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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Assembleia contra baixaria

Quarta, 28 de março de 2012 
Por Ivan de Carvalho
A Assembléia Legislativa da Bahia aprovou ontem, por ampla maioria, com o último resultado das votações nominais proclamado exatamente às 20 horas pelo presidente da Mesa, deputado Marcelo Nilo, o chamado projeto de lei “antibaixaria”, de autoria da deputada petista Luiza Maia, mas já na forma do substitutivo elaborado pelo relator, deputado João Bonfim, do PDT. Bonfim aparou algumas arestas do projeto, especialmente uma que estendia o alcance da lei aos municípios, no que feria o princípio federativo. Mas deixou outras arestas também afiadas, como se verá e sem as quais o projeto da deputada Luiz Maia não subsistiria.

Mais de 40 dos 63 deputados que compõem o Legislativo (dos quais 52 estavam presentes) votaram a favor. A matéria será encaminhada hoje para a sanção do governador, que tem prazo para sancionar ou vetar integral ou parcialmente o projeto aprovado. O governador também tem, constitucionalmente, a prerrogativa de omitir-se, deixando de sancionar ou vetar, e devolver a matéria à Assembléia. Neste caso nada restará ao presidente do Legislativo senão promulgar a lei e mandar publicá-la.

Diante da esmagadora maioria parlamentar que aprovou a lei, estando a maior parte da oposição em posição contrária, pode-se afirmar que a bancada governista endossou o projeto. E, se o fez sem nenhum embaraço, sem nenhuma restrição do Executivo, que naturalmente tinha conhecimento da tendência da grande maioria da Assembléia, especialmente da bancada do governo, presume-se que o governador vai sancionar. Na pior das hipóteses, devolveria sem sanção ou veto. O que se afigura descartado é um veto do governador.

De tudo isso resulta que o Estado da Bahia agora terá uma lei segundo a qual ele próprio fica proibido de contratar grupos artísticos cujas obras depreciem as mulheres. Simples assim. E, à primeira vista, exprimindo um conceito irretocável, o direito das mulheres de serem tratadas com respeito, o que, aliás, também é direito dos homens, assim como é direito dos homens e mulheres de todas as raças, religiões e assim por diante. Respeito é direito de todo ser humano.

Mas duas questões foram levantadas por deputados estaduais críticos do projeto, como é o caso do líder das oposições, o democrata Paulo Azi, entre outros. Azi considerou e continua considerando o projeto notoriamente inconstitucional, porque determina ao Estado discriminar grupos artísticos com base na maneira que eles têm de se expressar, quando a Constituição da República, bem como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU e da qual o Brasil é signatário, protege a liberdade de expressão. E quando há crime, existem o Código Penal e o Judiciário.

Há, ainda, outra questão sob esse aspecto de abrir espaço para discriminação estatal segundo a liberdade de expressão. Qual ou quais pessoas, reunidas ou não em algum órgão do Estado (se fosse órgão privado, isso não mudaria a essência da coisa), vão determinar se esta ou aquela obra supostamente artística deprecia ou não as mulheres? Bem, o grupo de pessoas ou a pessoa que exercer tal função é o censor. Pois censura é o que se estará fazendo, censura que vai impedir a contratação pelo Estado da Bahia de apresentação de partes da obra de Chico Anísio e Chico Buarque de Holanda, por exemplo.

Mas há outro problema. Na medida em que a lei diz que o Estado da Bahia não pode contratar espetáculo de um grupo musical, quando deprecie as mulheres, está dizendo que pode contratar um grupo musical que não deprecie. Creio que não devia o Estado da Bahia (nem a União, os municípios, as empresas estatais) gastar dinheiro, sem retorno econômico e financeiro garantidos, com festas e coisas do gênero, enquanto pessoas estiverem morrendo em filas do SUS ou recebendo assistência médica ruim, enquanto pessoas estejam sendo assaltadas, roubadas, mortas nas ruas, aos magotes, por falha do aparelho de segurança pública, enquanto existirem pessoas sem aula por falta de escolas ou professores, enquanto houver gente com sede e fome por causa da seca ou morando nas ruas por falta de habitação ou abrigos.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.