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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lula já prepara retorno

Terça, 21 de dezembro de 2010
 Por Ivan de Carvalho
Pela maneira como está se despedindo do cargo que ocupa há oito anos e passará a Dilma Rousseff no dia 1º de janeiro, o presidente Lula não deixa completamente claro se está procurando dar uns retoques na História do Brasil no que se refere a ele ou se está iniciando a campanha eleitoral de 2014, com a intenção de voltar à Presidência. Provavelmente está fazendo as duas coisas.

    Se estivesse nos Estados Unidos, não poderia fazer a segunda e, quanto à primeira, teria muito mais dificuldade. O povo americano, por ter um nível de informação sobre seu próprio país e os assuntos internos muito mais elevado e disseminado que o povo brasileiro tem sobre o colosso emergente da América Latina, não se deixaria embalar tão facilmente quanto nós numa onda de autoelogio presidencial como a que presenciamos. Também não veria com naturalidade a propaganda de despedida, feita tão intensamente com o dinheiro dos contribuintes.

    Quanto a um futuro retorno ao cargo, nos Estados Unidos não poderia acontecer. A eleição e as três reeleições sucessivas de Franklin Roosevelt para presidente fez ver aos americanos e a seu Congresso que poderia ser perigosa a ausência de limites para as reeleições. Daí que foi proibida mais de uma reeleição (no que o sistema de lá passou a ser igual ao adotado no Brasil a partir da admissão de uma reeleição).

    Mas os norte-americanos foram mais além. Quem cumpre mandato de presidente da República, depois que, com ou sem reeleição, deixa o cargo, nunca mais pode voltar a ele. Aliás, a lei americana é aí ainda mais severa, pois um ex-presidente da República não só não pode voltar à Presidência como não pode ser candidato a qualquer outro mandato público eletivo. Não pode ser governador, senador, deputado, nada.

    Mas aqui no Brasil não existe este impedimento. Duas reeleições consecutivas a Constituição não permite. Mas, em princípio, Lula, que já foi eleito e reeleito presidente, pode dar um intervalo para o povo sentir saudades (ele está fazendo todo o esforço para que a saudade aconteça) e então, em 2014, ser novamente eleito e em 2018, reeleito.

   Nesse quadro de maximização de suas possibilidades, Lula presidiria o país durante dois períodos de oito anos, somando, assim, 16 anos. A Dilma Rousseff caberia ficar nos próximos quatro anos “guardando a cadeira”, enquanto Lula e o PT a guardariam das tentações do poder, especialmente da tentação – que é frequentemente muito forte – de demorar-se mais nele.

   É exatamente esta a questão que está posta. Dilma terá ou não o direito de tentar a reeleição? Claro que se fizer um governo ruim ou se, mesmo fazendo um bom governo, ficar impopular, o que, em tese, é perfeitamente possível, o PT, até em autodefesa, poderá buscar um outro candidato e é aí que novamente entraria Lula, estando disponível. Mas, e se Dilma estiver com forte popularidade no seu último ano de mandato, mesmo assim seu direito a tentar a reeleição será abortado pelo PT e trocado pela candidatura de Lula ou a este será afinal aconselhado o merecido repouso?

   “Vamos trabalhar para a Dilma fazer um bom governo e quando chegar a hora a gente vê o que vai acontecer”, disse Lula em entrevista à Rede TV, sobre uma candidatura sua a presidente em 2014. Ele já admite, com naturalidade, comentar a questão. “A gente nunca pode dizer não”, avança.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.