Terça, 6 de setembro de 2011
Da Agência Brasil
Gilberto Costa - Repórter
O corte de gastos adotado por governantes de vários
países para diminuir os impactos da crise econômica internacional podem
não ter o efeito desejado e piorar a situação, especialmente onde não se
pode contar com o crédito financeiro privado (bancos em movimento de
restrição da oferta de empréstimos), nem com a demanda de consumo das
famílias (já endividadas).
A análise faz parte do relatório anual sobre comércio e
desenvolvimento global divulgado hoje (6) pela Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A avaliação sobre a
economia mundial considerou a situação de cerca de 200 países e não diz
respeito à recente medida anunciada pelo governo brasileiro de usar R$
10 bilhões para amortizar a dívida pública (visando à diminuição futura
dos juros).
Para o economista argentino Alfredo Calcagno, da equipe da Unctad
que elaborou o relatório, o gasto público pode estimular um “círculo
virtuoso” nas economias que estão em recessão ou com baixas taxas de
crescimento, como ocorre atualmente com os Estados Unidos, o Japão e
países da União Europeia.
A recomendação da Unctad, entretanto, diverge das decisões que estão
sendo tomadas pelos países ricos. Para Calcagno, aqueles países estão
passando, antes da hora, de uma situação de estímulo fiscal para outra
de restrição fiscal. “As economia desenvolvidas estão fazendo políticas
para não crescer”, alertou o economista, em teleconferência transmitida
de Paris para a sede da Comissão Econômica para América Latina e o
Caribe (Cepal) em Brasília.
Calcagno destaca que a crise financeira de 2008 não foi causada pela
perda de controle dos gastos públicos e diz que, ao contrário, “a
situação fiscal era boa antes da crise”. Segundo ele, o aumento do
déficit fiscal nos países desenvolvidos é consequência, e não causa.
“Vamos atacar o sintoma, mais do que a doença”, aconselha.
Ele lembra que, no fim da década de 1990, o receituário de ajustes
fiscais nos países em desenvolvimento, como o Brasil, afetou o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o balanço das contas
públicas. Para Calcagno, planos de ajuste afetam a arrecadação porque
afetam o crescimento. O efeito é que o Estado perde dinheiro que poderia
arrecadar e continua tendo dificuldades para pagar a dívida pública,
que se imaginava diminuir com recursos captados com o superávit fiscal.
O economista argentino recomenda aos países que estão fazendo
restrições “esquecer a regra de confiança no mercado financeiro”, que,
neste momento, não tem crédito. Em vez das medidas de contenção, uma boa
alternativa poderia ser, sem aumentar despesas, maximizar o efeito
multiplicador dos ingressos fiscais e o Estado viabilizar mais recursos
para os setores que podem consumir (expandindo a economia) e eliminar a
redução de impostos para os mais ricos e diminuir os tributos dos mais
pobres (mantendo calibradas as receitas).
O relatório da Unctad aponta ainda a falta de avanço na regulação
dos sistema financeiro internacional e levanta a possibilidade de riscos
especulativos; como, por exemplo, o que é feito com a negociação de commodities (produtos
básicos como petróleo e minério de ferro) no mercado de ações. Com a
especulação, os preços podem subir ou se depreciar rapidamente, expondo a
riscos as economias exportadoras (como o Brasil) ou as que dependam do
fornecimento.
O estudo alerta ainda para o desequilíbrio comercial entre os
países, que voltou a crescer após o momento de crise em 2008. O risco é
de que economias com maior capacidade produtiva, como, por exemplo, o
Japão e a Alemanha, exportem mais e gerem efeitos de
desindustrialização. Calcagno recomenda que se verifique se o aumento
das importações pelos países em desenvolvimento está ocorrendo por causa
da taxa de câmbio que valoriza a moeda, por problema de crédito ou por
causa de concorrência desleal.