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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Seminário denuncia Estado Penal e pede Tribunal Popular para o Complexo do Alemão

Segunda, 20 de dezembro de 2010

Escrito por Luciana Araujo, da redação do Correio da Cidadania
17-Dez-2010 - Em um seminário realizado entre os dia 7 e 9 de dezembro, no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, dezenas de entidades defensoras dos direitos humanos denunciaram a existência de um Estado Penal no Brasil. Os cerca de 450 participantes do evento aprovaram uma nota de repúdio à violência policial contra a população pobre no Rio de Janeiro e pela realização de um tribunal popular no Complexo do Alemão, em janeiro do ano que vem.


Logo no primeiro dia de debates, a socióloga Vera Malaguti afirmou categoricamente que "no Rio de Janeiro estamos vivendo para que fluam os negócios olímpicos transnacionais, um verdadeiro massacre das favelas". Na opinião dela, o caráter militarista da política de segurança pública fluminense vem sendo reforçado para criminalizar as populações pobres e a juventude, especialmente os jovens negros, como forma de frear as iniciativas de resistência ou qualquer questionamento à ordem. E o aumento da violência policial no Rio está diretamente subordinado ao fortalecimento do mercado dos mega-eventos, como as Olimpíadas, Copa do Mundo ou os jogos Pan-Americanos de 2007.


A polícia do Rio de Janeiro, conhecida por ser uma das que mais matam no mundo, estaria sendo utilizada para "limpar" a cidade em prol de interesses econômicos internacionais das empresas vinculadas aos eventos esportivos previstos para 2014 e 2016. "Agora a gente vê, além da matança cotidiana, as chacinas olímpicas. Um conjunto de políticas que vão da prisão em massa à ocupação, que eles estão chamando de pacificação, que na história do Brasil nos remete à década da dizimação das revoltas populares de 1850 (Balaiada, Farroupilha, Sabinada, Cabanada e outras). É mais um capítulo da ocupação militarizada dos territórios de pobreza". Vera hoje ocupa a secretaria geral do Instituto Carioca de Criminologia.


O ex-governador e ex-secretário de Polícia do estado do Rio, Nilo Batista, corrobora essa análise. E aponta como símbolo da legitimação de ilegalidades por parte do Estado nas comunidades periféricas o disparo contra um dos suspeitos de envolvimento com o tráfico que fugia da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão no último dia 21 de novembro. A imagem de um dos rapazes tombando diante das câmeras de emissoras de TV em nenhum momento foi questionada como ilegal, embora a Constituição Federal proíba a execução sumária. "Um atirador da tropa de elite matou um daqueles garotos fugindo, e ninguém mais falou disso", criticou Batista. Em verdade, ao longo dos dias subseqüentes àquela ação, a cobrança dos veículos comerciais de mídia foi exatamente no sentido oposto, com vários meios de comunicação cobrando que a polícia tivesse alvejado os "supostos traficantes".


Violações e mortes são ocultadas pelo Estado

Apesar das evidentes violações de direitos transmitidas ao vivo pelas câmeras de diversos veículos, alguns meios de comunicação, a Secretaria de Segurança Pública e o governo do estado do Rio de Janeiro passaram dias comemorando a invasão das comunidades como uma vitória contra o tráfico. O governo federal e a presidente eleita voltaram a defender a expansão das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) para todo o país.


No máximo, houve poucos questionamentos ao que teriam sido atos excessivos de policiais, não previstos na orientação das ações. O historiador Davidson Nkosi rechaça essa visão distorcida dos acontecimentos dos últimos dias no Rio de Janeiro e ressalta que "o número crescente de presos (em todo o Brasil) não mostra incapacidade do sistema, porque a função do sistema é essa, para se reproduzir tem que manter a desigualdade. E ele está sendo muito capaz para manter essa lógica".


Davidson ressalta também a geografia do modelo de implantação das UPPs. "Não tem UPP onde tem milícias, na Baía de Guanabara, na Zona Sul. O que está por trás disso?".


Para Patrícia Oliveira, integrante da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, o modelo das UPPs "não é nada mais do que um GPAE (Grupo de Policiamento em Área Especial) melhorado, porque tem dinheiro do BNDES". Os GPAEs foram criados em 2000, na gestão do então governador Anthony Garotinho, sob o anúncio de combate ao narcotráfico com policiamento comunitário. Até hoje, passados dez anos, nada mudou nas comunidades onde foram instaladas tais unidades.

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