Sexta, 11 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho

A perda de rumo da “primavera árabe” poderá vir exatamente pela derrota do movimento em um dos países em que eclodiu com mais força. A derrota dos rebeldes ali poderá ser um anticlímax, desestimulante para movimentos rebeldes ou simplesmente de oposição em várias outras autocracias árabes e muçulmanas não árabes, sendo destas últimas o exemplo principal o do Irã.
Já são duas semanas de protestos e conflitos sérios na Líbia, milhares de feridos e, a depender das fontes, com suas estimativas díspares e de difícil verificação, centenas ou até dois mil mortos. O movimento rebelde chegou a dominar completamente todo o leste do país, iniciando até com êxito incursões a cidades e localidades menores do Oeste, inclusive conseguindo o controle de uma cidade de média importância a apenas 50 quilômetros da capital, Trípoli.
A região de Trípoli é a base física, militar e demográfica em que se sustentam Muammar Gaddafi e seu regime, nessa fase que está sendo considerada de quase guerra civil. Aliás não vejo muita razão para o “quase”. Nessa região residem 2,2 milhões do total de menos de sete milhões de habitantes da Líbia (excluídos da conta os estrangeiros que trabalham ou trabalhavam lá).
O problema da rebelião é que o regime de Gaddafi foi apanhado de surpresa, não teve tempo de reagir e perdeu terreno, mas duas semanas depois de iniciados os conflitos o ditador parece já ter conseguido reorganizar razoavelmente suas forças, inclusive também fazendo largo uso de mercenários tão bem pagos quanto bem treinados e armados para o combate.
O regime no poder tem o controle absoluto do espaço aéreo e o está usando para bombardear objetivos estratégicos e cidades controladas pelos rebeldes. Esta semana passou a usar também embarcações de guerra para bombardear as costas com artilharia. Nessas condições, como deixava entrever o noticiário de ontem, o movimento rebelde começa a perder terreno na área militar e geográfica.
O esforço político e diplomático que os Estados Unidos, a União Européia, a OTAN e a ONU realizam para impedir um massacre dos rebeldes e tentar forçar a queda do regime poderia ser eficaz se fosse longo o prazo que esses quatro agentes citados têm atingir seus objetivos.
Mas o prazo é curto. Muito curto. Pode ser de apenas mais alguns dias, poucos dias. E a OTAN declarou-se, ontem, preparada para agir, mas advertiu que, para qualquer ação militar, precisa de uma autorização expressa da ONU.
E a ação militar sobre a qual mais se tem falado é o de estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. O que exige bombardeios prévios para destruição das defesas antiaéreas.
Os rebeldes acham insuficiente a “zona de exclusão aérea”. Eles pedem que os Estados Unidos ou a OTAN bombardeiem instalações militares do regime e aeroportos, para acabar com a superioridade militar de Gaddafi.
Ora, na ONU só quem pode dar tal autorização é o Conselho de Segurança e, neste, a Rússia e a China, que têm direito de veto, estão contra a autorização de qualquer ação militar. Aí, pela OTAN, parou. Restaria uma ação unilateral dos Estados Unidos e talvez Reino Unido. Mas não farão isto, nem fornecerão armamento e munição, nem eles nem a própria OTAN, sem saber antes com quem estão tratando. Quando e se ficarem prontos, talvez já não haja com quem tratar.
- - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.