Quinta, 31 de março de 2016
Do Correio da Cidadania
http://correiocidadania.com.br
Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação
O Brasil continua paralisado em meio à briga de clãs que disputam o
poder central. Um show de retóricas, seja à esquerda ou à direita do
espectro político, na defesa de pontos de vista cujas grandes diferenças
jamais ficam claras. A questão do petróleo e em especial do Pré-Sal não
escapa à lógica, mas será que os projetos governistas e oposicionistas
sobre sua exploração econômica são tão diferentes? Foi sobre isso que
conversamos com o cientista político e consultor em economia Pergentino
Mendes de Almeida.
“Tivemos uma janela de, teoricamente, usar o Pré-Sal para alavancar
(desculpem o palavrão!) este país e lançá-lo para uma posição firme,
independente, com indústria própria, agricultura robusta e diminuição da
desigualdade social. Teria de ter sido um empreendimento iniciado
rapidamente, com união nacional, entusiasmo e exaltação da confiança
pública no país. Não foi”, criticou Pergentino. Mediante as atuais
circunstâncias do país e também da Petrobras, o consultor considera
apropriado o PLS 131 do senador tucano José Serra, que basicamente
significa acelerar a venda do petróleo, mesmo em meio à baixa de seu
preço.
A seguir, o entrevistado deixa claro que considera o gerenciamento
dessa riqueza uma repetição da lógica colonial, a exemplo da era
açucareira do Nordeste, e que no fim das contas tudo dependerá de como
se resolverão as contendas do momento. “Precisamos desenvolver a
tecnologia adequada, e isso a Petrobrás pode fazer: ela tem engenheiros
competentes e capazes. Mas aí entra a política. Onde está o dinheiro? E
mais: seria possível desenvolver tecnologias inovadoras num ramo isolado
como o petróleo, sem uma política industrial e megaeconômica,
diversificada, de longo prazo? Corremos o risco, se fôssemos nos basear
na economia do petróleo e do Pré-Sal apenas, de termos de pagar para
produzir e exportar petróleo”.
Pergentino considera ainda ilusória a promessa de financiamento da
educação a partir da renda do pré-sal. “As coisas ficam mais bonitinhas
de se olhar, mas o contingenciamento de verbas e a margem para pagamento
dos juros aos bancos e para a manutenção das nossas reservas cambiais
são esquecidos. E é precisamente aí que estão as prioridades escolhidas
pelo governo brasileiro. Ou melhor, pela banca internacional, já que são
eles que mandam aqui. O Brasil vem depois, colhe as sobras, que sempre
são poucas para as necessidades. O dinheiro do Pré-Sal, se houvesse, vai
sumir nesse sorvedouro. A prioridade são os juros bancários. Afinal,
isto é o Capitalismo Financeiro”.
A entrevista completa com Pergentino Mendes de Almeida pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como enxerga a
aprovação no Senado do PLS 131, de iniciativa de José Serra, que visa
desobrigar a participação de ao menos 30% da Petrobrás em todos os
consórcios de blocos do Pré-Sal?
Pergentino Mendes de Almeida: Se é para se
explorarem as reservas do Pré-Sal, a justificativa apresentada pelo
Senador José Serra ao seu PLS 131 parece-me oportuna. Por que deixar
essa riqueza enterrada? Não faz sentido, o Capital vai nos asfixiar em
CO2 se puder. O PL 131 é a última chance de conseguir alguma
vantagem para o Brasil. Quero deixar claro logo de início que tenho
pontos de vistas mais ou menos divergentes dos que norteiam o centro, a
direita e a nossa pseudo-esquerda, populista e fascistóide. Para
simplificar: a pergunta é de simples resposta, se vale a pena aproveitar
recursos que temos (claro que sim!), mas a resposta contém detalhes
onde reside o diabo.
Tivemos uma janela de, teoricamente, usar o Pré-Sal para alavancar
(desculpem o palavrão!) este país e lançá-lo para uma posição firme,
independente, com indústria própria, agricultura robusta e diminuição da
desigualdade social. Teria de ter sido um empreendimento iniciado
rapidamente, com união nacional, entusiasmo e exaltação da confiança
pública no país. Não foi. O resto do mundo está trabalhando para a
implantação inevitável de tecnologias alternativas mais sofisticadas, a
fim de reduzir as emissões de CO2, com a inevitável e paulatina perda da importância do petróleo. Agora está ficando tarde, temo.
É hora de recuperarmos a Economia e a Petrobras para que esta tenha
capacidade de atuar com eficácia. O problema é que eles podem ir
adiante, antes de resolvermos os problemas legais da regulamentação do
Pré-Sal e de recebermos as sondas e plataformas encomendadas e por
encomendar. No mundo todo, para todos os países, os atrasos na entrega
desses equipamentos são normais, de cinco a oito anos, às vezes mais de
dez anos. O pré-sal, conforme as previsões iniciais, poderia constituir
uma alavancagem para o desenvolvimento nacional e as finanças públicas.
Mas a coisas me parecem mais complicadas do que vemos, hoje, a partir de
nossa perspectiva míope.
A era do petróleo atingiu seu pico. De hoje em diante, a longo prazo,
tende a decair. Quando jovem, participei da campanha “O Petróleo é
nosso”. Isso quer dizer monopólio da Petrobrás. Getúlio Vargas foi
suicidado por causa disso e da Vale do Rio Doce. O que aconteceu desde
então, em que pé estamos depois de vários mandatos de um partido que se
diz de esquerda, mas que não passa de um populista a serviço da banca? A
Petrobrás está arruinada. A Vale só deu lucro depois de entregue à
iniciativa privada e o governo contribuiu para isso. O resgate do
Pré-Sal exige mais dinheiro do que tem a Petrobrás e uma política
macroeconômica mais bem azeitada, a longo prazo. A Petrobrás está
arruinada. Ela publica que está “vendendo ativos para poder investir”.
Para mim, isso quer dizer que ela está desinvestindo, em vez de investir.
Mas o tema tem sido tratado de uma maneira tão ufanista que me faz
duvidar do muito que se disse a respeito. A questão virou um tema
político, no sentido mais rasteiro do termo, e isso me deixa meio cético
com relação a todas as expectativas oficiais. O mais sensato
diagnóstico a respeito, durante as discussões no Senado, enquanto os
governadores e prefeitos se reuniam para pressionar a seu favor a
distribuição e o adiantamento dos royalties, foi uma tirada do Lula: “a
pescaria nem começou, mas a turma já tá brigando pelo pirão”.
Correio da Cidadania: O que pensa dos argumentos favoráveis
ao projeto, levando em conta o atual momento de baixa internacional dos
preços do petróleo?
Pergentino Mendes de Almeida: O mercado é volátil,
ele sobe e desce. Parece que a coisa tende a ficar inviável para nós.
Eis uma situação que me deixa confuso: já li, em fontes diversas,
citações (rumores?), de que o preço mínimo do barril de petróleo para
viabilizar o Pré-Sal seria de 80 dólares (quando estava a 120), ou 60,
ou 40 dólares, como agora. O preço do barril no mercado atingiu a casa
dos 30 dólares. É previsível que haverá períodos de baixa (prejuízo) e
alta (lucros), mas onde fica o nosso ponto de equilíbrio?
Lembremo-nos de que estamos falando em águas profundas, mais
profundas do que as empresas de petróleo estão habituadas a explorar, e a
distâncias maiores da costa, maiores distâncias do que os poços do
Caribe ou do Alaska, exemplos de catástrofes ambientais nas mãos de
respeitabilíssimas megaempresas do ramo, Exxon e BP. Isso significa
maiores custos, seguros muito mais caros, recursos provavelmente mais
caros, em termos de equipamento e logística – e mais tempo.
Precisamos desenvolver a tecnologia adequada, e isso a Petrobrás pode
fazer: ela tem engenheiros competentes e capazes. Mas aí entra a
política. Onde está o dinheiro? E mais: seria possível desenvolver
tecnologias inovadoras num ramo isolado como o petróleo, sem uma
política industrial e megaeconômica, diversificada, de longo prazo,
adequada ao crescimento harmônico de toda a economia? O que os governos
do PT fizeram até agora foi distribuir recursos públicos para os pobres
comerem, e isso pode ser louvável; porém, o mais importante seria
estimular a produção e o investimento – ou seja, o emprego e a
diversificação e fortalecimento de nossa economia. Comida você come e
descarrega o que sobrou dela. Emprego é um pouco melhor. Pelo menos você
conta com algum rendimento do mês seguinte, depois de gastar o salário
deste mês.
O PT fez o contrário. Tornou o dólar atrativo para especular e
comprar empresas nacionais, alienou nossa indústria e concedeu créditos e
isenções fiscais aos bancos e à indústria automobilística, para
facilitar a remessa de lucros destinados a aliviar os coitados dos
países ricos, quando entraram em recessão. Estamos cada vez mais
especializados em exportar commodities e destruir o meio ambiente.
Enquanto isso, nossa indústria está se desmoronando. Caminhamos para a
mesma situação do Brasil-Colônia, nos tempos da cana-de-açúcar do
Nordeste.
Naquela época, os brasileiros (brancos lusos) eram o povo mais rico
da Terra em termos de patrimônio per capita. Os escravos e índios eram
parte de seu ativo, não eram gente. Corremos o risco, a longo prazo, se
fôssemos nos basear na economia do petróleo e do Pré-Sal apenas, de
termos de pagar para produzir e exportar petróleo. O que, aliás, já
ocorre quando vendemos gasolina abaixo do preço do mercado e do barril
de petróleo bruto. A doença venezuelo-holandesa já começou antes da
pescaria.
Correio da Cidadania: E o que pensa dos argumentos que dizem
se tratar de um crime contra o futuro do financiamento da educação,
afirmando que se trata de uma perda de 25 bilhões de reais/ano?
Pergentino Mendes de Almeida: Considerando tudo o
que eu disse antes, você pode imaginar a importância que atribuo à
Educação. Dez vezes mais do que hoje atribuímos à superior, dez vezes o
valor da superior para o médio e dez vezes mais para o ensino básico. É
uma pirâmide de carências proporcional à pirâmide de distribuição de
renda. Diz-se que o rendimento do Pré-Sal seria destinado à Educação.
Isso não me comove. O sistema das finanças públicas tem por valor
absoluto a ideia de que todo o dinheiro do Estado fica unificado no
Tesouro, afinal, é tudo dinheiro do governo. Juntando tudo num só cofre,
nas mãos dos nossos políticos, eles vão falar de superávit primário,
não do nominal.
As coisas ficam mais bonitinhas de se olhar, mas o contingenciamento
de verbas e a margem para pagamento dos juros aos bancos e para a
manutenção das nossas reservas cambiais são esquecidos. E é precisamente
aí, nos juros, nos interesses dos bancos e dos especuladores que estão
as prioridades escolhidas pelo governo brasileiro. Ou melhor, pela banca
internacional, já que são eles que mandam aqui. O Brasil vem depois,
colhe as sobras, que sempre são poucas para as necessidades.
Por que cada parcela do orçamento, reservada para uma finalidade
social considerada importante, não compõe um fundo específico que deve
gerar dividendos e prestar contas, por exemplo, aos trabalhadores, no
caso do FGTS, às escolas e professores nos fundos para Educação e assim
por diante? Eu sei que estou falando besteira, não sou economista nem
contador, portanto, tenho o direito de dizê-las. Mas mesmo que eu
tivesse, ou tenha razão, os políticos e os tecnocratas rejeitariam a
proposta. O dinheiro do Pré-Sal, se houvesse, vai sumir nesse
sorvedouro. A prioridade são os juros bancários. Afinal, isto é o
Capitalismo Financeiro.
Correio da Cidadania: A propósito, como
enxerga a atual crise financeira da Petrobrás, permeada por casos de
corrupção de grande monta em diversas diretorias e setores da empresa?
Nesse sentido, a empresa teria perdido de fato a capacidade de
exploração do petróleo, como, por exemplo, na própria camada do Pré-Sal,
justificando um projeto como o do senador Serra?
Pergentino Mendes de Almeida: Catastrófica. Há século e meio um ditado do bom senso nunca foi desmentido: o
primeiro melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem
administrada; o segundo melhor negócio é uma empresa de petróleo mal
administrada. Pois o PT conseguiu desmontar a nossa maior empresa e
desmentir a sabedoria secular desse ditado. É uma proeza e tanto! É
claro que, nesta altura dos acontecimentos, tanto faz. A situação até
que justifica o PLS 131 do senador José Serra. A Petrobras precisa se
recuperar e deixar de ser um peso morto na exploração do Pré-Sal, pois
não tem substância financeira para arcar com 30% de todos os
investimentos necessários.
Além disso, ela tem, a meu ver, outras prioridades a atender. Como é
que ela se pode propor, na sua propaganda institucional, a ser uma
empresa de energia, quando não tem alcance para salvar sequer o petróleo
que já tem e as refinarias que já comprou? De quais energias estamos
falando? Eu acredito no corpo técnico da Petrobras, mas não na sua
administração.
Correio da Cidadania: Qual é a seu ver o sentido maior, hoje,
de exploração do Pré-Sal, considerando a conjuntura atual nacional e
também a internacional?
Pergentino Mendes de Almeida: É ganhar uns trocados
ou uma pequena fortuna – se tudo correr bem. Mas já sabemos que nem tudo
está correndo bem para nós aqui e para o mundo em geral. E nem uma
pequena fortuna, com as atuais políticas, iria melhorar as condições
sociais do povo brasileiro. Poderia valer a pena se tudo tivesse sido
planejado a longo prazo, dentro de um pensamento holístico, e começado
há uns dez anos. Agora passou a janela. Mais uma vez.
A Era do Petróleo e da produção abundante de CO2 para
gerar energia chegou ao pico e tende a retrair-se. Não acho que a
extração de petróleo vai acabar de vez, ele ainda será necessário para
as indústrias de corantes, plásticos, cosméticos, perfumaria e
medicamentos. Mas deverá ser suplantada por um conjunto de fontes
alternativas de energia para transporte, iluminação, comunicações etc.
Quem não ficou rico com o petróleo até agora não fica mais,
principalmente com a complexidade e custos crescentes da tecnologia
necessária. Uma coisa é certa e aceita, ainda que entre quatro paredes,
pelas empresas exploradoras do petróleo: o futuro exige a redução de
emissões de CO2 , custe o que custar. E ponto. O que elas podem fazer é ganhar um tempinho.
As grandes multinacionais do petróleo sabem disso e preparam-se para
uma nova fase de geração de energia. A Shell, os Emirados, a Arábia
Saudita investem pesado em pesquisa de fontes alternativas. Talvez a
Shell seja a organização com resultados mais avançados – no nível experimental.
Ok, suponha então que você é a Shell e dispõe do conhecimento e da
tecnologia necessários para mudar tudo. Agora pense: por que lançar uma
inovação tecnológica neste momento, solução que está pronta e segura na
sua prateleira (onde entram as leis de patentes, a batalha crítica na
ONU e OMC!), quando ela irá desmantelar todo o seu sistema altamente
lucrativo, que funciona de modo eficiente há mais de um século? Por que
desperdiçar a rede de distribuição, caminhões-tanque, torres de
petróleo, tanques de armazenamento, gasodutos, contratos com
distribuidores e fornecedores, valor da marca, além das relações com os
produtores, que custaram guerras históricas e invasões para se
consolidarem, enquanto todo esse aparato continua rendendo lucros?
Note, o investimento feito desde o século 19 pela Shell, Exxon, BP e
todas as outras já foi amortizado há muitas décadas, agora é só
usufruir. Nenhum investidor é suicida (isto é, do ponto de vista da
economia capitalista) para abandonar o jogo enquanto está ganhando.
Ou seja, o Brasil não apenas deixou sua maior empresa ser engolida
por interesses particulares, como ainda perde o bonde da inovação
tecnológica em que a própria Petrobrás poderia ser líder.
Agora surgem ameaças de cantos inesperados, que não faziam parte do
jogo. Carros sem motorista, movidos a energia elétrica: o Modelo Google
já funciona em algumas cidades nos Estados Unidos. A Ford negocia um
acordo com o Google para eventual produção em massa. A GM se adiantou e
acabou de lançar um modelo inteiramente elétrico, possante e com
autonomia de 300 km com uma só carga elétrica. A Toyota já vende o seu
híbrido elétrico no mercado. A Nissan começou agora.
As novas gerações não estão mais dando o mesmo valor à posse de um
reluzente carro como nós sempre demos. Por que não alugar um veículo
elétrico apropriado à sua viagem, pagando só pelas horas de utilização,
como você hoje faz com as bicicletas do Itaú? Na França e nos Estados
Unidos (se não me engano, também no Japão) a experiência está em curso. E
está dando certo.
Por falar em energia atômica, ninguém sabe que os Estados Unidos
estão desenvolvendo usinas atômicas de IV Geração, capazes de superar em
custos, benefícios, eficiência, facilidade de instalação, mobilidade
(sim, mobilidade!) tudo o que chamamos hoje de usinas nucleares. De
acordo com um depoimento do Departamento de Energia ao Senado
norte-americano, o que se procura é criar um sistema tal que torne
obsoletas todas as demais formas de obtenção de energia por meio de uma
nova tecnologia nuclear avançada.
Essa nova tecnologia oferece a segurança que as atuais usinas não
oferecem, são menores e fáceis de transportar e montar, e produzirão
energia mais barata in loco. Mas serão de domínio norte-americano. O
objetivo declarado nesse depoimento é transformar os Estados Unidos num
monopólio mundial de energia. Isso introduz uma outra variável
geopolítica importante: a esfera jurídica e a tendência à globalização,
com poucas, enormes e diversificadas corporações ditando suas políticas
internacionais em todas as áreas de atividade, na indústria, no
comércio, nos serviços, nas políticas nacionais subordinadas a elas.
Daqui a vinte, trinta anos, o mundo não será o mesmo. Que fique
claro: quase todas as alternativas de geração de energia mencionadas
acima têm seus problemas, inclusive ambientais, mas estes são
solucionáveis pela tecnologia. Juntas, darão conta do recado. Existe um
potencial nelas que não é abertamente reconhecido. Alguns cientistas
acreditam que a energia eólica, a solar e a das marés poderiam
eventualmente satisfazer, conjuntamente, todas as necessidades globais
de energia. Nem todos concordam, mas o ponto que quero salientar é que
nesse campo existem mais coisas entre o céu e a terra do que as grandes
corporações deixam entrever.
O ponto a salientar é que pouco provavelmente uma só delas
venha a substituir o petróleo ou o gás natural, próximo protagonista de
nossa história. O que podemos esperar é a adoção de um mix de
tecnologias de produção de energia, do qual o petróleo ainda
participará, em proporções decrescentes. A única “surpresa” que pode
salvar o planeta em um cenário diferente é a invenção de uma tecnologia
que permita controlar a fusão nuclear. Pode acontecer amanhã,
na semana que vem ou daqui a dez anos, ou nunca. Mas existem
investimentos não desprezíveis tentando descobrir a fonte praticamente
infinita e limpa de energia.
Em qualquer caso, o problema de transmissão tornar-se-á numa questão
estratégica de repercussões mundiais. Acho que aqui também deverá
ocorrer uma verdadeira revolução tecnológica. Compondo esse problema
logístico já existe um outro ainda pior. O volume de CO2 na
atmosfera hoje já é suficiente para gerar enormes desafios e perigos
futuros. Não há mais como evitá-los. Agora é tarde. Teremos de
desenvolver sistemas viáveis de sequestro e captura de carbono do ar.
Correio da Cidadania: O que pensa, nesse
sentido, dos argumentos mais radicados no ambientalismo, que condenam de
lado a lado as fórmulas propostas para a extração do óleo?
Pergentino Mendes de Almeida: Não os conheço todos, mas não vejo como estancar, neste século, a extração de petróleo. Quero dizer, na prática.
Correio da Cidadania: E o que comenta sobre os argumentos de corte geopolítico que condenam o projeto?
Pergentino Mendes de Almeida: Também não os conheço
bem. Não sei que alternativas são propostas. Mas qualquer alternativa
deverá ser realista: vivemos no mundo da especulação do capitalismo
financeiro, que é uma espécie de “socialismo” a favor do capital. Nenhum
país rico, nenhuma economia evoluída na Europa, América, Ásia, foi
capaz de desenvolver o seu sistema capitalista sem forte e constante
apoio dos governos. Isso vale para todas as potências ditas liberais,
inclusive os Estados Unidos. O que desejo salientar é que o problema é
muito mais complexo sob todos os ângulos: geopolítico, econômico,
financeiro, técnico etc. Não se pode buscar uma resposta simples.
Acredito que o problema reside exatamente aí: há uma falta de visão
de conjunto a longo prazo, para beneficio de toda a sociedade e para a
modernização, diversificação e ampliação de nossa indústria, que,
infelizmente, está sendo sucateada e vendida ao capital estrangeiro. Não
é à toa que nem se menciona mais o termo clássico da Economia, “Produto
Nacional Bruto”; fala-se em “Produto Interno Bruto”. As vendas de
Volkswagen no Brasil contam como nosso produto interno, mas são produto
nacional da Alemanha. A Toyota do Brasil é um ativo do Japão, não do
Brasil, e daí por diante.
Correio da Cidadania: Qual deveria ser, em sua visão, a
relação do Brasil e seus governos com essa riqueza finita? Qual seria o
modelo ideal de gestão do petróleo?
Pergentino Mendes de Almeida: Primeiro, quero dizer
que não considero, na prática, o petróleo uma riqueza finita. Sempre que
aumenta o preço do barril de petróleo, o volume das reservas mundiais
certificadas aumenta também. Estão sempre um pouco acima da curva de
consumo. O que vai limitar a indústria do petróleo é a necessidade de
reduzir o volume de CO2 na atmosfera, além do fato de que as
fontes alternativas de energia em desenvolvimento hoje podem ser mais
eficientes do que o petróleo.
A vantagem do petróleo é que ele sempre foi barato; antes da crise
dos anos 1970, da organização da OPEP, o preço do barril variava pouco
acima de um dólar – o mesmo barril que hoje está perto dos 30 dólares e
que deveria subir para 100 dólares a fim de compensar o Pré-Sal e várias
outras fontes alternativas de energia. Por outro lado, considere que
estamos falando numa economia fortemente sustentada. Mas estamos falando
de uma economia sobre quatro rodas, com motor a explosão, movido a
combustível fóssil. Isso é uma tecnologia relativamente rudimentar. Um
motor a combustão interna com gasolina utiliza pouco mais de 10%, 15% da
energia contida na gasolina queimada. O que significa que quase 80% do
consumo de gasolina é um subproduto indesejável: calor (que precisa ser
arrefecido no radiador) e poluição. No futuro isso deve mudar contra o
petróleo, como aconteceu com as fontes de energia, ainda existentes, mas
já superadas: a lenha e depois o carvão.
Quanto a um modelo ideal de gestão do petróleo, não podemos
considerá-lo isoladamente de todo o resto que mencionei aqui. Temos de
pensar a longo prazo. Um século é pouco para planejarmos e as incertezas
são inúmeras. O Brasil deveria explorar todos os seus recursos para
gerar uma economia autônoma e diversificada. Deveria usar tudo o que tem
para incrementar a indústria de base, a indústria pesada, os portos, as
estradas, os estaleiros, o saneamento, a criação de empregos úteis. E
isso num tempo em que tudo é robotizado e a mão de obra participa cada
vez menos do produto gerado.
Temos de gerar empregos e adotar métodos modernos de produção, o que
parece contraditório. Alguns países conseguiram isso. Ou melhor,
praticamente todos os países ditos desenvolvidos passaram por esse
teste, mas só conseguiram superá-lo pela presença ativa do Estado. É o
que chamo de “socialismo” a favor do Capital, principalmente o
financeiro. Como fazê-lo de modo decente é o nosso problema. O Pré-Sal
pode ajudar ou não (espero que sim).
Meu ideal seria o governo investir pesadamente na criação de polos de
excelência onde ainda podem existir bolsões de oportunidade para
atender as necessidades do futuro, que serão diferentes das da nossa
história. Seria necessário concatenar e concentrar nossos recursos,
esses sim, finitos demais, para investir no aproveitamento de
oportunidades que arrastassem consigo os setores industrial, agrícola,
comercial. Ainda que, a exemplo dos países liberais, tivéssemos de
passar por um período protecionista – digamos, para que não me
apedrejem, protecionista “contido”, racional, consentido e planejado.
Mas não para beneficiar os amigos do Rei.
Correio da Cidadania: Considera que ao tentar acelerar a
venda do petróleo o Brasil também perde no sentido de se preparar para
promover e financiar outras formas de geração de energia, limpas e
renováveis?
Pergentino Mendes de Almeida: Acho que sim, e essa é
a arapuca em que costumamos sempre cair. Foi assim no tempo do
Brasil-Colônia, com o açúcar; e depois o café e o algodão, até o
Juscelino fatiar o que o Getúlio havia preparado, para entregar ao
capital estrangeiro. Quem sabe é exatamente nessa área, a das energias
limpas e renováveis, que reside uma dessas oportunidades de darmos um
salto para a frente – que os norte-americanos chamariam de “leapfrog”.
Temos de ser ambiciosos e acreditar, é necessária uma revolução cultural
aqui, no bom sentido.
Tome a energia eólica. O Norte e o Nordeste do Brasil estão na faixa
mundial das monções – ou seja, uma energia constante, inesgotável e
infalível, enquanto o planeta girar. Podemos exportar energia para
outros continentes, como se considera hoje um projeto de exploração da
energia solar do Saara para o Norte da África e toda a bacia das nações
mediterrâneas e centrais da Europa. E o Sol, que castiga o nosso sertão?
E as possíveis oportunidades tecnológicas que podem ser criadas a
partir daí?
Hoje exportamos doutores para as grandes universidades mundiais, que
podem se dar ao luxo de escolher os melhores para retê-los, em benefício
dos seus países. Depois nos vendem suas conquistas. E a Educação? E a
Saúde? Os desafios são enormes, na proporção do nosso atraso, mas não
custariam mais do que nos custam a inércia histórica, a burocracia, a
dívida nacional subordinada ao Capital Financeiro e a corrupção,
combinadas.
Correio da Cidadania: O que a aprovação do PLS 131 significa
frente ao atual momento político, econômico, social e ambiental do país,
de modo mais geral?
Pergentino Mendes de Almeida: Não sei. Depende do
que se pode fazer com ele. Seria muito mais proveitoso, como sugeri
acima, numa gestão eficiente a longo prazo, que tivesse atuado com
agilidade há dez anos. Mas isso não aconteceu e não vejo qual a
eficiência com que podemos contar dos nossos políticos e governo atuais.
Se der uns trocados, como mencionei acima, nas mãos de quem ficariam e
para quê? A bola de cristal agora precisa ser sintonizada na política,
assim rasteira, e na Política, com P maiúsculo.
Leia também:
Valéria Nader é economista e editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.