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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Orgulho na Verdade: conheça os eixos centrais da atuação do MPF em defesa da população LGBTQIA+

Segunda, 16 de junho de 2025

Do MPF

Em entrevista, o procurador da República Lucas Dias, coordenador do Grupo de Trabalho LGBTQIA+, detalha trabalho realizado, principais desafios e conquistas

Imagem com fundo preto com os dizeres "LGBTQIA+ Orgulho na Verdade" escrito em branco à esquerda. À direita,quatro pessoas, homens e mulheres, enfileiradas em frente a faixas com cores da bandeira LGBTQIA+, vermelho, laranja, amarelo,verde, azul e roxo.

Arte: Secom/MPF









Junho é mais do que o Mês do Orgulho LGBTQIA+: é um chamado à visibilidade, ao respeito e à promoção da igualdade. Para marcar a data, o Ministério Público Federal (MPF) lançou a campanha Orgulho na Verdade, com ações voltadas ao enfrentamento da desinformação e ao fortalecimento da divulgação dos direitos dessa população. A iniciativa reflete o esforço da instituição na defesa da dignidade humana, da igualdade e da justiça social.

Em entrevista ao Portal do MPF, o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, coordenador do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), detalha os principais eixos da atuação do MPF, as conquistas recentes e os desafios enfrentados na proteção e promoção da cidadania LGBTQIA+. Confira!

Atuação do GT LGBTQIA+

O que motivou a criação do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ dentro da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão?
A criação do GT, em 2020, foi motivada pela importância de se destacar o tema de outros grupos de trabalho até então existentes, sobretudo em razão do crescente discurso de ódio contra essa comunidade.

Quais são os principais eixos de atuação do GT hoje?
A atuação do GT se desdobra em eixos estratégicos que visam a promoção da cidadania e o enfrentamento das violações de direitos. São eles:

  • Garantia do direito à identidade e à cidadania: uma das frentes mais importantes é a atuação para assegurar o respeito ao nome social e à identidade de gênero em documentos e cadastros oficiais. A atuação do grupo de trabalho foi crucial na alteração do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do Governo Federal, que passou a garantir a inclusão e o tratamento digno de pessoas trans. A PFDC também se posicionou contrariamente ao novo modelo de identidade, que prevê campos diferentes para o nome social e o nome civil, considerados vexatórios e transfóbicos, pois geram constrangimento e discriminação.
  • Saúde integral da população LGBTQIA+: o MPF atua para garantir o acesso universal e equitativo à saúde, para combater a discriminação nos serviços e promover políticas específicas, como a implementação do Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans (PAES Pop-Trans) pelo Ministério da Saúde, que ainda não foi executado.
  • Educação para a diversidade: o GT tem atuado, desde o início, com processos de capacitação interna e externa com debates atuais sobre a defesa de direitos LGBTQIA+. Além disso, recentemente o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) acolheu proposta de atuação nacional realizada pelo GT, para que os Ministérios Públicos dos Estados articulem localmente ações e estratégias para o combate ao bullying LGBTIfóbico nos ambientes escolares.

Como o GT atua em articulação com outros órgãos e instituições da sociedade civil para a proteção dos direitos da população LGBTQIA+?
Para alcançar seus objetivos, o GT atua em constante articulação com outros órgãos do sistema de justiça e do Executivo, sobretudo com a Secretaria Nacional de Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e, fundamentalmente, com a sociedade civil organizada.

Conquistas

Quais foram, na sua avaliação, as principais conquistas do GT LGBTQIA+ nos últimos anos?
Dentre vários temas, o GT tem atuado pela adequação de formulários públicos para contemplar famílias homoafetivas e transafetivas, pela defesa do uso da linguagem neutra, pela necessidade de instituir o Dia Nacional de Enfrentamento ao Lesbocídio, e as dificuldades enfrentadas por pessoas trans para a alteração de nome e gênero em documentos e utilização de banheiros conforme gênero autoidentificado.

O grupo atua em questões de saúde específicas, como o acompanhamento da implementação da CID-11 pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para despatologizar a transexualidade e a elaboração de nota técnica que defende o adiamento de cirurgias em crianças intersexo até que possam consentir de forma livre e esclarecida.

A incidência do GT, por meio de nota técnica e diálogo direto, também resultou no acolhimento das sugestões da PFDC pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para alterar o Provimento nº 73/2018, que trata do procedimento de alteração do nome e do sexo das pessoas trans diretamente nos cartórios de registro civil

Pode destacar alguma ação recente que teve impacto positivo direto na vida da população LGBTQIA+?
Uma atuação recente de grande impacto foi a elaboração da Nota Técnica nº 1/2024, de janeiro de 2024, que defende a necessidade de cotas para a inclusão de pessoas trans em concursos públicos e universidades. Essa nota técnica ataca diretamente a exclusão estrutural que afeta a população trans no acesso à educação e ao mercado de trabalho formal e propõe medidas afirmativas concretas para diminuir as desigualdades.

Essa nota técnica foi utilizada por universidades federais que, nos últimos meses, implementaram cotas para pessoas trans em seus processos seletivos e teve sua legalidade também afirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em duas oportunidades.

De que maneira decisões judiciais e recomendações do MPF têm contribuído para consolidar direitos e combater retrocessos?
As notas técnicas do GT funcionam como importantes instrumentos para subsidiar a atuação do sistema de justiça e barrar retrocessos. A Nota Técnica sobre a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo  e a representação sobre a inconstitucionalidade da lei de Boa Vista (RR), que veda a participação de pessoas trans em esportes, são exemplos de como o GT fornece argumentos jurídicos para combater iniciativas discriminatórias. O acolhimento dessas teses, como ocorreu na Ação Direita de Inconstitucionalidade 7019, no Supremo Tribunal Federal, sobre linguagem neutra, confirma a importância do trabalho desenvolvido pelo GT.

Desafios atuais

Quais são os maiores desafios enfrentados hoje pelo GT LGBTQIA+ no enfrentamento à LGBTQIA+fobia ?
O avanço de pautas legislativas de retrocesso: O GT precisou atuar repetidamente contra projetos de lei que visavam proibir o casamento homoafetivo, restringir o uso de banheiros e a participação de pessoas trans em esportes, além de vetos em leis orçamentárias para esvaziar políticas públicas. Além disso, a falta de dados oficiais sobre a violência também dificulta o acesso à justiça pela comunidade LGBTQIA+ de forma mais efetiva.

Desinformação

Um dos focos da campanha “Orgulho na Verdade” é combater a desinformação. Por que esse tema é tão central na luta pelos direitos LGBTQIA+?
A desinformação é central porque ela alimenta o estigma, justifica a discriminação e cria um ambiente social hostil que pode escalar para a violência física e a restrição de direitos.

O MPF tem identificado uma correlação entre desinformação e o aumento de crimes de ódio ou violência contra essa população?
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão monocrática, afirmou que dados sobre violência LGBTIfóbica produzidos pela sociedade civil podem ser divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa determinação foi contra pedido formulado por associação, que  ajuizou uma ação originária no STF, alegando que o CNJ mantinha dados estatísticos considerados inverídicos em seu canal oficial de comunicação.

Segundo essa associação, o CNJ teria deixado de exercer suas competências constitucionais ao manter, em seu perfil oficial na rede social Instagram, uma publicação afirmando que o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios contra travestis e transexuais, além de divulgar que a expectativa de vida dessa população é de 35 anos. Em sentido contrário, o STF decidiu pela manutenção da publicação do CNJ, alegando que aquela associação sequer tem legitimidade para questionar essa questão e afirmou a vulnerabilidade da população trans brasileira. Trata-se de uma decisão muito importante, ainda mais porque é relativa à divulgação de dados pelo CNJ e que também são utilizados pelo sistema de justiça.

Condenações por homofobia

Recentemente, figuras públicas foram condenadas por homofobia. Qual a importância dessas decisões?
Há uma importância jurídica e simbólica de condenações criminais por homotransfobia, em linha com os princípios defendidos pelo GT, que reforçam que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e não pode servir de escudo para discursos de ódio que incitam à discriminação e à violência.

Mensagem final

Que mensagem você gostaria de deixar para a população LGBTQIA+ e para a sociedade como um todo, especialmente no contexto do Mês do Orgulho e da campanha “Orgulho na Verdade”?

A atuação do Grupo de Trabalho da PFDC transmite uma mensagem clara: a defesa dos direitos LGBTQIA+ é uma pauta institucional e permanente. Para a população LGBTQIA+, a mensagem é de que existem canais institucionais engajados na proteção de seus direitos, que atuam proativamente para garantir cidadania, combater o preconceito e construir uma sociedade mais justa. Para a sociedade como um todo, o trabalho do GT reforça que a diversidade é um valor a ser protegido pelo Estado, sobretudo pelo MPF, e que a luta contra a discriminação é um dever de todos.