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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Cuba, o Brasil e a cruz

Segunda, 1 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho
No fim de janeiro de 1998, o então papa João Paulo II visitou Cuba. Por sugestão ou a pedido do papa, o ditador-presidente Fidel Castro declarou, em caráter excepcional, o 25 de dezembro um feriado. Mas desde então o Natal não mais deixou de ser feriado em Cuba.

Agora, o novo ditador-presidente Raul Castro, atendendo a um pedido do papa Bento XVI, que acaba de visitar um dos raros Estados comunistas que ainda existem no mundo, decretou, “com caráter excepcional”, que a próxima Sexta-Feira Santa seja feriado no país. “O conselho de ministros aceitou ontem que não se trabalhe na próxima sexta-feira, 6 de abril”, informou, visivelmente sem entusiasmo, o jornal Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. Não se sabe se desta vez prevalecerá a excepcionalidade ou se, a exemplo do Natal, também a Sexta-Feira Santa passará a feriado definitivamente, o que parece bem provável.

Cuba não é um país ateu, é um país de tradição católica, mas o Estado cubano é ateu e ateu militante, como é da natureza dos Estados comunistas, controlados pelos partidos comunistas, cuja ideologia é materialista, ateísta. O ateísmo é, pois, lá, um dogma do Estado e do partido único. Mas, mesmo assim, o regime totalitário conseguiu admitir dois feriados cristãos.

A formação e tradição brasileiras são cristãs. Historicamente até cabe dizer que é católica, apesar do rápido avanço recente de denominações evangélicas. E o Estado brasileiro é laico. Há nisso uma distância imensa de um estado de militância ateísta, como sempre foi e é o caso dos Estados comunistas.

Mas aqui – embora tenhamos vários feriados nacionais cristãos (Natal, Sexta-Feira Santa, Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida) e vários feriados religiosos estaduais e municipais – o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atendendo a um pedido da Liga Brasileira de Lésbicas e outras entidades, feito em dezembro, determinou, por unanimidade, a retirada de cruzes, crucifixos e demais símbolos religiosos do espaço público (nos gabinetes dos magistrados continua permitido) dos prédios do Poder Judiciário.

Isto foi o suficiente para o presidente da OAB, seção fluminense, Wadih Damous, lembrar-se de que no espaço onde se reúne o pleno do Supremo Tribunal Federal há um crucifixo na parede. E então declarar o crucifixo do STF inconstitucional.

Bem, o Cristo Redentor do Corcovado é mantido e administrado pelo poder público e está lá em um destacado e privilegiado espaço público. Deve ser demolido? Os feriados de Natal, Sexta-Feira Santa, Corpus Christi e Nossa Senhora Aparecida devem ser extintos? Como sugeriu ironicamente em artigo, recentemente, Carlos Brickmann, não cristão, judeu de inteligência aguçada, “temos de mudar o nome de alguns Estados e cidades como Natal, Belém, São Luís e tantas outras” (centenas de outras, incluindo São Paulo).

O Reino Unido tem uma cruz em sua bandeira nacional. Ao todo, nove países europeus têm uma cruz em suas bandeiras. Devem retirá-las? Que tal, então, tirar o Cruzeiro do Sul da nossa? Não vale nada a tradição, nada vale a história, a formação cultural de um povo, os costumes? O Reino Unido é um Estado laico, mas a rainha é oficialmente chefe da Igreja Anglicana e, lá, ninguém se sente incomodado com isso. A rainha não atrapalha a ação religiosa de ninguém. Na Suécia é plena a liberdade religiosa, mas lá o Estado tem uma religião oficial, a Igreja Luterana Sueca.

No Brasil não se chega a tanto. Mas é melhor deixar o crucifixo abençoando o STF, que precisa. Até para não correr o risco, como sugere Brickmann com redobrada ironia, de o Supremo declarar inconstitucional a nossa Constituição, porque “promulgada sob a proteção de Deus”.

É bom parar com isso de querer, no grito, incluir o Brasil entre os Estados onde os cristãos vêm sofrendo perseguição. E não convém ficar jogando pedra na cruz.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano