, declarou absurda a
exclusão de pessoas da vida pública com base em fatos ocorridos “antes do
início da vigência da lei”.
Qualquer
estudante de Direito sabe que isto seria ferir um princípio fundamental não
somente do direito brasileiro, mas do direito em qualquer país minimamente
democrático que fosse. Para deixar isto bem claro, ele frisou que nem mesmo “as
ditaduras”, no Brasil, ousaram fazer isto alguma vez.
As ditaduras,
explicou, quando queriam afastar alguém por coisas feitas e que não tinham
previsão legal de punição, deixavam a situação muito clara, pois simplesmente
cassavam (o mandato ou os direitos políticos, ou ambas as coisas). Nunca
fizeram uma lei com efeito punitivo retroativo. O que se tentava com os
esforços para dar efeito prejudial (punitivo) retroativo à Lei da Ficha Limpa
agredia cláusula pétrea da Constituição.
Na verdade,
dois grandes princípios do Direito estavam ameaçados: o da irretroatividade da
lei para prejudicar e o da punição sem sentença transitada em julgado.
O primeiro
deles foi preservado.
Já quanto ao
segundo, não se pode dizer o mesmo. Valer, para eleições futuras, condenações
impostas em colegiado (segunda instância e tribunais de contas, Assembléia
Legislativas, Câmaras Municipais, Congresso Nacional), relacionadas com fatos
ocorridos após a entrada em vigência da Lei da Ficha Limpa, significa passar
por cima do princípio de que todos são inocentes até decisão transitada em julgado. O que também é
cláusula e garantia constitucional basilar.
- - - - - - -
- - - - - - - - - - - -
Este artigo
foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.