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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

AS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES E OS ESPORTES

Sexta, 20 de janeiro de 2023
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 18 de janeiro de 2023

AS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES E OS ESPORTES

"O programa de escolas cívico-militares foi criado no governo Jair Bolsonaro. O governo Lula pretende extinguir a área e já acabou com a diretoria no MEC que era responsável por executá-la" (fonte: metropoles.com).

Em boa hora as escolas cívico-militares são "desmobilizadas", utilizando o termo do momento aplicado para os acampamentos golpistas realizados nos meses de novembro e dezembro de 2022 e janeiro de 2023 nas imediações de várias instalações militares.

Não consigo ver a mínima sustentação para a existência desse tipo de unidade escolar. A Constituição, ao tratar da Educação, define: a) a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber"; b) a "gestão democrática do ensino público" e c) a "promoção humanística" (a ser conformada na lei que estabelecerá o plano nacional de educação e fixará diretrizes, objetivos, metas e estratégias educacionais). Essas diretrizes constitucionais são refratárias ao modelo das escolas cívico-militares, onde militares comandam as ações disciplinares.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 1996), por sua vez, não contempla esse modelo educacional. Ademais, a citada lei menciona expressamente a "cultura de paz" e "medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying)". Não existe registro, na lei, para hierarquia ou disciplina como bases da organização educacional, como existe para a organização militar (art. 142 da Constituição). Ademais, nos termos da lei em comento, entre os profissionais da Educação, não figuram integrantes das forças de segurança, em especial militares (art. 61 e seguintes).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 1990) também não prevê a presença de militares no processo educacional. O referido diploma legal chega a estabelecer, em vários dispositivos (art. 70-A, por exemplo), a necessidade do Poder Público adotar ações para coibir “as formas violentas de educação, correção ou disciplina”. Com efeito, é inegável a associação, mesmo indireta, das violências física e simbólica com a presença cotidiana e ostensiva de forças policiais nas dependências escolares.

Também não se tem notícia de nenhuma corrente de pensadores da Educação que sustente a hierarquia e disciplina militares, instrumentos para operacionalizar certos tipos específicos de ações com uso da força, como pilares de sustentação para o processo educacional. Pelo contrário, a educação é sempre vista e colocada como ferramenta privilegiada para o desenvolvimento da liberdade, criatividade, espírito crítico e transformador, formação humanística, tolerância, compreensão, colaboração, paz, pluralidade e combate a todas as formas de discriminações e opressões.

Nessa linha, o jornalista Dioclécio Luz, autor do livro “A Escola do Medo – Vigilância, repressão e humilhação nas escolas militarizadas”, indaga: “Se nenhuma Faculdade de Educação do país aprova, por que, apesar disso, há centenas dessas escolas funcionando no Brasil?” (fonte: sinprodf.org.br). O aludido jornalista não encontrou um só artigo científico, dissertação de mestrado ou tese de doutorado que qualificasse o modelo.

Argumenta-se, em favor das escolas cívico-militares, com a necessidade de estimular os estudantes, notadamente adolescentes, para o respeito às noções de autoridade e disciplina.

Ocorre que as escolas cívico-militares atacam a consequência do problema num espaço determinado de convívio. As causas não são enfrentadas. Nessa linha, de valorização da militarização, precisaríamos desse tipo de atuação em outros âmbitos, como o ambiente familiar, os transportes públicos e as áreas de lazer. Em suma, uma ampla militarização, indesejável e inaceitável, do espaço social.

Existe um caminho eficiente e adequado para estimular o respeito à autoridade e à disciplina. Trata-se de um forte investimento em escolas de tempo integral com profundas mudanças curriculares, tornando o processo educacional efetivamente atrativo para as novas gerações, e com altas doses de atividades culturais e esportivas.

Os esportes possuem altíssima vocação para moldar os melhores valores. Pode e deve ser uma das mais importantes bases para o desenvolvimento de comportamentos saudáveis, em especial dos adolescentes, em todos os espaços do convívio social.

O esporte exige respeito às regras do jogo, à autoridade do árbitro/juiz, a disciplina da preparação, o esforço individual ou coletivo em busca de resultados e o aprendizado emergente das derrotas e vitórias. O esporte é uma miniatura da vida.

Em suma, precisamos buscar soluções efetivas para os problemas sociais. Devemos atacar as causas com criatividade e ousadia. O foco exclusivo e indevido nas consequências ou efeitos não concorre para desenvolver os mais nobres valores da coexistência social na sofrida sociedade brasileira com um catálogo absurdo de mazelas de todas as naturezas.