Terça, 1 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho

Ontem, o blog
bahiaempauta.com.br destacava a seguinte frase da mal encarada, mas não
antipática velha senhora de 76 anos: “Se admitir isso, o partido vai passar da
esquerda para a direita. O DEM sustentou a ditadura militar, que nos impôs
tortura, exílio e desaparecimentos. É uma mistura que a química não admite.”
Coitada da
química, quando manipulada pelos políticos brasileiros. Então, esta ciência
passa a admitir qualquer mistura. Sem censura. Erundina, que se considera uma
liderança de “esquerda”, como tantas outras pessoas que da mesma forma se
rotulam, talvez nem saiba explicar com clareza exatamente o que significa ser
“de esquerda” ou ser “de direita”. Apenas vale assinalar que a suposta
existência de uma “esquerda” pressupõe a suposta existência de uma “direita”.
Então, talvez
não faça lá muito sentido a afirmação de Erundina, ao referir-se à provável ou
já quase certa transmigração do prefeito paulistano Gilberto Kassab do
Democratas para o PSB – via um partido-ponte a ser criado para esse fim
específico – de que a absorção de Kassab pelo Partido Socialista Brasileira
levaria este da “esquerda” para a “direita”. Se “esquerda” e “direita”
situam-se em lugares incertos e não sabidos do espectro político, a avaliação
da ex-prefeita Erundina é, no mínimo, arriscada, mas possívelmente abilolada.
Ela, na
entrevista à Folha, deixa absolutamente claro que já está isolada na seção
paulista do PSB e que a entrada do prefeito Kassab (com a expectativa, quase
promessa de ser o candidato deste partido a governador em 2014) a deixaria numa
espécie de solitária. E denuncia que a migração do Kassab do DEM para o PSB
nada mais é do que uma jogada do tucano José Serra para infernizar a vida
política do governador também tucano Geraldo Alckmin.
Simples: Kassab seria candidato
do PSB a governador, concorrendo com Alckmin, que estaria buscando a reeleição.
A parte serrista do PSDB e do DEM paulista apoiaria Kassab, já então do PSB,
contra Alckmin.
Quanto ao
governo federal e ao PT – que estimulam Kassab a ir para o PSDB, ao invés de
para o PMDB, como ele pensara a princípio e chegara a acertar com o
vice-presidente da República, o peemedebista Michel Temer (hoje o mais exímio
engolidor de sapos da República) –, atingiriam dois objetivos convergentes.
Impediriam a ressurreição do PMDB paulista, que está atualmente morto com um
deputado federal e quatro estaduais e plantariam o PSB com firmeza no maior
colégio eleitoral do país, fazendo deste partido o contra-peso para neutralizar
o PMDB.
Ora, não vejo nada demais em o PSB acolher Kassab, um
político de curta história e ideologicamente uma caixa preta. O problema é
acolher gente como Afif Domingos, do DEM e vice-governador paulista, que não é
mesmo de “esquerda” nem de “direita”, mas politicamente um democrata e
economicamente um liberal cujo ideário (seria burro se tivesse ideologia, mas
não tem) é bem conhecido. O PSB perde mesmo o rótulo de “esquerda” se acolher
Afif, mas creio que Afif perde sua história, que é boa, se for para o PSB.
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Este artigo
foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.