Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 4 de outubro de 2025

95 ANOS DA REVOLUÇÃO NACIONALISTA DE GETÚLIO E A NECESSIDADE DE A RETOMAR

Sexta, 3 de outubro de 2025

95 ANOS DA REVOLUÇÃO NACIONALISTA DE GETÚLIO E A NECESSIDADE DE A RETOMAR


Pedro Augusto Pinho*


Se todas as pessoas anotassem diariamente num caderno seus juízos, pensamentos, motivos de ação e as principais ocorrências em que foram parte, muitos, a quem um destino singular impeliu, poderiam igualar as maravilhosas fantasias descritas nos livros de aventuras dos escritores da mais rica fantasia imaginativa. O aparente prosaísmo da vida real é bem mais interessante do que parece. Lembrei-me que, se anotasse diariamente, com lealdade e sinceridade, os fatos de minha vida como quem escreve apenas para si mesmo, e não para o público, teria aí um largo repositório de fatos a examinar e uma lição contínua da experiência a consultar”.

 

Com estas palavras Getúlio Dornelles Vargas dá início a seu “Diário”, em 3 de outubro de 1930. E foi nesta data que a historiografia brasileira assinala o início da revolução que marcou o fim da República Velha, movimento que eclodiu no Rio Grande do Sul, com participação de Minas Gerais (Virgílio de Melo Franco) e do Nordeste (Juarez Távora).

 

À época Getúlio era Presidente (Governador) do Rio Grande do Sul. Entre os eventos do dia, faz, em seu “Diário”, uma reflexão: “Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída digna para seu estado. A minha sorte não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide do destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e ativos. Não terei uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem? E se perdermos? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”.

 

Entre 15/11/1926 e 17/12/1927, Getúlio foi Ministro da Fazenda de Washington Luís. Implantou neste período a reforma monetária e cambial (Decreto nº 5.108, de 18 de dezembro de 1926) e, em dezembro de 1928, antes de se afastar para disputar a Presidência do Estado do Rio Grande do Sul, criou o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União.


Até então, Getúlio, filho de “estancieiros” (proprietários rurais), esteve dedicado aos interesses ruralistas e das políticas gaúchas, onde as grandes figuras eram Pinheiro Machado e Borges de Medeiros. Mas sempre havia a sombra de Júlio de Castilhos, o Patriarca do Rio Grande do Sul, que deixara na Constituição de 1891 um positivismo nacionalizado.


Getúlio, e sua biblioteca o confirma, era leitor voraz, acompanhando as ideias e os movimentos no mundo ocidental. Podia assim, de certa forma, entender e até mesmo antever uma vertente política ou uma necessidade popular ainda não explicitada.


O que mais distanciava o Brasil dos países desenvolvidos era a falta de escolas, a garantia do trabalhador (lembremos que 1930 dista da formal libertação dos escravos de menos de meio século: 42 anos) e de um projeto de industrialização.

Tanto que, empossado na Presidência do Governo Provisório em 3 de novembro de 1930, onze dias depois cria o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14/11/1930), e doze dias após, no mesmo mês de novembro, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto nº 19.433, de 26/11/1930). Profundas e verdadeiras revoluções.


Também revoga a Constituição de 1891, que acolhia os interesses agrários, plutocráticos e convoca o povo a participar do processo constitucional que levaria à Constituição de 1934.

 

O MUNDO QUE GETÚLIO ENCONTROU EM NOVEMBRO DE 1930

 

Nas três primeiras décadas do século XX, o mundo ocidental enfrentara uma grande guerra, a mudança do principal insumo energético, o país que pela primeira vez na história fizera vitoriosa a revolução comunista, as invenções do automóvel, do avião e da radiodifusão, a conclusão da construção do Canal do Panamá e a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, marcando o fim da prosperidade da década.


O século XIX fora do triunfo e da expansão da Grã-Bretanha. Agora surgiam poderosos os Estados Unidos da América (EUA).


Porém, o que verdadeiramente nos importava e ainda nos causam fortes apreensões, é o Brasil que, malgrado as mudanças institucionais e governamentais, da Independência e da República, ainda continuava e permanece, finda a Era Vargas, a ser colônia.


Mesmo com os 18 anos de governança de Getúlio, quando o Brasil avançou na oferta de vagas nas escolas e na iniciativa nas pesquisas científicas e tecnológicas, se industrializou com foco na empresa nacional e na proteção do trabalho, a distância para as nações mais desenvolvidas permanecia grande, e, no Brasil, uma oposição venal e entreguista o caluniava e dificultava melhores resultados.


Em outubro de 1961, mostrando a falta de Getúlio para verdadeira libertação do Brasil, o engenheiro, humanitarista e filantropo Paulo Guilherme Martins editou “Um Dia na Vida do Brasilino”, onde de modo irônico mostrava a dependência nacional. Transcrevemos desta obra a manhã do Brasilino (“um homem qualquer, que mora num apartamento qualquer, numa cidade qualquer” e que lê no jornal de Carlos Lacerda, Tribuna da Imprensa, que “não existe imperialismo no Brasil”).


“(Brasilino) toma a sua primeira refeição. Não sabe que o leite que bebe é originário de uma vaca que foi alimentada com farelo Refinazil, da “Refinações de Milho do Brazil” (Brasil com Z) que é americana, e que a farinha com a qual foi feito o pão é originária do “Moinho Santista”, que não é santista e sim inglês”. “Em seguida, Brasilino vai fazer a barba: toma do pincel, feito com fios de nylon da “Rhodia” – que é francesa – enche-o com creme de barbear “Williams”, que é americano. Ensaboado o rosto, Brasilino toma seu aparelho “Gillette”, munido com lâminas “Gillette”, ambos da “Gillette Safety Razor do Brazil”, e, feliz, vai raspando a face, pois nem pensa que, para fazer sua barba, tem que pagar dividendos ao Capital Estrangeiro”.


Nas duas primeiras décadas do século XX, a Nação anestesiada, alienada, desinstruída, só teve registrável o protesto popular contra a vacinação obrigatória contra a varíola no Rio de Janeiro, em 1904.


Os principais eventos se concentraram na década de 1920, quer na área cultural, a Semana de Arte Moderna, quer no mundo militar, em 1922, que ficou conhecido como “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, no Rio de Janeiro, e, em 1924, a revolta militar que eclodiu em São Paulo, rápida e fortemente reprimida. Porém por toda a década houve manifestações que ficaram conhecidas por “Tenentismo”, dos jovens oficiais defendendo reformas políticas e sociais.


O grande feito desta década foi a “Coluna Prestes”, composta de 1,5 mil homens, que percorreu cerca de 25 mil quilômetros, através de treze estados do Brasil, entre outubro de 1924 e março de 1927. Participaram da Coluna, além de Luís Carlos Prestes, Miguel Costa, Juarez Távora, Siqueira Campos, Djalma Dutra, Cordeiro de Farias e Isidoro Dias Lopes, com objetivo de desestabilizar e derrubar a República Velha e as oligarquias agrárias, implantar o voto secreto e promover o ensino público. Em 1926, o Governo Federal pediu a intermediação do Padre Cícero para oferecer a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a patente de Capitão, além de armas, para que ele combatesse a Coluna Prestes, demonstrando a fraqueza e o isolamento dos governos da República Velha (entre outras fontes; FGV tenentismo/mapas/coluna-prestes-no-tempo-e-no-espaco).


Os Governos de Getúlio não enfrentaram somente os capitais estrangeiros, mas a traição de muitos que dele se acercaram e, sobretudo, das mentiras que surgiram para que a imensa popularidade que cercava seus empreendimentos fosse contraposta, sobretudo na classe média, pela corrupção. O udenista Afonso Arinos de Melo Franco, já no período dos governos militares, 1964-1985, escreveu no “Jornal do Brasil” que o “Mar de Lama” fora somente um artifício oposicionista, pois jamais fora comprovado, embora tenha sido persistentemente investigado.

 

O MUNDO NO SÉCULO XXI E O BRASIL SEM GETÚLIO NEM SUCESSOR

 

Como já é público e notório, o mundo que segue após a Grande Guerra 1939-1945 não é o da Guerra Fria, uma bipolaridade política de interesse de ambas as partes, o ocidente imperialista e o mundo soviético, como as consequências da Conferência de Bandung (18 a 24 de abril de 1955), congregando 23 países da Ásia e do Oriente Médio apresentam verdadeira comprovação. Mas da reconquista do poder financeiro, perdido com a Guerra de 1914-1918 e com a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929.


O industrialismo tinha como seu ponto forte a energia do petróleo, cuja eficiência superava a dos demais insumos energéticos, e a geração de empregos para ter a massa de consumidores a lhe proporcionar lucro. Do outro lado, as finanças dispensavam consumidores, pois seu lucro vinha das especulações e do controle das finanças dos Estados e combatiam o petróleo pelas falácias das crises climáticas e da poluição.


Na década de 1980 as finanças obtêm a vitória com as desregulações financeiras apoiadas pelos governantes do Reino Unido e dos EUA, logo se espalhando pela Europa Ocidental, e, no Brasil, impondo o general Figueiredo na sucessão em 1979 do general Geisel.


Desde então as finanças apátridas tomam conta do governo brasileiro e iniciam o desmonte do Estado levando o Brasil aos anos da República Velha, sem os tenentistas, nem um líder da estatura de Getúlio.


A educação voltou a ser privada, como nos tempos coloniais, tendo o governador do Estado de São Paulo, coronel Tarcísio de Freitas, colocado escolas públicas paulistas em leilão, a energia que sob comando de Estado deu autossuficiência ao Brasil, hoje tornou-se financiadora de empresas estrangeiras e o País, como antes de Getúlio, importador de derivados de petróleo, e voltando, como no Império e na República Velha, a ser exportador de matérias primas, minerais e produtos agrícolas e pecuários não processados ou com o mínimo de tratamento necessário para aceitação no exterior.


Na representação política não há partido com ideologia definida nos 18 com representação no parlamento federal. Donde todas as decisões são negociadas com favores ou dinheiro, a corrupção prevalece entre os representantes do povo, que, desinformado pelos meios de comunicação, fica apenas com as emoções para guiar seus votos.


O retrocesso em relação à Era Vargas é patente. E não há um Getúlio para colocar o Brasil no mundo da instrução, do trabalho, da saúde, da pesquisa e desenvolvimento que garantem soberania e cidadania aos brasileiros.

 

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.