Segunda, 1 de abril de 2012
Por
Ivan de Carvalho

Agora, o novo ditador-presidente Raul Castro,
atendendo a um pedido do papa Bento XVI, que acaba de visitar um dos raros
Estados comunistas que ainda existem no mundo, decretou, “com caráter
excepcional”, que a próxima Sexta-Feira Santa seja feriado no país. “O conselho
de ministros aceitou ontem que não se trabalhe na próxima sexta-feira, 6 de
abril”, informou, visivelmente sem entusiasmo, o jornal Granma, órgão oficial
do Partido Comunista de Cuba. Não se sabe se desta vez prevalecerá a
excepcionalidade ou se, a exemplo do Natal, também a Sexta-Feira Santa passará
a feriado definitivamente, o que parece bem provável.
Cuba não é um país ateu, é um país de tradição
católica, mas o Estado cubano é ateu e ateu militante, como é da natureza dos
Estados comunistas, controlados pelos partidos comunistas, cuja ideologia é
materialista, ateísta. O ateísmo é, pois, lá, um dogma do Estado e do partido
único. Mas, mesmo assim, o regime totalitário conseguiu admitir dois feriados
cristãos.
A formação e tradição brasileiras são cristãs. Historicamente
até cabe dizer que é católica, apesar do rápido avanço recente de denominações
evangélicas. E o Estado brasileiro é laico. Há nisso uma distância imensa de um
estado de militância ateísta, como sempre foi e é o caso dos Estados
comunistas.
Mas aqui – embora tenhamos vários feriados
nacionais cristãos (Natal, Sexta-Feira Santa, Corpus Christi, Nossa Senhora
Aparecida) e vários feriados religiosos estaduais e municipais – o Conselho da
Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atendendo a um pedido
da Liga Brasileira de Lésbicas e outras entidades, feito em dezembro,
determinou, por unanimidade, a retirada de cruzes, crucifixos e demais símbolos
religiosos do espaço público (nos gabinetes dos magistrados continua permitido)
dos prédios do Poder Judiciário.
Isto foi o suficiente para o presidente da OAB,
seção fluminense, Wadih Damous, lembrar-se de que no espaço onde se reúne o
pleno do Supremo Tribunal Federal há um crucifixo na parede. E então declarar o
crucifixo do STF inconstitucional.
Bem, o Cristo Redentor do Corcovado é mantido e
administrado pelo poder público e está lá em um destacado e privilegiado espaço
público. Deve ser demolido? Os feriados de Natal, Sexta-Feira Santa, Corpus
Christi e Nossa Senhora Aparecida devem ser extintos? Como sugeriu ironicamente
em artigo, recentemente, Carlos Brickmann, não cristão, judeu de inteligência
aguçada, “temos de mudar o nome de alguns Estados e cidades como Natal, Belém,
São Luís e tantas outras” (centenas de outras, incluindo São Paulo).
O Reino Unido tem uma cruz em sua bandeira
nacional. Ao todo, nove países europeus têm uma cruz em suas bandeiras. Devem
retirá-las? Que tal, então, tirar o Cruzeiro do Sul da nossa? Não vale nada a
tradição, nada vale a história, a formação cultural de um povo, os costumes? O
Reino Unido é um Estado laico, mas a rainha é oficialmente chefe da Igreja
Anglicana e, lá, ninguém se sente incomodado com isso. A rainha não atrapalha a
ação religiosa de ninguém. Na Suécia é plena a liberdade religiosa, mas lá o
Estado tem uma religião oficial, a Igreja Luterana Sueca.
No Brasil não se chega a tanto. Mas é melhor
deixar o crucifixo abençoando o STF, que precisa. Até para não correr o risco,
como sugere Brickmann com redobrada ironia, de o Supremo declarar inconstitucional
a nossa Constituição, porque “promulgada sob a proteção de Deus”.
É bom parar com isso de querer, no grito, incluir
o Brasil entre os Estados onde os cristãos vêm sofrendo perseguição. E não
convém ficar jogando pedra na cruz.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan
de Carvalho é jornalista baiano