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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 18 de março de 2011

A reforma que está vindo

Sexta, 18 de março de 2011 
Por Ivan de Carvalho
    Na Comissão de Reforma Política do Senado, recentemente criada, começa timidamente a se objetivar a por tantos anos falada e há tanto tempo não feita reforma política.
    Ainda há uma grande dúvida sobre se será feita uma reforma de verdade ou se serão pinçados apenas alguns pontos para alteração da legislação.
    É que uma mudança verdadeira do sistema eleitoral, que seria o cerne de uma reforma política para valer, seria a troca, nas eleições proporcionais, do sistema de voto proporcional pelo distrital.
   Esta alteração, por si mesma, teria efeitos tão amplos no cenário político que praticamente dispensaria a maior parte de outras mudanças. Uma rearrumação da política brasileira ocorreria espontaneamente e seria mais profunda que tudo o que pode resultar das demais mudanças que estão sendo ensaiadas.
   Mas a adoção do voto distrital, embora tenha alguns defensores (doutrinariamente, o PSDB é a favor), não acontecerá e isto tem a lógica mais simples possível. Os deputados federais, os estaduais e os vereadores foram eleitos pelo sistema proporcional. Eles não vão abrir mão do instrumento que lhes tem dado seus mandatos. A Câmara dos Deputados não aprovará isto.
   Poderia, claro, aprovar e determinar o início da vigência somente a partir, por exemplo, da próxima década, mas nem isso vai acontecer. O voto distrital não é uma coisa levada a sério no debate em curso sobre a reforma política.
   Então, inventa-se um tal “distritão”, em que cada unidade federada (a Bahia, por exemplo) seria um “distrito”, apenas porque isto pode, eventualmente, abrir espaço para certas mudanças miúdas que interessam aos que estão decidindo sobre a reforma, ou à maioria deles, não necessariamente à sociedade brasileira.
   Por enquanto, a Comissão de Reforma Política do Senado aprovou o fim das reeleições de presidente, governadores e prefeitos (mas não para os que já estão nos cargos) e o alongamento de cada mandato, aí, para cinco anos.
   O PT, além de pontos como o financiamento público de campanha, a fidelidade partidária rígida e o fim das coligações nas eleições proporcionais, está defendendo encarniçadamente a votação, nas eleições proporcionais, em listas partidárias fechadas (formadas por candidatos, na ordem que for determinada por cada partido).
   Isto, a pretexto de “fortalecer os partidos”. Esta suposta necessidade de “fortalecer os partidos” tornou-se uma espécie de dogma no Brasil e vem sendo repetida como um mantra entre os políticos. O Judiciário já adotou o dogma, objetivado em várias de suas decisões, principalmente as relacionadas com a fidelidade partidária, o entendimento de que “o mandato pertence ao partido”, o que está gerando o corolário (que surpreendeu o Congresso) de que, ao contrário do que historicamente sempre ocorreu, o suplente que assume o mandato não deve ser o que se qualificara pela coligação, mas o do partido.
   Mas o “voto em lista” tem dois grandes defeitos, que deveriam ser suficientes para sepultar a infeliz idéia: retira do eleitor a liberdade de escolher os seus candidatos para mandatos de eleição proporcional e estabelece uma evidente ditadura dos partidos. Uma ditadura que se exercerá tanto internamente (dentro de cada partido, sobre seus candidatos e correntes) como dos partidos sobre os eleitores.
   E quem é que nos garante que fortalecer os partidos, ainda mais tanto assim, será bom para o país? Pode ser bom para o poder de um partido ou mais de um sobre o Estado e a nação, mas não, quase certamente, para estes. Nem para os eleitores, que ficam enfraquecidos. Mas talvez seja isto mesmo que se quer...
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.