Terça, 20 de
novembro de 2012
Por Ivan de
Carvalho

Pressurosa,
a defesa de Perillo tentou expandir o efeito da medida liminar, ao sustentar
que esta impediria que o governador fosse “indiciado” pela CPI que funciona
(muito mal, aliás) na Câmara dos Deputados e se recusa a convocar o presidente
da espantosa empresa Delta, Fernando Cavendish.
Imediatamente, no entanto, o ministro Marco
Aurélio interferiu publicamente para desfazer a confusão: a CPI pode indiciar,
sim, o governador de Goiás. Em verdade, uma CPI na Câmara ou no Senado “pode
indiciar até o presidente da República”. A liminar não é impedimento para o
“indiciamento” de Marconi Perillo. “Nada impede que o relatório final da CPI
diga que existem indícios de que o governador cometeu crimes e mande para o
foro competente, no caso o Superior Tribunal de Justiça. A CPI pode indiciar
qualquer um, até mesmo o presidente da República”, disse.
O ministro do STF, apenas para
por as coisas na devida dimensão, explicou que o indiciamento pela CPI é apenas
uma “ficção jurídica”, pois só são formalmente indiciados aqueles que respondem
a inquéritos sob a autoridade do Poder Judiciário.
Até aqui fizemos o histórico
da questão para contextualizá-la. Mas o que mais importa é a questão federativa
levantada pela defesa do governador de Goiás e atendida plenamente pelo
ministro Marco Aurélio Mello.
A defesa do governador
afirmara, ao pedir a liminar, que “cabe ao Congresso Nacional fiscalizar e
controlar os atos do Poder Executivo, revelando-se ilegal e inconstitucional a
tentativa de investigar os demais níveis federativos”. O ministro Marco Aurélio
Mello atendeu quanto à impossibilidade da comissão parlamentar de inquérito da
Câmara federal convocar o governador e ontem, ante a confusão feita em torno de
sua liminar, na CPI do Cachoeira e também pela própria defesa de Perillo, afirmou:
“O que não dá é para olvidar que temos uma federação e que um órgão federal não
pode convocar um governador de Estado. Ele pode até ser convocado pela
Assembléia Legislativa, mas não pelo Congresso Nacional”.
Pode-se, a partir da liminar e
dessa explicação do ministro do STF, inferir que uma CPI criada numa Assembléia
Legislativa também não tem poder para convocar um prefeito, porque este está em
um nível federativo diferente (ainda que o mais modesto).
A liminar do ministro Marco
Aurélio é importante exatamente por afirmar o respeito devido ao princípio
federativo, um princípio que nunca foi muito considerado no Brasil, mas foi
profundamente abastardado no regime ditatorial chefiado por Getúlio Vargas (de
1930 a 1945, com fase mais aguda de 1937 a 1945, quando essa ditadura foi
extinta) e no regime militar iniciado em 1964, que se manteve até 1985.
Essas duas ditaduras chutaram
o pau da barraca, não somente passando o poder federal a escolher informalmente
os governadores de Estados, como a tirar formalmente grande parte da autonomia,
inclusive formal, dos Estados e municípios. Hoje, a legislação em nível
estadual é quase totalmente mera cópia adaptada da legislação federal, descendo
isso a detalhes. E, por meio da legislação tributária, a União passou a ter um
enorme poder de fato sobre os Estados e os Municípios por intermédio das
dotações orçamentárias voluntárias.
Uma parte de tudo isso pode
ser boa, proporcionando uma uniformidade que evita eventuais e bem prováveis
absurdos, mas também pode ser perigosa. A outra, a relacionada com a
centralização superlativa dos recursos financeiros, é necessariamente ruim.
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Este artigo foi publicado originariamente na
Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.