Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Não matarás

Sexta, 27 de abril de 2012
Por Ivan de Carvalho
Após uma articulação de deputados católicos e evangélicos, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara federal aprovou por unanimidade, na quarta-feira, uma proposta de emenda constitucional (PEC) extremamente polêmica e, na verdade, perigosa até mesmo para o exercício do regime democrático e o sistema de harmônica independência dos três Poderes.

            No entanto, a decisão da CCJ da Câmara dos Deputados é, declaradamente, uma resposta à também polêmica e não menos perigosa decisão do Supremo Tribunal Federal, que autoriza (criando uma exceção que não existe no Código Penal) o “aborto de fetos anencefálicos”.  Com isto, o STF faz o Estado brasileiro renunciar, parcialmente, à tutela do direito à vida e, pior ainda do que isso, autoriza a execução de seres humanos em fase fetal e com deficiência cerebral grave, a popularmente chamada anencefalia, que deveria chamar-se meroencefalia, pois não há ausência de cérebro, mas existência de apenas uma parte do cérebro.

            A proposta seguirá para uma comissão especial. Para transformar-se em emenda constitucional, o caminho é longo. Depois da comissão especial, a proposta precisa ser aprovada pelo plenário da Câmara com os votos de três quintos dos deputados (308 votos), em dois turnos de votação. Depois, terá ainda que ir ao Senado, onde o processo será repetido. Só após isto seria promulgada.

            É praticamente certo que a PEC não chegará a se tornar uma emenda constitucional. Caso chegasse, provavelmente o Supremo Tribunal Federal, em defesa própria e do sistema jurídico, iria declarar a inconstitucionalidade da emenda constitucional que permitiria ao Congresso sustar decisões do STF e do Executivo. Na verdade, seria normal e até conveniente que isto pudesse ser feito em relação a certos tipos de decisões do Executivo, mas quando se trata de decisão legislativa para sustar diretamente uma decisão do STF, haveria uma subversão impensável do sistema jurídico nacional. O que caberia ao Congresso seria mudar a lei, inviabilizando a decisão do STF, como já fez antes, no caso da verticalização das coligações, por exemplo.

            No entanto, a PEC aprovada pela CCJ da Câmara dos Deputados traz o benefício de formalizar um debate que precisa ser feito com urgência no país. Pois o STF, por grande maioria (oito votos contra dois), simplesmente legislou – inventou uma norma de direito positivo, prerrogativa exclusiva do legislador –, acrescentando às duas antigas e já polêmicas exceções feitas pelo Código Penal Brasileiro ao crime de aborto, mais uma, que não existia e desafia princípios constitucionais, o maior deles o direito à vida. Abre-se aí a porta para a eugenia, prática repugnante e multimilenar, com recente manifestação no regime nazista. Uma fatia, mais outra fatia, mais outra fatia... e vai o salame todo.

Seguindo na mesma linha, ou direção apontada pelo STF, pode-se considerar a advertência feita na 50ª Assembléia Geral da CNBB pelo bispo de Camaçari, Dom João Carlos Petrini, presidente da Comissão Episcopal e Pastoral para a vida e Família. Ele disse que a decisão do STF leva à conclusão, por exemplo, de que “quem incomoda pode ser eliminado”.

É mais ou menos isso. A mãe não está gostando, joga fora. Não importa se o lixo descartado é hospede e não parte do corpo da mãe – e que não pediu para ser gerado, mas, desde o momento que foi, é um ser humano e não qualquer outro ser ou parte de outro.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.