Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony se tornou nonagenário duas semanas atrás.
Como não sou preconceituoso nem grosseiro, descartarei o peso da idade
como causa de sua coluna infeliz deste domingo de Páscoa. Apenas
lembrarei que celebridades idosas tendem a superestimar a própria
genialidade e, às vezes, exageram na dose. Sabem como é, passaram tempo
demais sendo bajulados, acabando por acreditar no que os áulicos dizem a
seu respeito.
O pomo da discórdia são os parágrafos finais de seu texto tedioso-divagativo O felix culpa. Estes:
"A Páscoa é o ponto mais alto do calendário cristão, de certo modo, é a continuação de uma das mais importantes festas do judaísmo, o Pessach, que o próprio Cristo comemorou pouco antes de ser traído e morrer no calvário.
Enquanto a Páscoa cristã celebra a ressurreição de seu fundador, o Pessach relembra a noite em que os judeus se libertaram do jugo egípcio.
É uma festa de liberdade em que um povo inteiro prefere passar 40 anos no deserto, mas se liberta do cativeiro.
Agnóstico por convicção, gosto de comemorar as duas páscoas. Evito o terrível cativeiro de me tornar refém de Dilma e Lula. Desejo que ambos se f..."
O achado
não é tão novo assim. Lembrei-me logo da música "Zebedeu", que Sérgio
Ricardo gravou em 1967, quase meio século atrás. Refere-se a um violeiro
que canta suas desventuras para os transeuntes, mas acaba irritado por
não lhe darem esmolas e, ademais, zombarem dele e dos filhos. Então
arremata:
"A risada dos presentes, pelo amor de Deus/ Traz o sono à minha gente, pelo Zebedeu/ Eu encerro a cantoria, pelo amor de Deus/ Mandando vocês à merda, pelo Zebedeu".
Achei que Dilma e Lula entraram de gaiatos nessa incomum crônica pascal.
Não vi motivo para o Cony citá-los, muito menos de forma tão
estridente.
Mas, como sempre faço nesses casos, repudio também os que dão chutes na virilha como troco, assassinando reputações na base do ouvir dizer.
Um daqueles jornalistas que defendem incondicionalmente o petismo correu
a comparar a besteirinha atual com dois editoriais golpistas publicados
pelo Correio da Manhã (RJ) ás vésperas da derrubada de João Goulart: o Basta e o Fora. Cometeu exagero similar ao que vituperou.
Para começar, editoriais são a voz do dono,
ponto final. Pouco importa quem o coloque no papel, tal profissional
está apenas expressando a posição do veículo que o emprega.
E tem mais: o rumor de que teria sido ele o escrevinhador de tais
editoriais, difundido por Elio Gaspari, foi desmentido pelo próprio
Cony, que assim relembrou o episódio:
"Até hoje não se sabe quem escreveu o Basta e o Fora, atribuídos a Edmundo Moniz, que era o nosso redator-chefe. (...)
Na crise de 1964, os editoriais eram discutidos exaustivamente pela equipe liderada por Moniz e da qual faziam parte Otto Maria Carpeaux, Osvaldo Peralva e Newton Rodrigues, entre outros.
Eu estava recém-operado, no meu apartamento em Copacabana, e Edmundo Moniz, que ia me visitar todos os dias, telefonou-me para comunicar que Carpeaux desejava pisar forte, com um editorial virulento contra Jango. O próprio Carpeaux sugerira que Moniz me consultasse, uma vez que nós dois éramos afinados, tanto em política como em literatura.
Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase. Hora e meia mais tarde, Moniz telefonou-me outra vez, lendo o texto final que absorvia a colaboração dos editorialistas, e, embora o conteúdo fosse o piloto elaborado por Carpeaux, a linguagem traía o estilo espartano do próprio Moniz".
Mas, eu assim agi para defender um princípio fundamental para jornalistas e para revolucionários: a firme rejeição a toda e qualquer forma de censura.
Nunca escreveria com tanta indignação na defesa de políticos, ainda mais
quando se trata de presidentes e ex-presidentes cujos governos não
foram revolucionários.
Talvez eu seja um pouco antiquado, mas sempre esquivei-me de qualquer
identificação com o poder e suas benesses. Pois concordo inteiramente
com o Millôr Fernandes quanto a jornalismo ser oposição, o resto não
passando de armazém de secos e molhados. E, se a independência significa
tanto para um jornalista, é mais imprescindível ainda para um
revolucionário.
Numa sociedade capitalista o poder realmente corrompe. Fede tanto quanto esgoto, carniça e petrolões.