Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 6 de março de 2012

A cigana e o TRE da Bahia

Terça, 6 de março de 2012
Por Ivan de Carvalho
A Calle Florida é a rua de Buenos Aires onde ela mais gosta de passear. E era o que estava fazendo, em companhia de sua irmã Esmeralda, a desembargadora Sara Silva de Brito, pouco antes da importante eleição que disputou no pleno do Tribunal de Justiça da Bahia em 18 de janeiro. A certa altura da Calle Florida havia uma cigana sentada numa cadeira. Como algumas outras pessoas, mas não muitas, a cigana tinha autorização para trabalhar nessa bela rua da capital argentina. Ela acenou a Sara de Brito, indicando que queria conversar. Esmeralda desestimulou a irmã. Perder tempo com cigana...

            Mas a cigana estava determinada, insistiu, levantou a voz, falando em espanhol, mas plenamente compreensível para a desembargadora baiana o que aqui já vai traduzido: “Você tem uma aura muito forte sobre sua cabeça, venha cá!”.

           A magistrada, ex-comunista que faz tempo fez sua revisão mental, acredita em milagres e em todos os santos, rendeu-se ao apelo. Foi. A cigana olhou umas cartas, fez uma leitura silenciosa de uma das mãos de Sara, voltou às cartas e afinal anunciou sua sentença à desembargadora, que naturalmente não lhe havia falado de sua ocupação profissional: “A senhora vai concorrer a uma eleição no seu trabalho, vai ter muita coisa contra, mas a senhora vai ganhar”.

           Sara achou que a cigana havia errado. Considerou que ela estaria se referindo a uma eleição que disputara, sem êxito, para uma posição na Mesa do Tribunal de Justiça. Mesmo assim, resolveu mostrar uma fotografia à cigana. “Ele não está mais aqui. Mas vocês se amaram, foram felizes”. A fotografia era do advogado Pedro Milton de Brito, ex-presidente da OAB da Bahia e ex-membro do Conselho Federal da OAB, mas, para Sara, principalmente seu marido e pai de suas duas filhas, Natassia e Catarina. Pedro Milton “não está mais aqui”, como disse a cigana, desde 4 de dezembro de 2000.
            A desembargadora, talvez emocionada, pegou uma nota de 100 pesos para dar à cigana, sob a censura da irmã Esmeralda, que achou um exagero: “Que é isso? Você ficou doida?”. E Sara: “Não, eu gostei dela. Ela nem acertou sobre a eleição... mas eu gostei dela”. E deu os 100 pesos, despediu-se, foi saindo, alguns passos. Então a cigana falou alto, dando a última palavra: “Eu só quero que, quando acontecer, a senhora se lembre quem fez a previsão”.

           Hoje, às 17 horas, a desembargadora Sara Silva de Brito toma posse numa das cadeiras destinadas a desembargadores no Tribunal Regional Eleitoral. Conquistou a vaga, como já mencionado, em 18 de janeiro, numa difícil disputa com a desembargadora Daisy Lago, a quem venceu por um voto – 18 a 17 – no pleno do Tribunal de Justiça, uma vitória obtida apesar de “muita coisa contra”, como advertira a cigana. A desembargadora Sara Silva de Brito está convencida de que, ao contrário do que avaliou inicialmente, a cigana acertou.

            Bem, se eu fosse ela, iria com urgência dar outro passeio na Calle Florida. Quem sabe a cigana tem alguma outra boa revelação a fazer...

A posse de Sara no TRE será prestigiada pela ministra do Superior Tribunal de Justiça e corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, que fará um discurso na solenidade. A ministra e corregedora do Conselho Nacional de Justiça será também a palestrante de hoje no Café da Manhã com Empresários, promovido pelo Instituto Miguel Calmon, com apoio da Associação Comercial e da OAB, seção da Bahia. Na palestra, o tema é o CNJ.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.