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(Millôr Fernandes)

domingo, 18 de março de 2018

Na ONU, Brasil mascara realidade de violência contra povos indígenas

Domingo, 18 de março de 2018
Do Cimi

Cimi denunciou os assassinatos dos professores Marcondes Namblá Xokleng e Daniel Kabinxana Tapirapé, a queima da base de proteção na terra indígena Karipuna e a violência da PM contra famílias Kaingang. Brasil rebateu e afirmou que direitos indígenas são respeitados no país.
Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Manifestação durante Acampamento Terra Livrede 2017.
POR GUILHERME CAVALLI, ASCOM CIMI
A violenta conjuntura enfrentada pelos povos indígenas no Brasil foi denunciada na terça-feira (14) durante a 37º sessão regular do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, Suíça. Os casos de violações e a ineficácia do Estado na execução de políticas públicas junto as comunidades tradicionais foram apresentados na mesa que debate a situação de direitos humanos que exigem a atenção do Conselho. Ao classificar a denúncia como “alegações incompletas e enganosas”, Brasil rebateu e afirmou que direitos indígenas são respeitados no país. 
Entre os temas levados à instância internacional pelo representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), destacou-se os assassinatos dos professores Marcondes Namblá Xokleng e Daniel Kabinxana Tapirapé, nos estados de Santa Catarina e Mato Grosso, no mês de janeiro; a queima da base de proteção na terra indígena Karipuna, em Rondônia; e o despejo extrajudicial, com práticas de tortura, contra famílias do povo Kaingang, pela polícia militar do Rio Grande do Sul, em fevereiro.

Os fatos “dão mostras inequívocas de que o patamar de violências e violações contra os povos, seus membros e seus direitos, alcançou um nível de envergadura insuportável no país”, descreve o texto. O Cimi chamou atenção ainda para medidas do Executivas brasileiro que “potencializado exponencialmente os perigos a que os povos [indígenas] estão submetidos”. O estrangulamento orçamentário da Fundação Nacional do Índio (Funai), a criação do Parecer Anti-Demarcação da Advocacia Geral da União e a tese inconstitucional do Marco Temporal foram expostas como “ações que exercem permanente pressão sobre os povos e seus direitos no Brasil”.
“Nesse cenário, os riscos da prática de despejos extrajudiciais contra comunidades indígenas e da ocorrência de genocídios e etnocídios estão fortemente colocados. Massacres de grupos isolados já tem sido denunciados e novos casos são potencialmente iminentes”.
“A estratégia anti-indígena em curso tem provocado uma espiral de violações que chega, neste ano de 2018, numa fase onde a barbárie contra os povos é praticada sem remorsos por “indivíduos comuns” e por forças armadas do próprio Estado”, declarou em artigoCleber Buzatto, secretário-executivo do Cimi. “Temos alertado, insistentemente, acerca da existência e implementação de uma estratégia anti-indígena no país por parte de setores do Capital, nacional e transnacional, que atuam no campo brasileiro, que se beneficiam e fortalecem, cada vez mais, o modelo do agronegócio Brasil afora”.
Governo e argumentos frágeis
Em réplica a denúncia, Estado brasileiro diz assumir “longo compromisso com a promoção e a proteção dos direitos dos povos indígenas”. A afirmação da representação brasileira na ONU ocorreu na mesma semana em que o país foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violar direitos indígenas. Em decisão histórica, CIDH reconhece que Estado brasileiro atuou de forma lenta e inadequada na demarcação da terra do povo Xukuru, em Pernambuco.
A quase total paralisação dos procedimentos demarcatórios de terras indígenas e quilombolas durante governo Temer foi rebatido pelo Brasil ao apontar o reconhecimento da terra indígena Jurubaxi-Téa, no Amazonas. Contudo, são 836 terras indígenas com pendências administrativas para terem seus procedimentos demarcatórios finalizados. Desses, 530 terras indígenas sem nenhuma providência para demarcação. Além da paralisação, Estado brasileiro, atua para rever e até revogar procedimentos assinados por presidentes anteriores, como ocorreu na anulação da portaria declaratória que demarcou a Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo.
“Não é novidade para ninguém que trabalhamos com o segundo menor orçamento da história da Funai”
Na semana passada, em reunião com lideranças indígenas Karipuna, Franklimberg Ribeiro de Freitas afirmou “ser do conhecimento de todos os cortes orçamentários na Funai”. “Não é novidade para ninguém que trabalhamos com o segundo menor orçamento da história da Funai”, advertiu o general que está à frente do órgão indigenista do governo Temer. Contudo, na ONU, ao contrário do que garantiu o presidente da instituição, Brasil garante que “Funai permanece totalmente comprometida para garantir os direitos dos povos indígenas do Brasil”.
“A reação da representação do governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, diante das denúncias apresentadas pelo Cimi, consiste numa desesperada e frustrada tentativa de ‘encobrir o sol com a peneira’”, sustenta Cleber Buzatto.
“O Cimi reafirma as denúncias feitas, pois as mesmas se sustentam na dura realidade enfrentada pelos povos indígenas no Brasil”.
Outras denúncias
Na mesa que debateu sobre os direitos da criança, no dia 5 de fevereiro, também pertencente a 37º sessão regular do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a carta lida por representante do Cimi evidenciou a situação dramática das crianças indígenas, violentadas por políticas genocidas que as retiram do convívio de suas famílias. “Contra os Guarani Kaiowá, observa-se uma dupla violação, uma vez que sob o argumento da indigência, crianças indígenas têm sido retiradas forçosamente de seus pais e colocadas em abrigos públicos. As crianças indígenas representam 60% das crianças internadas”, noticiou o Cimi.
Segundo Aty Guasu, organização do povo, a forma como são feitas as intervenções pelos “órgãos de proteção” desrespeita o modo de vida física e cultural do povo Guarani e Kaiowá, e são fundamentadas em “conceitos e interpretações racistas, preconceituosas, primárias, ignorantes à diversidade dos povos indígenas”.
Em maio de 2017, durante a Revisão Periódica Universal (RPU), encontro que analisa a atuação do Estado frente as políticas ligadas a Direitos Humanos, 29 países mostraram-se preocupados com as políticas anti-indígenas assumidas pelo Governo brasileiro. A ineficiência do Estado junto aos povos indígenas esteve entre os temas mais apontados na sabatina. Ações do Governo Federal que dificultam a promoção da vida dos indígenas, como desmonte da FUNAI, morosidade na garantia do direito constitucional a terra, violência aos povos indígenas, ausência de proteção a defensores de direitos humanos, foram os temas mais citados nas considerações ao Brasil.
As denúncias levadas à Genebra buscam o monitoramento dos organismos multilaterais de direitos humanos, em especial do CDH da ONU, sobre a situação de violações a que os povos indígenas estão submetidos.

Brasília, Genebra
14 de março 2018.

Conselho de direitos humanos
37º Sessão regular do Conselho de Direitos Humanos
26 fevereiro a 23 março 2018


Item 4: Situação de Direitos Humanos que exigem a atenção do Conselho
 – Debate Geral –

O ano 2018 apresenta-se como extremamente perigoso e desafiador para os povos indígenas no Brasil. Os assassinatos dos professores Marcondes Namblá Xokleng, a pauladas, e Daniel Kabinxana Tapirapé, apedrejado, nos estados de Santa Catarina e Mato Grosso, respectivamente, no mês de janeiro;  a queima da base de proteção na terra indígena Karipuna, em Rondônia;  o despejo extrajudicial, com práticas de tortura, contra famílias do povo Kaingang, pela polícia militar do Rio Grande do Sul, em fevereiro; dão mostras inequívocas de que o patamar de violências e violações contra os povos, seus membros e seus direitos, alcançou um nível de envergadura insuportável no país.
O perigo a que os povos estão submetidos é potencializado exponencialmente por iniciativas de Poderes do Estado brasileiro. O Parecer Anti-demarcação 001/17 da Advocacia Geral da União/Temer; a paralização dos procedimentos de demarcação das terras indígenas; o estrangulamento orçamentário e a instrumentalização política da Fundação Nacional do Índio (Funai) aos interesses do fundamentalismo religioso e do agronegócio; a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 215/00; a tentativa de legalizar a invasão e a exploração externa das terras indígenas; as reintegrações de posse; a negativa do acesso à justiça e a sombra do Marco Temporal são ações que exercem permanente pressão sobre os povos e seus direitos no Brasil.
Nesse cenário, os riscos da prática de despejos extrajudiciais contra comunidades indígenas e da ocorrência de genocídios e etnocídios estão fortemente colocados. Massacres de grupos isolados já tem sido denunciados e novos casos são potencialmente iminentes.
Consideramos de fundamental importância o permanente monitoramento e a emissão de posicionamentos direcionados por parte de organismos multilaterais de direitos humanos, de modo especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, acerca dessa situação de violações a que os povos originários estão submetidos no Brasil.
Muito obrigado.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi