Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 7 de abril de 2023

ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO . . .

Sexta, 7 de abril de 2023



ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO ...

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 7 de abril de 2023

No dia 4 de abril de 2023, foi noticiado que a fortuna do homem mais rico do mundo alcançou a impressionante cifra de 1,1 trilhão de reais. O “felizardo” atende pelo nome de Bernard Arnault. O francês Arnault é o maior acionista da LVMH, um conglomerado com sede em Paris composto por 75 marcas independentes, sobretudo de bebidas, alta-costura e cosméticos (fonte: economia.uol.com.br).

Para se ter uma mínima ideia do tamanho desse patrimônio, podemos imaginar uma inusitada situação. Para o trilionário Bernard “consumir” sua fortuna, ele precisaria gastar cerca de 30 milhões de reais por dia (todo santo dia) durante 100 anos.

No dia 5 de abril de 2023, o Estadão (estado.com.br) divulgou que a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, no seu Relatório Mundial de Felicidade anual, destacou a Finlândia como o país com melhor avaliação de bem-estar pelo sexto ano consecutivo.

A matéria veiculada pelo Estadão, reproduzindo publicação do The New York Times, registra uma realidade bem mais complexa para além da marca de “país mais feliz do mundo”. Vários finlandeses entrevistados falaram sobre culpa, ansiedade e solidão na “terra da felicidade”. Entretanto, foram ressaltados os seguintes aspectos: a) a forte rede de segurança social; b) o atendimento das necessidades básicas e c) a generalização de um estilo de vida sustentável e psicologicamente saudável, com altas doses de atividades esportivas e culturais.

Arto Salonen, professor da University of Eastern Finland e pesquisador do bem-estar na sociedade finlandesa, afirmou algo extremamente relevante. Disse o estudioso, segundo o Estadão, reproduzindo o Times: “Quando você sabe o que é suficiente, você fica feliz”. Assim, numa dimensão mais pragmática e menos romântica ou idealista, a felicidade estaria mais próxima de um sentimento de satisfação. Em outras palavras, ser “feliz” é saber quando se tem o suficiente. Vale lembrar que o suficiente não se confunde com as necessidades mínimas para sobrevivência. Afinal, como dizia a canção de Arnaldo Antunes: “a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte, quer saída para qualquer parte, quer a vida como a vida quer, quer prazer pra aliviar a dor e quer inteiro não pela metade”.

Mas o que seria, ou será, suficiente para Bernard Arnault e os limitadíssimos (nos dois sentidos) integrantes do clube dos bilionários globais? Se a riqueza é finita e os mecanismos econômicos da sociedade contemporânea concentram altíssimos níveis de rendas e patrimônios nas mãos de poucos (pouquíssimos), inexoravelmente muitos (milhões, bilhões) serão privados das condições mais elementares de vida digna. Os dados disponíveis não mentem. Segundo o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU: a) quase 924 milhões de pessoas, ou 11,7% da população global, enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos e b) quase 3,1 bilhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável em 2020 (fonte: brasil.un.org). A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou que "mais de 4 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial, não têm acesso a nenhum tipo de proteção social" (fonte: vaticannews.va). O Relatório Mundial sobre as Desigualdades para 2022, produzido pela equipe de Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris, revela: a) os 10% mais ricos da população global atualmente respondem por 52% da renda global, enquanto a metade mais pobre da população ganha 8% dela; b) a metade mais pobre da população global mal possui alguma riqueza, tem apenas 2% do total dela. Em contraste, os 10% mais ricos da população global possuem 76% de toda a riqueza do planeta; c) desde 1995, a parcela da riqueza global em mãos de bilionários aumentou de 1% para mais de 3% (fonte: outraspalavras.net).

O panorama atual das sociedades brasileira e mundial é preocupante e desafiador. Além da aceleração das já abissais desigualdades socioeconômicas, como exposto, convivemos com: a) uma profunda crise ambiental; b) uma enorme financeirização parasitária da atividade econômica onde coexistem poderosas corporações transnacionais e Estados nacionais relativamente impotentes e c) a erosão dos valores democráticos e dos direitos humanos, considerada a crise da democracia representativa tradicional e a abordagem mais ampla e moderna que reconhece os direitos da natureza e dos animais. A superação dessas mazelas no sentido da construção de uma sociedade democrática, justa e sustentável assume ares de uma tarefa extremamente difícil, mas não impossível.

Antes de ser apontado como comunista, como milhões e milhões de espíritos sensíveis à justiça social, registro que a minha pretensão está posta em rumo diverso. Alimento a esperança numa organização socioeconômica da humanidade que antecipe o Céu (ou Mundo Espiritual) na Terra. Portanto, sou “ceuista”.

Que possamos ter, ainda por aqui, um sistema de produção e distribuição de riquezas que não transforme tudo em mercadoria, não destrua o Planeta Azul e não busque lucro e acumulação patrimonial acima de tudo e de todos. Se no Céu (ou Mundo Espiritual) não existem desigualdades e injustiças sociais, é uma utopia legítima pretender que comecemos “imediatamente” a treinar ou se acostumar com esses novos padrões de convívio como dominantes. São, é inegável, parâmetros radicalmente diferentes dos experimentados atualmente nos domínios de Arnault e companhia limitada (e como é limitada).