Quarta, 28 de março de 2012
Por Ivan de Carvalho

Mais de 40 dos 63 deputados que compõem o
Legislativo (dos quais 52 estavam presentes) votaram a favor. A matéria será
encaminhada hoje para a sanção do governador, que tem prazo para sancionar ou
vetar integral ou parcialmente o projeto aprovado. O governador também tem,
constitucionalmente, a prerrogativa de omitir-se, deixando de sancionar ou
vetar, e devolver a matéria à Assembléia. Neste caso nada restará ao presidente
do Legislativo senão promulgar a lei e mandar publicá-la.
Diante da esmagadora maioria parlamentar que
aprovou a lei, estando a maior parte da oposição em posição contrária, pode-se
afirmar que a bancada governista endossou o projeto. E, se o fez sem nenhum
embaraço, sem nenhuma restrição do Executivo, que naturalmente tinha
conhecimento da tendência da grande maioria da Assembléia, especialmente da
bancada do governo, presume-se que o governador vai sancionar. Na pior das
hipóteses, devolveria sem sanção ou veto. O que se afigura descartado é um veto
do governador.
De tudo isso resulta que o Estado da Bahia agora
terá uma lei segundo a qual ele próprio fica proibido de contratar grupos
artísticos cujas obras depreciem as mulheres. Simples assim. E, à primeira
vista, exprimindo um conceito irretocável, o direito das mulheres de serem
tratadas com respeito, o que, aliás, também é direito dos homens, assim como é
direito dos homens e mulheres de todas as raças, religiões e assim por diante.
Respeito é direito de todo ser humano.
Mas duas questões foram levantadas por deputados
estaduais críticos do projeto, como é o caso do líder das oposições, o
democrata Paulo Azi, entre outros. Azi considerou e continua considerando o
projeto notoriamente inconstitucional, porque determina ao Estado discriminar
grupos artísticos com base na maneira que eles têm de se expressar, quando a
Constituição da República, bem como a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada pela ONU e da qual o Brasil é signatário, protege a liberdade de
expressão. E quando há crime, existem o Código Penal e o Judiciário.
Há, ainda, outra questão sob esse aspecto de
abrir espaço para discriminação estatal segundo a liberdade de expressão. Qual
ou quais pessoas, reunidas ou não em algum órgão do Estado (se fosse órgão privado,
isso não mudaria a essência da coisa), vão determinar se esta ou aquela obra
supostamente artística deprecia ou não as mulheres? Bem, o grupo de pessoas ou
a pessoa que exercer tal função é o censor. Pois censura é o que se estará
fazendo, censura que vai impedir a contratação pelo Estado da Bahia de
apresentação de partes da obra de Chico Anísio e Chico Buarque de Holanda, por
exemplo.
Mas há outro problema. Na medida em que a lei diz
que o Estado da Bahia não pode contratar espetáculo de um grupo musical, quando
deprecie as mulheres, está dizendo que pode contratar um grupo musical que não
deprecie. Creio que não devia o Estado da Bahia (nem a União, os municípios, as
empresas estatais) gastar dinheiro, sem retorno econômico e financeiro garantidos,
com festas e coisas do gênero, enquanto pessoas estiverem morrendo em filas do
SUS ou recebendo assistência médica ruim, enquanto pessoas estejam sendo
assaltadas, roubadas, mortas nas ruas, aos magotes, por falha do aparelho de
segurança pública, enquanto existirem pessoas sem aula por falta de escolas ou
professores, enquanto houver gente com sede e fome por causa da seca ou morando
nas ruas por falta de habitação ou abrigos.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.