Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 1 de junho de 2022

'A censura política nos anos de chumbo'. 1º de junho, Dia da Imprensa no Brasil

Quarta, 1º de junho de 2022

Neste primeiro de junho, data em que é celebrado o Dia da Imprensa no Brasil, o Blog Gama Livre republica o texto "A censura política nos anos de chumbo". Artigo de Antônio Matos, jornalista, professor universitário e delegado de polícia do Estado da Bahia. A primeira publicação de tal artigo no Gama Livre ocorreu no dia 31 de março de 2014, mas voltou a ser postada no dia 7 de abril de 2021.

A seguir o artigo. 

A censura política nos anos de chumbo

Segunda, 31 de março de 2014
Por Antônio Matos*
A censura política, sofrida pela imprensa brasileira após o golpe militar de 1964, era feita de duas maneiras: ou por meio de bilhetes/notas oficiais e telefonemas do Exército (e, mais tarde, da Polícia Federal), determinando quais os assuntos que deveriam ser noticiados ou com censores/policiais, revisando nas redações todo o material a ser publicado, a chamada censura prévia.
Além disso, havia ainda as ações intimidatórias, como os “convites” para que repórteres, redatores, produtores e editores comparecessem ao comando local da Região Militar do Exército, a fim de prestar esclarecimentos a respeito de notas, matérias e reportagens já publicadas e apontadas, pelos censores, como atentatórias à segurança nacional ou que tivessem provocado prejuízos à imagem das Forças Armadas.
Na Tribuna da Bahia, onde trabalhei desde a Escolinha TB — uma oficina criada por Quintino de Carvalho, para os repórteres que iriam trabalhar no jornal — em 1968, até junho de 1974, acho que a censura foi mais rigorosa do que a exercida pelo governo militar nos outros veículos de comunicação do estado.
Os motivos para isso estavam mais ou menos explicados: embora presidida por um empresário e ex-banqueiro Elmano Castro, a TB tinha como redator-chefe o conceituado jornalista Quintino de Carvalho, com larga experiência no “Jornal do Brasil”, ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro e com atuação destacada em “O Momento”, jornal do Partidão na Bahia, diversas vezes empastelado pela polícia estadual, e que circulou em Salvador, de 1945 a 1957.
Quintino, que resgatara, no hoje extinto “Jornal da Bahia”, Misael Peixoto, chefe da diagramação — seu colega em “O Momento” e também antigo filiado ao PCB — comandava uma redação, em sua maioria, formada por esquerdistas de todos os matizes (radicais, atuantes, ideológicos, festivos e simpatizantes), jovens rebeldes e idealistas, basicamente com menos de 25 anos e recrutados nas faculdades de Biblioteconomia e Comunicação e de Direito.
Diante deste ambiente incendiário, cansei de ver, da minha carteira da chefia da Editoria de Esportes, bem em frente ao corredor, notadamente no ano de 1973, a chegada dos temíveis e pouco simpáticos censores, dirigindo-se arrogantemente, ao gabinete do redator-chefe, com as notas — muitas vezes, numa tira fina de papel — que sempre começavam com um vago “de ordem superior” e, em algumas ocasiões, chegavam a fixar o período da proibição.
Quando o assunto tinha a classificação “muito importante” pelos órgãos de repressão, era o próprio superintendente regional da Polícia Federal — no caso da Bahia, o coronel do Exército, Luiz Arthur de Carvalho — quem pessoalmente encaminhava às redações o que estava proibido ou o que deveria ser divulgado.
A censura era indiscriminada: proibia a publicação de uma epidemia de malária no Amazonas, de notícias relacionadas ao aniversário de nascimento do revolucionário russo Lenin, do discurso de um deputado, até a divulgação de uma nova lista de presos políticos apresentada por sequestradores para troca por algum embaixador feito refém. As determinações eram pouco questionadas e sempre atendidas, às vezes até com algum exagero.
A doutrina de Segurança Nacional — desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG), pelo general Golbery do Couto e Silva — utilizava a repugnante censura sob a alegação de que assim estaria combatendo o comunismo, responsabilizado por uma propaganda subliminar do sexo, do amor livre, da obscenidade, das drogas, por meio da mídia, do teatro, do cinema e da música, para corromper a família e os costumes.
Em defesa também desta injustificável censura à imprensa, Gama e Silva, ministro da Justiça durante o governo Costa e Silva e redator do repressivo Ato Institucional número 5, procurou minimizar a intervenção do Estado na mídia. Usou um eufemismo, ao afirmar que eram apenas orientações para a redação dos noticiários e das publicações “dentro de um clima de respeito à autoridade”.
Felizmente, os tempos são outros. Não existem mais Golbery nem Gama e Silva. A censura política na imprensa — pelo menos, ostensivamente e de modo oficial — é coisa do passado. É bom lembrar que a liberdade da imprensa, inimiga dos ditadores, é fundamental para o desenvolvimento do país, pois incentiva o debate, amplia o acesso às informações e promove a troca de ideias.

*Antônio Matos é jornalista e delegado de polícia na Bahia.
Fonte: Site Política Livre
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Comentário do Gama Livre: A Tribuna da Bahia certamente foi o veículo de comunicação baiano mais censurado pelo golpe de 1964. Trabalhei (eu, Taciano Lemos de Carvalho) lá no início dos anos 70, quando a ditadura e a censura comiam soltas. Quantas vezes todo mundo da Tribuna se mobilizava para distribuir o jornal às bancas de revistas antes que o sistema repressor chegasse para empastelar o jornal na Rua Djalma Dutra, número 121? Além das censuras apontadas pelo autor do artigo acima (Antônio Matos) frequentemente chegavam "ordens" para não falar sobre, por exemplo, a crise do açúcar, a crise do café, a crise na lavoura da cana-de-açúcar. E, muitas vezes, a crise no abastecimento de carne. Ah, seu general Tomé de Souza, ex-superintendente nacional da Sunab, se eu te vejo nos dias de hoje...