Neste primeiro de junho, data em que é celebrado o Dia da Imprensa no Brasil, o Blog Gama Livre republica o texto "A censura política nos anos de chumbo". Artigo de Antônio Matos, jornalista, professor universitário e delegado de polícia do Estado da Bahia. A primeira publicação de tal artigo no Gama Livre ocorreu no dia 31 de março de 2014, mas voltou a ser postada no dia 7 de abril de 2021.
A seguir o artigo.
A censura política nos anos de chumbo
Segunda, 31 de março de 2014
Por Antônio Matos*
A censura política, sofrida pela imprensa brasileira após o golpe militar de 1964, era feita de duas maneiras: ou por meio de bilhetes/notas oficiais e telefonemas do Exército (e, mais tarde, da Polícia Federal), determinando quais os assuntos que deveriam ser noticiados ou com censores/policiais, revisando nas redações todo o material a ser publicado, a chamada censura prévia.
Além disso, havia ainda as ações intimidatórias, como os “convites” para que repórteres, redatores, produtores e editores comparecessem ao comando local da Região Militar do Exército, a fim de prestar esclarecimentos a respeito de notas, matérias e reportagens já publicadas e apontadas, pelos censores, como atentatórias à segurança nacional ou que tivessem provocado prejuízos à imagem das Forças Armadas.
Na Tribuna da Bahia, onde trabalhei desde a Escolinha TB — uma oficina criada por Quintino de Carvalho, para os repórteres que iriam trabalhar no jornal — em 1968, até junho de 1974, acho que a censura foi mais rigorosa do que a exercida pelo governo militar nos outros veículos de comunicação do estado.
Os motivos para isso estavam mais ou menos explicados: embora presidida por um empresário e ex-banqueiro Elmano Castro, a TB tinha como redator-chefe o conceituado jornalista Quintino de Carvalho, com larga experiência no “Jornal do Brasil”, ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro e com atuação destacada em “O Momento”, jornal do Partidão na Bahia, diversas vezes empastelado pela polícia estadual, e que circulou em Salvador, de 1945 a 1957.
Quintino, que resgatara, no hoje extinto “Jornal da Bahia”, Misael Peixoto, chefe da diagramação — seu colega em “O Momento” e também antigo filiado ao PCB — comandava uma redação, em sua maioria, formada por esquerdistas de todos os matizes (radicais, atuantes, ideológicos, festivos e simpatizantes), jovens rebeldes e idealistas, basicamente com menos de 25 anos e recrutados nas faculdades de Biblioteconomia e Comunicação e de Direito.
Diante deste ambiente incendiário, cansei de ver, da minha carteira da chefia da Editoria de Esportes, bem em frente ao corredor, notadamente no ano de 1973, a chegada dos temíveis e pouco simpáticos censores, dirigindo-se arrogantemente, ao gabinete do redator-chefe, com as notas — muitas vezes, numa tira fina de papel — que sempre começavam com um vago “de ordem superior” e, em algumas ocasiões, chegavam a fixar o período da proibição.
Quando o assunto tinha a classificação “muito importante” pelos órgãos de repressão, era o próprio superintendente regional da Polícia Federal — no caso da Bahia, o coronel do Exército, Luiz Arthur de Carvalho — quem pessoalmente encaminhava às redações o que estava proibido ou o que deveria ser divulgado.
A censura era indiscriminada: proibia a publicação de uma epidemia de malária no Amazonas, de notícias relacionadas ao aniversário de nascimento do revolucionário russo Lenin, do discurso de um deputado, até a divulgação de uma nova lista de presos políticos apresentada por sequestradores para troca por algum embaixador feito refém. As determinações eram pouco questionadas e sempre atendidas, às vezes até com algum exagero.
A doutrina de Segurança Nacional — desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG), pelo general Golbery do Couto e Silva — utilizava a repugnante censura sob a alegação de que assim estaria combatendo o comunismo, responsabilizado por uma propaganda subliminar do sexo, do amor livre, da obscenidade, das drogas, por meio da mídia, do teatro, do cinema e da música, para corromper a família e os costumes.
Em defesa também desta injustificável censura à imprensa, Gama e Silva, ministro da Justiça durante o governo Costa e Silva e redator do repressivo Ato Institucional número 5, procurou minimizar a intervenção do Estado na mídia. Usou um eufemismo, ao afirmar que eram apenas orientações para a redação dos noticiários e das publicações “dentro de um clima de respeito à autoridade”.
Felizmente, os tempos são outros. Não existem mais Golbery nem Gama e Silva. A censura política na imprensa — pelo menos, ostensivamente e de modo oficial — é coisa do passado. É bom lembrar que a liberdade da imprensa, inimiga dos ditadores, é fundamental para o desenvolvimento do país, pois incentiva o debate, amplia o acesso às informações e promove a troca de ideias.
Além disso, havia ainda as ações intimidatórias, como os “convites” para que repórteres, redatores, produtores e editores comparecessem ao comando local da Região Militar do Exército, a fim de prestar esclarecimentos a respeito de notas, matérias e reportagens já publicadas e apontadas, pelos censores, como atentatórias à segurança nacional ou que tivessem provocado prejuízos à imagem das Forças Armadas.
Na Tribuna da Bahia, onde trabalhei desde a Escolinha TB — uma oficina criada por Quintino de Carvalho, para os repórteres que iriam trabalhar no jornal — em 1968, até junho de 1974, acho que a censura foi mais rigorosa do que a exercida pelo governo militar nos outros veículos de comunicação do estado.
Os motivos para isso estavam mais ou menos explicados: embora presidida por um empresário e ex-banqueiro Elmano Castro, a TB tinha como redator-chefe o conceituado jornalista Quintino de Carvalho, com larga experiência no “Jornal do Brasil”, ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro e com atuação destacada em “O Momento”, jornal do Partidão na Bahia, diversas vezes empastelado pela polícia estadual, e que circulou em Salvador, de 1945 a 1957.
Quintino, que resgatara, no hoje extinto “Jornal da Bahia”, Misael Peixoto, chefe da diagramação — seu colega em “O Momento” e também antigo filiado ao PCB — comandava uma redação, em sua maioria, formada por esquerdistas de todos os matizes (radicais, atuantes, ideológicos, festivos e simpatizantes), jovens rebeldes e idealistas, basicamente com menos de 25 anos e recrutados nas faculdades de Biblioteconomia e Comunicação e de Direito.
Diante deste ambiente incendiário, cansei de ver, da minha carteira da chefia da Editoria de Esportes, bem em frente ao corredor, notadamente no ano de 1973, a chegada dos temíveis e pouco simpáticos censores, dirigindo-se arrogantemente, ao gabinete do redator-chefe, com as notas — muitas vezes, numa tira fina de papel — que sempre começavam com um vago “de ordem superior” e, em algumas ocasiões, chegavam a fixar o período da proibição.
Quando o assunto tinha a classificação “muito importante” pelos órgãos de repressão, era o próprio superintendente regional da Polícia Federal — no caso da Bahia, o coronel do Exército, Luiz Arthur de Carvalho — quem pessoalmente encaminhava às redações o que estava proibido ou o que deveria ser divulgado.
A censura era indiscriminada: proibia a publicação de uma epidemia de malária no Amazonas, de notícias relacionadas ao aniversário de nascimento do revolucionário russo Lenin, do discurso de um deputado, até a divulgação de uma nova lista de presos políticos apresentada por sequestradores para troca por algum embaixador feito refém. As determinações eram pouco questionadas e sempre atendidas, às vezes até com algum exagero.
A doutrina de Segurança Nacional — desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG), pelo general Golbery do Couto e Silva — utilizava a repugnante censura sob a alegação de que assim estaria combatendo o comunismo, responsabilizado por uma propaganda subliminar do sexo, do amor livre, da obscenidade, das drogas, por meio da mídia, do teatro, do cinema e da música, para corromper a família e os costumes.
Em defesa também desta injustificável censura à imprensa, Gama e Silva, ministro da Justiça durante o governo Costa e Silva e redator do repressivo Ato Institucional número 5, procurou minimizar a intervenção do Estado na mídia. Usou um eufemismo, ao afirmar que eram apenas orientações para a redação dos noticiários e das publicações “dentro de um clima de respeito à autoridade”.
Felizmente, os tempos são outros. Não existem mais Golbery nem Gama e Silva. A censura política na imprensa — pelo menos, ostensivamente e de modo oficial — é coisa do passado. É bom lembrar que a liberdade da imprensa, inimiga dos ditadores, é fundamental para o desenvolvimento do país, pois incentiva o debate, amplia o acesso às informações e promove a troca de ideias.
*Antônio Matos é jornalista e delegado de polícia na Bahia.
Fonte: Site Política Livre
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Comentário do Gama Livre: A Tribuna da Bahia certamente foi o veículo de comunicação baiano mais censurado pelo golpe de 1964. Trabalhei (eu, Taciano Lemos de Carvalho) lá no início dos anos 70, quando a ditadura e a censura comiam soltas. Quantas vezes todo mundo da Tribuna se mobilizava para distribuir o jornal às bancas de revistas antes que o sistema repressor chegasse para empastelar o jornal na Rua Djalma Dutra, número 121? Além das censuras apontadas pelo autor do artigo acima (Antônio Matos) frequentemente chegavam "ordens" para não falar sobre, por exemplo, a crise do açúcar, a crise do café, a crise na lavoura da cana-de-açúcar. E, muitas vezes, a crise no abastecimento de carne. Ah, seu general Tomé de Souza, ex-superintendente nacional da Sunab, se eu te vejo nos dias de hoje...