Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O presidente e sua colheita

Sexta, 11 de junho de 2010 
Por Ivan de Carvalho

    O presidente Lula, que ontem esteve na Bahia, está colhendo insucessos em sua política externa.
Foi um tiro no pé sua associação com a Turquia para chegar a um acordo com o Irã sobre o programa nuclear deste país, evitando as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. As sanções foram aprovadas de qualquer maneira, com os votos contrários de Brasil e Turquia apenas.
Todo esse episódio, no que diz respeito ao Brasil, serviu para duas coisas: provocar orgasmos ideológicos em alguns setores das esquerdas brasileiras, que paradoxalmente vêem a ditadura teocrática iraniana como um “avanço”; e trancar de vez e por bastante tempo a porta para a realização do sonho do governo brasileiro de o país entrar no Conselho de Segurança como membro permanente. Os cinco atuais membros permanentes têm direito a veto em qualquer decisão do CS. Na verdade, o Brasil acabou caindo no ridículo e se desgastou fortemente.
Outro insucesso externo está ainda para se materializar. O Brasil deu um passo em falso em Honduras, ao conspirar com o governo venezuelano de Hugo Chávez para introduzir no país e abrigar na embaixada brasileira um presidente que fora eleito, mas depois destituído por tentar, contra a Constituição e passando por cima de decisão da Corte Suprema, realizar um plebiscito inconstitucional e proibido pelo tribunal para candidatar-se a um terceiro mandato. Em Honduras deu tudo errado. E continua dando: a OEA começa a estudar a readmissão de Honduras na entidade e não é uma premissa a exigência brasileira de que o ex-presidente, deportado, retorne ao país.
Mas na frente interna as coisas parecem ir bem. Parecem, pois as aparências às vezes enganam. E nem tudo é o que parece. Lula e seu governo seguem com aprovação impressionante. E a crise econômica e financeira mundial aqui foi apenas a “marolinha” prevista pelo presidente. Tanto que o Produto Interno Bruto (PIB) teve no primeiro trimestre do ano um crescimento de nove por cento sobre o mesmo período de 2009. Em comparação com o último trimestre do ano passado, o crescimento foi de 2,7%. Parece impressionante, um crescimento “chinês”. Mas é?
Talvez não. A economia brasileira, com toda essa aceleração de crescimento, conseguiu apenas voltar aproximadamente ao nível anterior à “marolinha”. O que está a mostrar que, na verdade, não houve apenas uma marolinha, mas um modesto tsunami. Ainda bem que foi modesto (pois desde a implantação do Plano Real estamos fazendo o chamado “dever de casa), notoriamente ao contrário do presidente, que vestiu o figurino de um astro global, mesmo já sendo o “ex-cara”. Quem tiver alguma dúvida, pode perguntar a Obama.
    Então, voltando ao PIB, não crescemos, apenas recuperamos as perdas causadas pela crise internacional. E como recuperamos, para não correr o risco de continuar crescendo em “excesso”, o governo (Banco Central e Copom) aumentou os juros básicos de 9,50% para 10,25%. Foi, pelo menos, a explicação oficial.
Mas há controvérsias. Sustentam uns que os juros foram aumentados para atender ao tal “Consenso de Washington”. Outros cravam firme na teoria de que o aumento dos juros é para garantir remuneração que assegure o capital especulativo necessário para a rolagem da já impagável dívida pública.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.