Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 28 de julho de 2019

Meu relacionamento pessoal e político com Brizola governador, e Lacerda, jornalista e também governador

Domingo, 28 de julho de 2019
Por
Helio Fernandes*
Pelo menos nos últimos 10 anos, tenho sido questionado pelo fato de ser amigo de Carlos Lacerda e mais tarde também de Brizola. Os dois, ferrenhos inimigos, que jamais se falaram ou concordaram em se encontrar, mesmo depois de conversarem.

Brizola fez toda a carreira no seu estado, começou como deputado estadual, depois prefeito de Porto Alegre, governador, nome  nacional com a "Liga da Legalidade". Só veio ao já Estado da Guanabara em 1962 para se candidatar a deputado federal, apesar de ainda governador.
Lacerda governava o estado, Brizola foi eleito com votação impressionante. De cada 10 votos, 2 eram dele. Voltou para o RS, reassumiu o governo. Quando terminou o mandato, tomou posse na Câmara, mas em Brasília. Eu combati a mudança da capital para Brasília, considerava "catástrofe nacional", foi e continua sendo, tragédia irrefutável e irrevogável. E raramente ia lá.

Logo veio a ditadura de 64, Brizola foi cassado, caçado, perseguido. Para sobreviver teve que sair do Brasil, só voltou com a farsa da "anistia ampla, geral e irrestrita". O objetivo era salvar os generais torturadores,que praticaram arbitrariedades, prisões, assassinatos, durante 21 anos.

Dominando a ditadura que Bolsonaro garantiu que não houve. Mas foram obrigados a permitir a volta de asilados e exilados. Chegaram então Prestes, Arraes, Brizola, Marcio Moreira Alves, Hermano Alves, todos que passaram dezenas de anos fora do País.

Um dia eu  estava no jornal, (minha segunda casa durante 46 anos, de 1962 a 2008, eu disse que jamais sairia do país, apesar de respeitar os que saíram) me avisam da portaria: "O governador Brizola está aqui, quer falar com o senhor". Não tinha escolha ou opção, mandei que subissem com ele.

Foi logo me dizendo: "Cheguei ontem, minha primeira visita é esta, considero que é obrigatória, por tudo o que você representou e representa". (Quando lancei o manifesto da Frente Ampla, Carlos Lacerda resolveu ir a Montevidéo conversar com Jango. Me convidou pra ir com ele, não tive autorização para sair do país. Esteve com Jango, depois me contou: "O jornalista Helio Fernandes não vinha com o senhor?". Lacerda explicou a razão, Jango respondeu: "Todos os dias chegam aqui 50 ou 60 exemplares da Tribuna, disputados por todos, somos mais de 100. Temos a maior admiração pela luta do jornalista. Não sabemos como ele pode resistir tanto sem nenhuma concessão".)

Voltemos a Brizola. A partir desse primeiro encontro, construímos um relacionamento político e uma ligação pessoal, efetiva e produtiva. Brizola fez uma nova carreira política no Rio, passou a ser um cidadão duas vezes governador, por dois estados diferentes.

Um dia como governador do estado da Guanabara, me convidou  para ser candidato a senador . Não pude aceitar. Já tinha um convite de Tancredo Neves, ainda não presidente da República. Mas em 1985 ofereci um grande jantar ao presidente eleito e ainda não empossado (quem era quem estava na minha casa). Quanto ao convite, tive que recusar também.

Eu e o Brizola, construímos um relacionamento político e pessoal. Passamos madrugadas na sua casa, conversando e tomando o que ele chamava de café gaúcho, que eu nem sabia que existia e passei a gostar. Brizola fora da política era um excelente personagem.

Nos últimos 10 anos sem ele, passei pelo menos metade desse tempo explicando em todos os lugares como é que eu consegui ficar amigo de dois inimigos. A partir do meu atropelamento fiquei ilhado em casa e recebo telefonemas e mensagens com a mesma pergunta. 

A resposta é sempre a mesma: tínhamos a conexão e a convicção dos combatentes que não saem da trincheira, na qual se sentem admiravelmente situados. 

Só para terminar estas lembranças. Carlos Lacerda morreu em 1977. Brizola voltou para o Brasil em 1979. Como os dois tinham verdadeira obsessão para ser presidente da República. Nada disparatado que talvez se encontrassem como adversários numa disputa presidencial. O destino constrói e destrói fatos que acontecem ou não acontecem sem a participação de ninguém. 

PS- Até hoje não consigo responder: fui mais amigo de Lacerda ou de Brizola? Com Lacerda, muito mais demorada e intensa, porque nós dois existíamos política e jornalisticamente, na mesma cidade.

PS2- Com Brizola relacionamento excelente, mas muito mais rápido, por causa da separação imposta pela ditadura.

TANCREDO, BRIZOLA, LACERDA

Ontem contei rapidamente meu relacionamento pessoal e político com essas três fulgurantes personalidades. Mas logicamente faltou contar muita coisa, principalmente em relação a Tancredo. Dos três era o que tinha menos possibilidades de ser presidente.

Naturalmente sem esquecer Ulisses Guimarães, que tinha o mesmo objetivo com roteiro diferente.

Em 1984, ano marcado pelo épico e histórico movimento das "diretas, já", Ulisses e Tancredo fizeram acordo. Se a eleição fosse DIRETA, o candidato da oposição seria o "Doutor Ulisses". INDIRETA, Tancredo Neves.

O grande acordo que mobilizou o pais inteiro, e teria construído uma democracia invencível e indestrutível, foi derrotado por míseros 24 votos.

Os maiores órgãos de comunicação que garantiam a ditadura, ficaram contra a eleição pelo povo, apoiaram abertamente Paulo Maluf. Que República!!!
Lacerda morreu em 1977.

Ulisses cumpriu o acordo, não concorreu.

Brizola tinha mandato até 1986, podia renunciar e disputar em 1985. Mas visceralmente contra INDIRETAS, tentou uma jogada arriscadíssima. Prorrogar a eleição para outra data, pelo voto direto. O que se realizou em 1989, com 11 candidatos, incluídos ele e Lula, os dois pela primeira vez.

Lula foi para o segundo turno, superando Brizola por meio ponto. Chamou-o de "sapo barbudo", mas votou nele. Só que ninguém ganharia da surpresa e incógnita Fernando Collor.

Para 1985, sobrou apenas Tancredo, que ganhou fácil. Helio Fernandes filho, que era vereador, homenageou o presidente eleito com a Medalha Pedro Ernesto, a mais importante do Rio. Compareci, claro, por ele e pelo Helinho.

Tancredo, que adorava festa, falou: "Falta um jantar antes da posse".

Helinho respondeu, "presidente, não tenho organização para isso, meu pai pode realizar". Tancredo me abraçou, respondi: "Presidente, o senhor conhece a minha casa, terá jantar inesquecível".  Como tudo se sabe, Roberto Marinho, porta voz e beneficiário da ditadura, telefonou para Tancredo: "Você não pode ir jantar na casa do Helio Fernandes, ele é meu inimigo".

Sem hesitação, o presidente eleito e ainda não empossado, respondeu: "Ele é meu amigo, me convidou pessoalmente, aceitei e vou comparecer".

Foi notável e inesquecível. Governadores, senadores, deputados, jornalistas, advogados, intelectuais, artistas, quem era quem estava presente. 

Foi homenagem, mas também manifestação política. Brizola, isolado e irritado, protestou: "Você não podia convidar o Sarney". Respondi: "Ele é vice- presidente eleito, recomendação especial do presidente".
 
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*Fonte: Blog Oficial do Jornal da Tribuna da Imprensa. Matéria pode ser republicada com citação do autor.