Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 31 de agosto de 2024

A PANDEMIA DAS CASAS DE APOSTAS ONLINE E OS MALEFÍCIOS DECORRENTES

Sábado, 31 de agosto de 2024


A PANDEMIA DAS CASAS DE APOSTAS ONLINE E OS MALEFÍCIOS DECORRENTES

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 31 de agosto de 2024

Convivemos com pandemias de várias naturezas. Temos, entre outras, pandemias de vírus (coronavírus, por exemplo), de deficiências de magnésio e “vitamina” D, de golpes virtuais, de obscurantismo político e de distúrbios mentais (ansiedade e depressão, entre outros). Recentemente, uma nova pandemia invadiu os lares dos brasileiros. Trata-se da verdadeira invasão de casas de apostas online (as bets).

A intensa propaganda das bets pode ser vista e ouvida em praticamente todos os lugares, com especial ênfase para os espaços eletrônicos nas redes sociais. Tentar identificar quantas e quais são essas casas não é uma tarefa fácil. E uma nova parece surgir a cada dia.

“O Ministério da Fazenda recebeu 113 pedidos de autorização de 108 empresas de apostas que desejam operar no Brasil a partir de janeiro de 2025, quando começam a valer as regras da chamada lei das bets./A autorização do governo para que essas empresas operem no país deve sair até 31 de dezembro de 2024. As casas de apostas ainda podem pedir liberação, mas, a partir de agora, a resposta pode levar até cinco meses (150 dias)” (fonte: g1.globo.com). Essa notícia foi veiculada no dia 21 de agosto de 2024.

A notícia menciona a chamada “lei das bets”. Trata-se da Lei n. 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Esse diploma legal dispõe sobre: a) o regime de exploração; b) o agente operador de apostas; c) o procedimento de autorização; d) a oferta e a realização de apostas; e) as transações de pagamento; f) os apostadores; g) os prêmios; h) a fiscalização e i) o regime sancionador.

Em relação aos apostadores, o legislador apontou: a) as pessoas impedidas de apostar (como os menores de 18 anos); b) os direitos básicos (aqueles aplicáveis aos consumidores e informação/orientação sobre regras, riscos de perda e transtorno patológico); c) o direito à orientação e ao atendimento e d) as condutas vedadas na oferta de apostas.

Aparentemente, as cautelas postas na legislação reguladora das bets não conseguiram evitar uma série de consequências negativas decorrentes dessa atividade.

Segundo levantamento do Instituto Locomotiva, o número de apostadores cresce em velocidade espantosa. “Nos últimos seis meses, esses aplicativos ganharam 25 milhões de usuários — quase metade do total de 52 milhões de brasileiros que fazem apostas esportivas” (fonte: uol.com.br).

A pesquisa referida indica que 84% desses apostadores novos integram as classes C, D e E. Apenas 16% deles são das classes A e B. Esse perfil dos apostadores causa preocupação crescente em função da limitada educação financeira e da baixa percepção de que utilizam um serviço voltado para o lucro. Infelizmente, a maioria dos apostadores vê na atividade uma mera possibilidade de renda extra.

Inúmeros especialistas mencionam o risco de redução do poder de compra dos consumidores e até algum comprometimento do faturamento do setor de varejo. A pesquisa do Instituto Locomotiva apurou que 37% dos apostadores reconheceram ter utilizado recursos que originalmente seriam “para coisas importantes”, 45% deles experimentaram prejuízos financeiros significativos e 86% dos usuários de apostas online estão endividados. “Em junho, a SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) divulgou um estudo que mostrava que 63% das pessoas que usavam as bets ficaram com renda menor. Por causa disso, 23% deixaram de comprar roupas, 19% reduziram as compras no supermercado e o mesmo percentual abriu mão de viajar” (fonte: uol.com.br).

Os impactos sobre a saúde mental dos apostadores também foi objeto de análise na pesquisa do Instituto Locomotiva. 60% dos usuários de apostas online reconheceram o efeito negativo no plano psicológico. Cerca de 51% apontaram o aumento da ansiedade e 47% relataram usar as apostas como elemento de fuga em relação a problemas pessoais de várias ordens.

“O Brasil já é o terceiro maior mercado de apostas online do mundo. Segundo a consultoria PwC, elas movimentaram em 2023 entre R$ 67,1 bilhões e R$ 97,6 bilhões, quase 1% do PIB, e neste ano devem chegar a R$ 130 bilhões. A Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo constatou que a renda de dois em três apostadores foi comprometida. Segundo o Banco Itaú, os jogadores perderam R$ 23,9 bilhões para as casas de apostas — muitas delas sem sede no País, à margem da arrecadação. Pelos cálculos da PwC, as apostas devoraram 1,38% do orçamento das classes D e E; o Santander estimou em 2,7%. Ambas as análises, ainda que sem cifras precisas, dão por certo o prejuízo a outros setores da economia” (fonte: estadao.com.br).

Algumas das consequências deletérias da invasão das casas de apostas online não possuem mensuração, ao menos por enquanto. A utilização da atividade para lavagem de dinheiro é uma grande preocupação. Inúmeros tipos de fraudes podem ser realizadas a partir da imensa facilidade das apostas e das celebridades contratadas para “vender ilusões”. Existem avaliações que ligam as apostas online ao aumento do absenteísmo no trabalho e da violência doméstica.

Esse quadro preocupante indica que é preciso dar uma atenção bem maior ao universo das apostas online. Dois caminhos devem ser trilhados com ênfase e urgência: a) profundas restrições no campo da publicidade e b) fortíssima oneração por intermédio da tributação. O tratamento dado ao fumo pode ser utilizado como importante parâmetro de atuação do Poder Público e dos setores organizados da sociedade civil.

O exercício da liberdade individual não pode ser apresentado como uma espécie de álibi para a realização de atividades econômicas nitidamente predatórias. Com efeito, a Constituição expressamente define no seu art. 220 que é preciso proteger a pessoa e a família de “produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde”, notadamente por intermédio de restrições à propaganda.

Parece fora de dúvida que a sociedade brasileira, em particular seus segmentos mais vulneráveis, está submetida, de forma indevida, a extrema agressividade das casas de apostas online. A busca por ganhos financeiros (enormes, diga-se de passagem) não pode ser efetivada com a realização de todos os malefícios mencionados. Em suma, a atividade econômica no Brasil não pode ser uma espécie de vale tudo por dinheiro.  

Guerra híbrida —Em debate sobre o livro "A Conspiração da Lava Jato", Luis Nassif faz um balanço sobre os 10 anos da operação

Sábado, 31 de agosto de 2024

Na UnB, o jornalista apontou fases e relembrou trajetória da Operação que mudou a história do país

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
 
Isabel Gomes e Cleide Martins do Lawfare Nunca Mais, o jurista José Geraldo de Sousa e o jornalista Luis Nassif - Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

O jornalista Luis Nassif esteve nesta quinta-feira (29) na Universidade de Brasília para apresentar o tema de seu livro mais recente, "A Conspiração da Lava Jato: O Jogo Político que Comprometeu o Futuro do País".

O livro oferece uma análise cronológica e detalhada da Operação Lava Jato e seus desdobramentos. A tese central é que além das principais consequências políticas da Lava Jato, liderado por Sérgio Moro, que culminou na derrubada de Dilma Rousseff da presidência, prisão de Lula no calor das eleições de 2018 e projeção de Bolsonaro, houve também um desmonte de empresas privadas brasileiras e de serviços públicos. 

“A Lava Jato é apenas um capítulo final. Ele se insere em um contexto mais amplo, envolvendo a década que contribuiu para o desmonte do país. Durante esse período, foi relativamente fácil obter informações, desde que houvesse critério na busca por elas. O livro reflete um conjunto de atores que participaram da conspiração dos anos 2010, que inclui mudanças significativas no campo social e tecnológico”, disse o jornalista Luis Nassif.

No livro que tem lançamento previsto para setembro, são vários os personagens que compõem a sina da história recente brasileira detalhados pelo autor. “No livro, você encontrará atores estrangeiros, como o Partido Democrático Republicano, a indústria de armas dos Estados Unidos, a máfia dos jogos dos Estados Unidos, o Supremo Tribunal Federal, que agora está se redimindo, o Ministério Público Federal com a Lava Jato, as Forças Armadas e o crime organizado”, explica o jornalista.

Elementos do golpe

Nassif destaca que o fio condutor do  livro foi identificar os fatores que levaram ao que ele chama de “desmonte do país”.  Ele reflete que revisou os últimos dez anos desde o início da Operação um grupo de agentes, movidos por interesses políticos particulares e assessorados por agentes dos Estados Unidos, que “manipularam a opinião pública e elevaram a figura do então juiz Sérgio Moro como herói de combate à corrupção no Brasil”.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

É neste sábado (31 de agosto) a Caminhada Contra o Feminicídio. Saída às 9h da frente da sede da Administração Regional do Gama. Não se cale! Participe!

Sexta, 30 de agosto de 2024

No Gama, Caminhada Contra o Feminicídio neste sábado (31/8). O silêncio Mata! Participe!


Conseggamadf 

  • Foto do perfil de conseggamadf

    Vamos impactar a cidade do Gama em defesa das mulheres, por justiça pelas vítimas e na conscientização da importância da denúncia!

    Caminhada contra o feminicídio!

    Faremos a conscientização a partir do dia 24/08 ao dia 31/08 (fique atento as ações durante a semana) e finalizaremos com a caminhada.

    Se você quer fazer parte desse movimento de conscientização e defesa das mulheres comente na publicação e vamos ajudar!

    “O que não nos escandaliza também nos define.”
    (Luís Fernando Veríssimo

Vamos impactar a cidade do Gama em defesa das mulheres, por justiça pelas vítimas e na conscientização da importância da denúncia!

Caminhada contra o feminicídio!

A caminhada será no dia 31, sábado, saindo às 9 horas da Administração do Gama e terá o destino final a Comercial da Quadra 03 do Setor Sul do Gama, próximo a ClíniGama. Foi nesta área que a Juliana foi vítima do feminicídio.

Se você quer fazer parte desse movimento de conscientização e defesa das mulheres comente na publicação e vamos ajudar!

“O que não nos escandaliza também nos define.”
(Luís Fernando Veríssimo)

Juntos podemos muito mais!

O apoio importante

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O Sr José é pai da jovem Juliana, a jovem que foi vitimada de forma cruel na última semana no Setor Sul do Gama.

Ele fez questão de reforçar o convite para unir a comunidade em defesa das mulheres.

Força Sr. José, estaremos ombreando nessa luta!

@bolaeviolagama @conseggamadf @oabgama @mpdftoficial @radarsantamariaegama @mocidadedogama @gamaverdedf @cem02_gama @cemi_gama @cg.cem01gama @cem03gama @cregamadf

Justiça aceita requerimento da PJ Militar e afasta comandante do Centro de Assistência do CBMDF

Sexta, 30 de agosto de 2024

Do MPDFT
MPDFT defende que a permanência do oficial no cargo apresenta risco potencial para condução eficaz da investigação em curso. A decisão é desta sexta-feira, 30 de agosto

A Justiça Militar do Distrito Federal aceitou, nesta sexta-feira, 30 de agosto, o pedido da 3ª Promotoria de Justiça Militar para afastar, até o encerramento das investigações, o tenente-coronel Herlanio Leite Gonçalves do comando do Centro de Assistência Bombeiro Militar do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (Ceabm/CBMDF). O requerimento do Ministério Público, encaminhado na terça-feira, 27 de agosto, teve o intuito de assegurar o êxito das investigações no inquérito policial.

Mesmo após a requisição para instauração do inquérito policial militar solicitada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) à Corregedoria do CBMDF, em 13 de agosto, o comandante não foi afastado do cargo. Para a 3ª PJ Militar, a permanência do oficial no posto apresenta um “risco potencial” para condução eficaz da investigação que está em curso, tanto pelo acesso ao sistema e prontuários médicos, quanto pela possibilidade de que haja alguma forma de coação contra os subordinados ou supostas vítimas de crimes cometidos por ele.

De acordo com os relatos recebidos pelo MPDFT, há suspeitas de que o comandante possa ter cometido os crimes de perseguição, violação de segredo profissional, exercício ilegal da medicina e alteração de dados ou informações na tentativa de induzir juízes ou peritos ao erro, previstos no Código Penal.

O MPDFT se manifestou em relação ao caso a partir de notícias na imprensa que denunciaram Herlanio Leite Gonçalves por acessar prontuários médicos de filhos e filhas de militares do CBMDF. O tenente-coronel, que não possui formação médica, não teria respaldo legal para ter acesso a esses dados, quebrando o sigilo médico dos pacientes.

Vargas: crônica de uma queda

Sexta, 30 de agosto de 2024
 

Vargas: crônica de uma queda

Roberto Amaral*

Na manhã de 24 de agosto, Carlos Lacerda e outros graduados próceres da oposição ainda festejavam com brindes de champanhe, na residência do advogado José Nabuco (figura proeminente nas altas rodas cariocas), o pedido de licença a que se rendera o presidente Getúlio Vargas, acuado pela solidão política e humana, e as exigências das forças armadas (que reclamavam sua renúncia), quando uma edição extraordinária do Repórter Esso anunciou o suicídio.

Para surpresa de toda a gente, o antigo ditador encontrara a saída no intricado labirinto em que se vira preso. Acusado de corrupto e coiteiro de marginais (sua inexplicada guarda pessoal), só, traído pelos que deveriam defendê-lo — fosse o guarda-costas Gregório Fortunato, fosse o general Zenóbio da Costa, seu ministro da Guerra que já traficava a permanência (inalcançada) no futuro governo — tomara o destino em suas mãos. Ao sair de cena se assegurava do papel de principal referência da política brasileira pelos anos que se seguiriam. Deixa, como “testamento” um projeto que ainda hoje guarda dramática atualidade. Não é mero acaso que esses 70 anos atraiam a atenção de um apontado como   “sem memória”.

Toda derrota, como toda vitória, contém seu outro lado. A oposição perdera o gozo que já prelibava, “vendo” o presidente de volta ao desterro de São Borja, refazendo, sem mais tempo para retorno, os caminhos de 1945, quando os mesmos militares que o haviam feito ditador em 1937 (à frente de todos Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra) o apearam da presidência.

Na contagem dos pontos, todavia, seus inimigos, espalhados por todo lado, no parlamento, na imprensa, nos quartéis, na vida acadêmica e nas ruas, igualmente se poderiam proclamar vitoriosos, pois, no vazio deixado pela saída dramática, instalara-se no Palácio do Catete, ainda quando se velava o morto, o governo de seus adversários, presidido pelo vice Café Filho, marioneta dos militares e da UDN, e aliado na maquinação golpista desde o primeiro momento. Terminaria seus dias como ministro aposentado do Tribunal de Contas do Estado da Guanabara, nomeado por Carlos Lacerda. Não seria, porém, nosso único vice-presidente perjuro.

O 24 de agosto de 1954, fonte de novas veredas na crise da República, começa a ser bordada antes mesmo da posse de Getúlio Vargas como presidente constitucional, e antes mesmo de sua eleição, em 1950. É conhecido o artigo de Carlos Lacerda na sua Tribuna da Imprensa, em que professa: “O Sr. Vargas não deve ser candidato; se for, não deve ser eleito; se eleito, não deve tomar posse; se tomar posse, não deve governar” (04/09/1950).

Vargas, como sabido, foi candidato, vencendo a resistência da família, que o via “um pouco desatualizado, um pouco desencantado” (Artes da política — Diálogo com Amaral Peixoto, Aspásia Camargo et alli, 1986), metáforas de um genro devedor para designar o temido encontro da solidão com a velhice. Getúlio vence o Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da caserna, da direita e das correntes identificadas com o liberalismo, dos democratas dos mais diversos matizes e mesmo de dissidentes comunistas, que haviam participado da resistência ao “Estado Novo” — nome fantasia tomado do salazarismo, com o qual se identifica a ditadura civil-militar liderada por Vargas entre 1937 e 1945, como um dos desdobramentos da chamada “revolução” de 1930na verdade uma cisão no mando oligárquico, que decretara o fim da República Velha.

Era inaceitável pela direita e pelos liberais, e agora por círculos militares crescentes, admitir que o ditador, derrubado em 1945, voltasse ao poder, que tanto o embriagava, desta feita “pelas mãos do povo”, isto é, mediante o processo eleitoral, base da democracia representativa. Sob os ventos democráticos soprados pela vitória dos aliados na Segunda Guerra, a consagração de Vargas implicava releitura histórica da ditadura e de seu principal astro. Era inaceitável sua absolvição. O 24 de agosto não foi um ponto de partida (não previa desdobramentos), e os fatos que se sucedem adquirem uma dinâmica que não estava nos cálculos dos conspiradores.
O velho ditador, porém, governa de forma irrepreensivelmente democrática, mas não se desfaz do programa que marcara o Estado Novo. A intervenção do Estado no domínio econômico, o privilégio à produção industrial e a defesa dos recursos naturais.  Aos quinze anos da “ditadura esclarecida”, também marcados por perseguições aos adversários e censura, devemos a fundação do moderno Estado brasileiro. 

Cedo, na contramão do governo do general Dutra, seu antecessor, de aliança subordinada, emergem as contradições com os EUA. É de iniciativa de Getúlio a criação da Petrobras e o projeto da Eletrobras. É de sua iniciativa o confisco cambial, que amenizava a política de câmbio flexível exigida pelo Banco Mundial e pelo Export-Import Bank of the United States. Em 1954 fixa em 10% o limite máximo anual de remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras. Esta é sua linha.

Assim, Vargas, que não contava com a burguesia aqui instalada, controladora política e ideológica dos meios de comunicação de massas que sempre o combateram, inclui em sua lista de adversários o poderoso governo dos EUA, já irritado com o antigo aliado incondicional, que recusou a enviar tropas para a chamada “guerra da Coreia”. O país saíra entesourado da Segunda Guerra, tal era o volume de divisas (principalmente em dólar) que acumulara com as exportações de commodities, com os acordos comerciais firmados com os países aliados, e, por força mesmo do conflito, pela queda das importações. Esse colchão, porém, fôra dilapidado em poucos anos, e o Brasil de 1951 era um país de economia em frangalhos, punitiva dos mais pobres. A espiral inflacionária continuara crescendo e em 1953 chegou a 20,8% com óbvias consequências políticas e sociais. Afastavam-se do getulismo a classe média e os trabalhadores, sua base de sustentação. Em abril daquele ano, uma greve em São Paulo conta com a adesão de 300 mil trabalhadores. Em agosto de 1954 o silêncio da classe operária abre caminho para o trânsito livre da direita golpista.

O início da fase aguda da campanha contra Vargas se dá no dia 5 daquele fatídico agosto, quando uma súcia montada às cegas pelo chefe da guarda pessoal do Presidente, em atentado ao jornalista Carlos Lacerda, mata o major da aeronáutica Rubens Vaz, que se fizera seu guarda-costas. A partir daí a política se transforma em arena de uma guerra letal, unindo contra Vargas forças antípodas como a UDN e o PCB, cuja imprensa acompanha  Lacerda e sua Tribuna da Imprensa, O Globo e o Correio da Manhã, no Rio, e o Estadão em São Paulo, e a cadeia de jornais, revistas e rádios  de Assis Chateaubriand em todo o país, na denúncia do presidente como mandante do atentado, que, por erro de pontaria, matara o militar quando o alvo era o jornalista.

Na manhã de 24/08, o Diário Carioca, matutino, não teve tempo de refazer-se. Circula com a  manchete “Getúlio Vargas intimado a renunciar” e, em editorial de primeira página, qualifica o presidente como réu, e pede sua renúncia. Este é também o tom do jornal de Lacerda e de O Estado de São Paulo, o jornal dos Mesquitas, que desempenhará papel destacado na conspiração contra João Goulart. Na linha dos jornalões, a imprensa comunista: a Imprensa Popular, que já no dia 07/08 anunciava, na primeira página, a existência de “Elementos do Catete entre os suspeitos” do atentado, chega às bancas no dia 24 reproduzindo entrevista de Prestes, apresentado como “o grande líder do povo brasileiro”, na qual o secretário-geral afirma que “os trabalhadores brasileiros há muito conhecem os instintos sanguinários do Sr. Vargas e de seus policiais”. Afirma que os comunistas jamais se esquecerão do Estado Novo e que, com o crescimento da impopularidade de Vargas, “os patriotas começam a compreender que o atual estado de coisas não pode continuar”. Na manchete, o jornal põe de mãos dadas Vargas e Eduardo Gomes como servidores do imperialismo. Para vexame dos comunistas, a Imprensa Popular, com a Tribuna da Imprensa,  foi empastelada pelas massas revoltadas no momento em que eram incendiados os caminhões de entrega d’O Globo, que então já era o que é hoje.

Nessa manhã de 24 de agosto, as massas, desorientadas, sem liderança, sem palavra de ordem a seguir, saem às ruas sem saber o que fazer, além de chorar a perda do líder. Uma multidão jamais igualada leva o féretro do Catete ao aeroporto Santos Dumont, para a última viagem de Vargas a São Borja.

O apoio, porém, chegava tarde.
 
***
O Brasil-Colônia segue lutando contra a “era Vargas” — No último domingo (25/09), a Folha de S.Paulo — reduzida à condição de panfleto da Faria Lima — se permitiu estampar na primeira página editorial clamando pela privatização da Petrobras, da Caixa Econômica Federal (o maior banco social do mundo) e do Banco do Brasil, velha ambição da elite rentista. A cobiça é compreensível: em 2023, as três instituições responderam por grande parte do lucro das estatais brasileiras; nada menos que R$ 170 bilhões.

A petulância do pasquim faz lembrar o decreto de FHC “A Era Vargas acabou. Setenta anos após o disparo fatal, o caudilho continua excomungado, não por seus erros, que não foram poucos nem pequenos, mas por haver criado bases para um Estado nacional: indústria, proletariado, funcionalismo público, legislação trabalhista. Até capitalistas o gaúcho tentou criar. E há pelo menos três décadas esse legado vem sendo desmontado (em que pese este e aquele soluço desenvolvimentista) por meio de um projeto que a velha imprensa, porta-voz do rentismo e do atraso, divulga e ajuda a implementar.

Ainda o Brasil-Colônia – Essa Folha de hoje é aquela que na ditadura emprestou viaturas às operações do Doi-Codi e abriu seus arquivos ao DOPS para a pesquisa de jornalistas “subversivos”.  Estadão, com o qual os Frias disputam a liderança do atraso, funcionou como tesouraria dos conspiradores de 1964. A dinheirama (não há registro de prestação de contas) era administrada por Júlio Mesquita e... Ademar de Barros, o paulista que cunhou o famoso slogan rouba mas faz”. Diz Cordeiro de Farias em suas Memórias: “As fontes principais de arrecadação [dos golpistas] eram duas: o governador Ademar de Barros e o jornal O Estado de São Paulo através de Júlio Mesquita” (Cf. Aspásia Camargo-Walder de Góes. Diálogo com Cordeiro de Farias.1981. p. 553 ).

Glauber, um imprescindível – Na última quarta-feira (28/08), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou parecer de Jack Rocha (PT-ES)  pela cassação de Chiquinho Brazão, apontado como mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Para a surpresa de ninguém, a contrapartida veio no pacote: Paulo Magalhães (PSD-BA) apresentou parecer pela admissibilidade da representação do Partido “Novo”, linha auxiliar da extrema-direita, contra o bravo deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), pelo episódio em que expulsou da Casa a pontapés, como devia, um arruaceiro da agremiação protofascista MBL. As ameaças a Glauber são reiteradas, e o coronel Arthur Lira, chantageador-mor da República, já manifestou, tanto na tribuna da Câmara quanto em TV aberta, seu desejo de espancar do Legislativo o combativo parlamentar socialista fluminense, eleito para o quinto mandato com 78 mil votos. É dever dos progressistas em geral, em especial da esquerda e sobretudo dos socialistas, defender, com unhas e dentes, o mandato deste deputado insubstituível.

O genocídio e seus cúmplices – Em 2015, quando 12 pessoas foram massacradas na redação do Charlie Hebdo, em Paris, líderes mundiais (inclusive o facínora Netanyahu) desfilaram pela cidade-luz, compungidos, em repúdio ao terrorismo islamista. O massacre,  até aqui de 40 mil palestinos (metade deles crianças), mais de 200 funcionários da ONU e mais de 170 jornalistas, todos no gueto de Gaza (literalmente reduzido a escombros), ainda não inspirou nada parecido. E o projeto colonial sionista, com o apoio militar e financeiro dos EUA e da UE, segue tendo licença para levar adiante a “eliminação do nativo”, iniciada antes mesmo da fundação de Israel. Insatisfeitas com a aniquilação de Gaza, e sem enfrentar resistência ou sanção, as forças do enclave sionista ampliam a busca de seu Lebensraum com agressões ao Líbano e ataques à Cisjordânia. Até quando?

Impasse ou golpe?  Por falar em Paris, quando Emmanuel Macron irá reconhecer o resultado das eleições de julho passado, e entregar o poder à Nova Frente Popular?

Silêncio de ouro  Sobre o desempenho de Múcio à frente do Ministério da Defesa (e abaixo da cúpula do partido militar), o presidente Lula, outrora brilhante em seus improvisos, faria muito melhor em silenciar.

Seis por meia dúzia?   A mudança anunciada no comando do BC dará fim à sanha austericida que faz a festa da Faria Lima? Veremos.
 
 
 

* Com a colaboração de Pedro Amaral






Dia dos Desaparecidos

  Agosto

30

Dia dos Desaparecidos

Desaparecidos: os mortos sem tumba, as tumbas sem nome.
E também:
os bosques nativos,
as estrelas na noite das cidades,
o aroma das flores,
o sabor das frutas,
as cartas escritas a mão,
os velhos cafés onde havia tempo para perder tempo,
o futebol de rua,
o direito a caminhar,
o direito a respirar,
os empregos seguros,
as aposentadorias seguras,
as casas sem grades,
as portas sem fechadura,
o senso comunitário
e o bom-senso.


Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’.
2ª edição, pág. 276,  L&PM Editores.

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