Sábado, 8 de abril de 2023
Insegurança alimentar, diminuição da biodiversidade destruição de sítios arqueológicos são alguns dos impactos das usinas eólicas - Vinícius Sobreira/Brasil de Fato
A produção 'Vento Agreste' critica o modelo de instalação das usinas no Brasil e os impactos à saúde e ao meio ambiente
Lucila Bezerra — Rádio Brasil de Fato —08 de Abril de 2023
A gente só tem duas opções: ou a gente saido lugar da gente ou as eólicas saem
Roselma de Melo mora há dez anos na comunidade de Sobradinho, no município de Caetés, no agreste pernambucano. Há oito anos, a família da agricultora é uma das 170 que convivem com os aerogeradores a cerca de cem metros de distância de suas casas.
"A gente só tem duas opções: ou sai do lugar da gente ou as eólicas saem. E a gente sabe que as eólicas não vão sair. Então, infelizmente, a gente vai ter que sair do local que escolheu pra viver", lamenta.
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A moradora também revela problemas relacionados à saúde. "Olhe, para a gente que mora praticamente embaixo delas [das hélices], piorou a saúde, a ansiedade aumentou, [além da] perda de sono e dificuldade para dormir. O barulho é frequente, todos os dias".
A denúncia de Roselma e outros danos causados às comunidades camponesas pelas usinas eólicas na região estão no documentário 'Vento Agreste', uma produção da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em parceria com o Instituto Mãe Terra.
Também participam a equipe de residência em saúde coletiva e agroecologia da Universidade de Pernambuco (UPE) e o Fundo Casa Socioambiental. O objetivo é apoiar a luta pela reparação dos direitos violados dos agricultores. O diretor e roteirista João Paulo Do Vale, que é agente da CPT, destaca que o filme foi uma forma de alcançar ainda mais pessoas com o trabalho de denúncia que já vinha sendo feito.
"A gente começou a tentar fazer intercâmbio, levando [o filme] para as comunidades afetadas, para elas sentirem, perceberem o que estava acontecendo. Isso tem funcionado muito bem, porque algumas comunidades que estavam ainda em dúvida sobre a instalação percebem que o parque eólico não faz sentido para suas comunidades. Então, a gente usou a estratégia de divulgação do conflito, de mostrar, fazer essa denúncia mesmo", destaca.
As gravações de Vento Agreste foram realizadas entre os meses de julho e outubro de 2022, a partir da atuação das organizações envolvidas em atividades de escuta, registro, formação e acompanhamento dos casos de violações de direitos causados pelas usinas eólicas. Uma das principais críticas é o modelo que tem sido utilizado para a instalação, onde os moradores acabam aceitando sem saber qual o impacto na prática.
"A questão não é energia eólica, mas o modelo. Na Europa, existe outra regulamentação. No Brasil, ela imita a lógica do latifúndio, da violência. Então a gente mostra o que realmente acontece, que essa energia não é suficiente nem para a natureza - que sofre com esse modelo de instalação no Brasil - e muito menos para os camponeses e os povos da natureza", complementa o diretor.
Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), existem 805 parques eólicos no Brasil, sendo 708 deles no Nordeste. Ao todo, a região possui mais de 8 mil aerogeradores instalados. Entre os impactos apontados pelos moradores estão distúrbios do sono, enxaqueca, estresse, depressão, interferência nas rotas de aves e danos ambientais.
O documentário aborda também o papel de denúncia que a comunidade assumiu desde a instalação do parque; e é possível conferi-lo no YouTube da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Agora, os moradores desejam apenas que ninguém passe pela mesma situação. "É um modo da gente poder desabafar. Toda vez que a gente conversa com alguém, a gente fala o que aconteceu, como a gente foi enganado e que a gente não teve a opção de escolher se vai querer passar pelo que a gente está passando. Não tivemos a oportunidade de ver o que estava acontecendo em outros lugares antes desse empreendimento chegar aqui", desabafa, mais uma vez, Roselma.
Edição: Douglas Matos
Fonte: Rádio Brasil de Fato