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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Uma proposta de risco

Quarta, 16 de março de 2011 
Por Ivan de Carvalho
    Entre algumas decisões relevantes que a Assembléia Legislativa deverá ou poderá ser chamada a tomar está a relacionada com uma proposta de emenda constitucional apresentada pela deputada Luiza Maia, do PT, que extingue o voto secreto no Legislativo baiano.
    A aprovação desta proposta de emenda à Constituição do Estado da Bahia significará uma mudança pioneira no Direito Constitucional brasileiro. Até agora, nenhuma assembléia legislativa fez isso, embora algumas câmaras municipais, sim. Tal mudança é defendida por diversos setores no país, que a querem adotada pelo Congresso Nacional, como a defendem no momento na Bahia, já que aqui está posta a oportunidade.
   Argumentos favoráveis a ela têm sido desenvolvidos e há alguns realmente respeitáveis, pelo que representam e por suas intenções, mas também existem argumentos contrários, que são não somente respeitáveis como também fortíssimos, tanto pelo que representam quanto pelas intenções, mas principalmente pelos riscos que a extinção do voto secreto no âmbito do Poder Legislativo poderá trazer.
   Em audiência pública sobre o assunto, realizada ontem na Assembléia Legislativa da Bahia, quando os convidados foram unânimes em apoiar a proposta de emenda da deputada Luiza Maia, sustentou-se que o voto secreto nos parlamentos justificava-se sob o recente regime autoritário, não mais agora, quando são outras as circunstâncias políticas e o país vive sob regime democrático.
   Ora, circunstâncias e conjunturas políticas mudam. Não creio que a deputada Luiza Maia possa garantir o futuro. Nem ela, nem seu partido, nem os partidos aliados do seu, nem as oposições, hoje tão fragilizadas na Bahia como no país. Mas este não é o ponto central, até porque quando deixa de haver o regime democrático, nem sempre parlamentos continuam funcionando, seja ou não com voto secreto.
   A questão essencial é outra e está posta sob regime democrático mesmo. Em um regime democrático, em muitas questões, parlamentares devem e no Brasil realmente votam a descoberto. É o caso da aprovação de emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias e algumas outras decisões.
   Mas quando a votação representa um julgamento de pessoas (impeachment, cassação de mandatos de parlamentares ou outras punições) ou uma avaliação sobre a adequação de pessoas a determinadas funções ou exercício de certos cargos (conselheiros de tribunais de contas, chefe da autoridade olímpica, ministros de tribunais superiores, desembargadores, eleição das Mesas Diretoras das próprias casas legislativas, bem como eleição de presidente da República, governador, prefeito, em certas circunstâncias, entre outros casos), pretende-se que o parlamentar vote de acordo com sua consciência, visando ao bem comum, livre de pressões políticas, sociais e de constrangimentos pessoais. Esta é a expectativa e há quem as atenda, como há quem não as atenda.
   Extinguir o voto secreto para os casos citados, assim como, por exemplo, para a votação de vetos do chefe do Poder Executivo a projetos de lei aprovados no Legislativo, significará expor o parlamentar a máxima pressão externa sobre sua consciência cívica, caso tenha uma. De modo que, por conta dos que se presume que não a têm, pretende-se retirar dos demais o direito de tê-la. E a obrigação de seguir a direção das pressões ou constrangimentos.
   Se o Legislativo aprovar a extinção do voto secreto em nome da transparência, estará, em nome desta, manejando a pá com que poderá estar cavando a própria sepultura.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.