Manifesto para uma acústica adequada à música de concerto na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro
Um dos ícones da arquitetura de Brasília, o Teatro Nacional Claudio Santoro é o maior complexo cultural da América Latina, com 46.000 m2. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em 1958, o equipamento teve seu projeto estrutural executado pelo engenheiro Bruno Contarini. Em 1975, o Teatro Nacional, como era conhecido, não estava totalmente concluído e o governo do DF convidou o arquiteto Milton Ramos para acompanhar as obras, uma vez que Niemeyer havia se mudado para o Rio de Janeiro. Formou-se então uma equipe que contava com a participação de Aldo Calvo, Athos Bulcão, Roberto Burle Marx, Sérgio Rodrigues e o consultor acústico Igor Sresnewsky. O projeto acústico original foi assinado por Lothar Kremer, o mesmo engenheiro que projetou a Sala da Orquestra Filarmônica de Berlim; acredita-se, porém, que problemas econômicos impediram a realização do projeto acústico original para a Sala Villa-Lobos. Em 1979, o teatro foi reinaugurado e, após a morte do maestro Claudio Santoro, em 1989, o Teatro Nacional foi nomeado em sua homenagem, por ser o fundador da orquestra que o teatro abriga e um grande compositor, maestro e professor. Vários problemas de segurança levaram ao fechamento do TNCS em 2014, resultando em um prejuízo incalculável para a população da cidade, uma vez que o TNCS possuía uma programação diversificada e intensa. As gerações mais jovens, infelizmente, não tiveram a oportunidade de conhecer o teatro.
No momento, estão ocorrendo as obras da Sala Martins Pena, com previsão de entrega para o final de 2024. Existe a perspectiva de, em breve, a Sala Villa-Lobos e todo o restante do teatro serem completamente reformados; a classe musical e artística enxerga a reforma do TNCS como uma oportunidade de se corrigir os graves problemas acústicos, uma vez que a principal finalidade de um teatro é proporcionar ao público experiências artísticas únicas para a fruição da música, do espetáculo de balé com orquestra, das óperas e dos shows. Essa é a finalidade máxima de um teatro, viabilizar o fazer artístico. Vários músicos renomados internacionalmente, tais como o pianista Nelson Freire e o maestro Zubin Metha, ficaram decepcionados com a acústica da Sala Villa-Lobos e se recusaram a se apresentar novamente naquele espaço. Este local, idealizado para ser o principal palco da Orquestra Sinfônica do TNCS, sempre desafiou o grupo a enfrentar todos os problemas relacionados à falta de reverberação para um bom equilíbrio na escuta dos naipes da orquestra.
Conrado Silva, engenheiro de som, compositor, pesquisador e professor da UnB apontou vários problemas acústicos da Sala Villa-Lobos em sua tese de doutorado intitulada “Análise Acústica de Auditórios Musicais depois de Construídos” (2009), tais como: a falta de reverberação sonora, a presença de um ponto surdo na plateia, além da inadequação de materiais, dentre outros. Em um estudo realizado por Eduardo Oliveira Soares, arquiteto e pesquisador do Centro de Planejamento Oscar Niemeyer, em sua dissertação de mestrado “Fragmentos dos atos iniciais do Teatro Nacional Claudio Santoro” é demonstrado e comprovado o quão frágil foi a tomada de decisões para que o Teatro Nacional pudesse ser inaugurado o mais rápido possível. Ao mencionar que foi necessário tomar decisões de última hora e alterar o projeto original ele diz o seguinte:
“Aproveitando a estrutura – ou arcabouço de concreto – existente, a equipe não se limitou a complementar um projeto. Aproveitou para reinventá-lo. O resultado foi uma reformulação do prédio, com mudanças em aspectos formais e funcionais. [...]. Além dessas alterações, vale destacar o empenho da equipe em executar uma parede móvel entre os palcos das duas principais salas de espetáculos. Essa peculiaridade já constava no projeto original, de 1958, e demandou esforço na tentativa de viabilizá-la. Para efetivar a solução que geraria um palco com 30,00m de profundidade, seria necessário, porém, resolver questões técnicas relacionadas à acústica e à estrutura, que teria que suportar o peso da engrenagem e da parede propriamente dita. Tais questões não foram sanadas e a parede móvel, que poderia dar à cidade um palco de tipologia diferenciada, não foi executada.”
É importante ressaltar que uma sala de concerto deve proporcionar uma propagação de som clara, com reverberação que deixe o local com um som vivo e vibrante sem a necessidade de utilizar-se de materiais mecânicos de amplificação, portanto, a escolha dos materiais, o desenho das poltronas, a posição do palco, o uso de rebatedores, o formato da sala, a espessura da madeira, etc, devem ser cuidadosamente avaliados.
A Sala Villa-Lobos, como se encontra hoje, apresenta um ponto surdo na platéia. Imagine o quão frustrante seria sentar-se no meio da platéia e não conseguir escutar nada do concerto, show ou espetáculo de teatro?! Bom, isso foi o que aconteceu durante 45 anos e não gostaríamos que voltasse a acontecer! Precisamos aproveitar essa possibilidade de reforma para corrigir esse e tantos outros problemas acústicos da sala.
Em uma entrevista Oscar Niemeyer, quando é questionado sobre a má qualidade acústica do teatro diz:
P: O senhor chegou a assistir a algum espetáculo nesse teatro? Tecnicamente, reclama-se da acústica da Villa-Lobos. Tem solução?
R: “Sim. Quando se projeta um teatro, é com os técnicos especializados que se trabalha. E, como disse, o técnico incumbido de sua acústica era, naquela época, o mais credenciado na Alemanha. Mas o problema é complexo, e sempre fui a favor – quando sugerem – de que outros sejam, se necessário, convocados. A técnica está sempre evoluindo, e com relação à acústica deve acontecer o mesmo. (NIEMEYER, 2001)”.
E ainda Jorge Silva Marco em relato conta que estudo acústico realizado pelo engenheiro Lothar Cremer não foi implantado:
(...) acredita-se que problemas econômicos na época provavelmente impediram sua realização. Posteriormente, na inauguração às pressas da Sala, decidiu-se não aproveitar o projeto do Prof. Cremer e a sala foi inadequadamente revestida de carpete absorvente. O resultado, como era de se esperar foi péssimo; mais tarde algumas pequenas reformas e adaptações foram implantadas sem levar em conta a acústica e hoje, na maior e mais importante sala de concertos da capital do Brasil, a Orquestra Sinfônica, apesar dos esforços de músicos e regentes, se escuta com um som extremamente pequeno. (De Marco, 2009. pg. 65-66)
Além disso, como bem mencionado por Eduardo Soares, “dificuldades acústicas se somam ao fato de não haver na Sala Villa-Lobos isolamento da rampa de acesso. As conversas e ruídos de quem desce a rampa são percebidas pelo público. Outro fato que compromete a acústica da sala é a forma em leque que:
(...) faz com que poucas reflexões laterais atinjam as últimas fileiras, exigindo reforços especiais de painéis. Esses painéis deveriam ser baixos para fornecer reflexões que cheguem aos ouvintes pouco tempo depois da chegada dos raios de som diretos. (De Marco, 2009, p. 65-67).
Partindo da argumentação de que as soluções acústicas apresentadas à época da inauguração jamais foram executadas, a oportunidade de se corrigir os problemas a partir da reforma do TNCS atenderia às demandas dos artistas e do público para que o nosso TNCS volte à vida como um dos grandes teatros do país e do exterior. Portanto, a fim de que a população de Brasília seja valorizada e tenha a chance de desfrutar da melhor maneira possível da programação cultural daquele espaço, manifestamos o nosso apelo e apoio para que sejam tomadas as devidas providências para o aprimoramento acústico do TNCS.
É urgente que haja um tratamento adequado na Sala Villa-Lobos, pois, assim como a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, o público brasiliense e toda a classe artística brasileira, anseiam pelo retorno de Brasília ao circuito nacional da música de concerto, fato que está diretamente relacionado com a qualidade da sua principal sala de espetáculos.
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