Segunda, 30 de abril de 2012
Por Ivan de Carvalho

Aí surgem, na outra ponta
da linha de Cachoeira, diversas pessoas, que vão entrando para o rol das
grampeadas. E as pessoas que falam por telefone com essas pessoas que falaram
com Cachoeira também vão sendo incorporadas ao rol das grampeadas. Para isto
ficar bem fácil, foram comprados os Guardiões.
Assim, o grampo autorizado
judicialmente para a vigilância de Carlinhos Cachoeira passa a funcionar como o
que os astrônomos qualificam de buraco negro – nada que ultrapasse o horizonte
de eventos (o que, no caso, significa a comunicação telefônica com Cachoeira,
ou com os que mantiveram contato telefônico com ele, ou que conversaram
eletronicamente com quem conversou com os que conversaram com Cachoeira) escapa.
Uma coisa interessante de
saber é se cada nova pessoa que transpôs o horizonte de eventos teve seu nome e
justificativa para escuta levados pela Polícia Federal para receber a
autorização judicial e passar a ser monitorada independentemente de estar em telefonema
com Cachoeira ou com outra pessoa qualquer, por exemplo, sua namorada, ou
amante em relação adúltera (que no Brasil já não é crime, mas continua sendo
valioso objeto da bisbilhotice com eventual ânimo de chantagem).
Bem, mas aí atravessa como
um bólido o horizonte de eventos um senador da República, na época, líder do
segundo principal partido da oposição no Senado, hoje sem partido. Demóstenes
Torres. A conversa é potencialmente significativa para a investigação. A PF vai
ao juiz de primeira instância que vinha supervisionando o inquérito? Se não
vai, e escuta uma segunda vez o senador, comete abuso de poder. Se vai, o juiz
tem a obrigação de imediatamente remeter o caso para ao STF. Se não o faz, como
não o fez, atua de maneira inconstitucional. Considere-se ou não acertado o
foro preferencial (privilegiado), ele existe na Constituição e enquanto estiver
lá, deve ser observado. Todo juiz sabe disso.
Mas ele, o juiz, e o
procurador geral da República, e um ou outro mais, consideram que a presença do
senador na gravação (ou nas gravações) foi “incidental”. Ora, que porcaria de
argumento! “Incidental” durante um ano e meio ou dois anos de gravações
frequentes de numerosíssimas conversas do senador. Continuou “incidental” esse
tempo todo? É como se alguém incidentalmente morresse e continuasse
“incidentalmente morto” para sempre.
No mesmo caso está o
aparentemente enrolado governador goiano e tucano (oposição) Marconi Perillo.
Seu foro preferencial é o Superior Tribunal de Justiça, mas a investigação e a
escuta telefônica contra ele foram feitas sob a responsabilidade maior do mesmo
juiz de primeira instância.
Não se está aqui defendendo
os investigados, mas questionando a conduta dos responsáveis pela investigação
e apontando desvios que não devem ser negligenciados, sob pena de
comprometer-se a segurança jurídica. Que é essencial, ainda mais quanto ao
monitoramento das pessoas, nesse mundo do Big Brother, que já estendeu suas
antenas sobre nós, brasileiros.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.