Segunda, 28 de agosto de 2017
Da Auditoria Cidadã da Dívida
* Por Rodrigo Ávila, economista da Auditoria Cidadã da Dívida
Desde a década de 70 entramos na fase do Capitalismo Financeirizado,
fase mais brutal da exploração da classe trabalhadora. Em toda parte –
até mesmo em países do chamado Primeiro Mundo – aumenta a desigualdade
social, o desemprego, a supressão de direitos sociais, as privatizações
em massa e a redução do tamanho do Estado. Ao mesmo tempo, a chamada
“dívida pública” explode, passa a ser a prioridade absoluta, e seu
pagamento justifica todo tipo de barbárie contra a classe trabalhadora e
o próprio Estado.
No Brasil, o privilégio da dívida é mais escandaloso do que em
qualquer outro lugar, pois praticamos as taxas de juros mais elevadas do
planeta e destinamos quase a metade do orçamento federal – todo ano –
para o pagamento de seus juros e amortizações. A CPI da Dívida Pública
concluída em 2010 na Câmara dos Deputados comprovou impressionantes
indícios de ilegalidade, ilegitimidades e até fraudes na formação da
dívida externa e interna federal, dos estados e municípios, conforme
relatório apresentado pelo Deputado Ivan Valente (PSOL/SP), que
incorporou as análises técnicas feitas pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Para que ninguém perceba o quanto o privilégio da dívida amarra o
país e afeta diretamente a vida de todas as pessoas, diversos artifícios
entram em ação. As falsas teorias de controle inflacionário que
utilizam elevadíssimas taxas de juros – que não servem para controlar o
tipo de inflação que existe no Brasil – tem servido para remunerar
regiamente os rentistas e fazem a dívida explodir.
Também sob a falsa justificativa de combater a inflação, o Banco
Central toma emprestada toda a sobra de caixa dos bancos (R$ 1,1
trilhão, ou 18% do PIB) por meio das “Operações Compromissadas”, para
remunerá-los com juros altíssimos, tornando escasso o crédito a pessoas e
empresas, para elevar as taxas em toda a economia.
Outro artifício é a mega-pedalada de centenas de bilhões de reais por
ano, referente à contabilização da maior parte dos juros como se fosse
amortização ou refinanciamento (rolagem).
A AUDITORIA DA DÍVIDA desmascara esses mecanismos e mostra que a
chamada dívida pública tem sido um instrumento descarado de
transferência de recursos públicos para o setor financeiro.
Está ficando cada vez mais difícil esconder a importância da
auditoria, tendo em vista que o estoque da dívida interna cresceu R$ 636
bilhões em 2015, e R$ 573 bilhões em 2016, alcançando R$ 4,5 Trilhões
em 31/12/2016. Considerando que os investimentos têm ficado perto de
zero, o que fez a dívida crescer tanto?
De forma cidadã, em base a dados oficiais disponíveis, temos
comprovado que o crescimento exponencial decorre do pagamento dos juros
abusivos (disfarçados de amortização/refinanciamento); do elevado custo
da remuneração da sobra de caixa dos bancos; de prejuízos com as ilegais
operações de swap cambial, da prática ilegal do Anatocismo (juros sobre
juros); além de vários outros mecanismos.
Também tem dificultado esconder a importância da auditoria o fato da
dívida estar justificando as recorrentes privatizações; os crescentes
cortes de investimentos sociais que comprometem o funcionamento até das
universidades, além de alterações na Constituição, como a EC-95 (que
congela as despesas primárias por 20 anos para que sobrem mais recursos
para a dívida); a EC-93 (que aumentou a DRU para 30% e criou a DREM,
retirando recursos vinculados a áreas sociais para destina-los aos
juros); a PEC-287 (que desmonta a previdência social), entre outras
alterações legais absurdas como a LC 159/2017.
A Auditoria Cidadã da Dívida tem incomodado todos que querem esconder
tudo isso, pois explica de forma didática os artifícios que geram
dívida sem contrapartida, seus privilégios e, principalmente, escancara
seu impacto de mais de 40% do orçamento federal, por meio do famoso
gráfico em formato de pizza, elaborado com dados oficiais
disponibilizados no SIAFI (Disponível em www.auditoriacidada.org.br/mentirasverdades ). Esse gráfico mostra os dados sem disfarce.
A Constituição autoriza o uso de novos empréstimos somente para
investimentos ou amortização da dívida (despesas de Capital). Para
burlar esse dispositivo (art. 167, III), fazem a manobra espúria,
percebida por poucos, de contabilizar a maior parte dos juros como se
fosse amortização/refinanciamento (rolagem). Assim, os novos
empréstimos, que deveriam viabilizar investimentos voltados ao
desenvolvimento socioeconômico, têm sido consumidos no pagamento dos
juros abusivos.
Caso estivéssemos utilizando a montanha de recursos que o SIAFI
informa como “amortização” para efetivamente amortizar a dívida, o
estoque da dívida estaria caindo. Se estivéssemos apenas “rolando” a
dívida o seu estoque se manteria constante. Mas o estoque da dívida tem
aumentado exponencialmente! Portanto, é evidente que grande parte dessa
“rolagem” é, na verdade, juros.
A Auditoria Cidadã da Dívida tem demonstrado o vínculo entre as
sucessivas operações de refinanciamento da dívida externa realizadas
desde a década de 70 com a dívida interna atual, passando pela assunção
de dívidas privadas; suspeita de prescrição; transformação de dívida
prescrita em novos títulos Brady, seguida de transformação de parte em
dívida interna (com juros de até 50% a.a. ou mais) e outra parte usada
como moeda para comprar empresas privatizadas a partir de 1996; além dos
históricos juros escorchantes e recentes artifícios de swaps,
compromissadas, etc.
Esses sucessivos escândalos têm criado a monstruosa dívida que nos
empurra ao avesso do país que poderíamos ser. Por isso é urgente
desmascarar tudo isso por meio de completa auditoria com participação
cidadã.
Convido os (as) leitores (as) a acessarem nossa seção “Mentiras e Verdades sobre a dívida pública”, na página www.auditoriacidada.org.br/mentirasverdades
, onde comentamos alguns argumentos de setores que criticam o trabalho
da Auditoria Cidadã da Dívida, inclusive os argumentos colocados nos
artigos ao lado.
(Artigo publicado na revista “Socialismo e Liberdade”, juntamente com outros dois artigos que criticaram a Auditoria da Divida)