Sexta, 9 de março de 2012
Da "Pública Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo"Empresa irlandesa compra direitos sobre créditos de carbono dos índios Munduruku, no Pará, em reunião controversa; contrato investigado pelo Ministério Público valeria por 30 anos. A Funai foi deixada de fora
O vídeo promocional da
empresa Celestial Green Ventures – “verde celestial”, em português –
traz imagens de uma reunião em uma localidade não identificada, na
Amazônia. Em meio a fotos, com fundo musical, o irlandês Ciaran Kelly,
CEO, explica: “Nós sentamos com a comunidade local, há uma discussão
muito aberta, dizemos o que temos que fazer, quais são as suas
responsabilidades e as nossas. Se concordamos, prosseguimos”.
O português João Borges de Andrade, chefe de operações no Brasil,
aparece em fotos rodeado pela população local. “Eu gosto do contato com
essas pessoas, elas são muito gentis e muito amigáveis. É emocionante”.
A Celestial Green atua em um novo setor que se fortalece nos
recônditos da Amazônia brasileira: a venda créditos de carbono com base
em desmatamento evitado, focado nas florestas. Por estes créditos, a
empresa tem procurado indígenas de diversas etnias e teria assinado
contratos com os Parintintin, do Amazonas, e Karipuna do Amapá, segundo
as suas páginas no twitter e facebook.
No dia 22 de setembro do ano passado, o mesmo João Borges, da
Celestial Green, foi a uma reunião a respeito de um contrato de crédito
de carbono com os índios Munduruku, na Câmara Municipal de Jacareacanga,
no Pará. Assim que ficou sabendo, a missionária Izeldeti Almeida da
Silva, que trabalha há dois anos com os Munduruku, correu para lá: “Fui
pega de surpresa. Depois falei com um dos líderes e ele disse que fazia
tempo que estavam negociando com um grupo pequeno de lideranças”.
Quando chegou à sala de reunião, diz a freira, o espaço estava cheio.
Estavam todos lá: caciques, cacicas, mulheres e crianças. Muitos
vestidos para guerra: pintados, com arcos e roupas tradicionais. A
reunião foi fotografada pelos dois lados. “Os guerreiros e as guerreiras
estavam muito brabos com o pessoal que foram falar lá em cima”, lembra o
cacique Osmarino. “As guerreiras quase bateram neles”.
Segundo Izeldeti, o representante da empresa mal conseguiu falar.
“Eles gritavam em voz forte que estavam cansados de ser enganados.
Disseram: ‘nós sabemos cuidar da floresta, não precisa de ajuda’. As
mulheres guerreiras ficaram na fila e cada uma foi falando em Munduruku.
Meteram a flecha perto do coração, passavam no pescoço.
O representante
da empresa disse que não entendia a língua, mas que não tava gostando
porque era sinal de ameaça”. O contrato, no entanto, acabou sendo
assinado naquele mesmo dia – tanto a empresa quanto os indígenas
confirmam.
De acordo com Izeldeti e Osmarino, porém, o contrato foi assinado contra a vontade da maioria da população Munduruku.
Os donos do carbono
Totalmente desconhecida no Brasil, a Celestial Green, sediada em
Dublin, se declara proprietária dos direitos aos créditos de carbono de
20 milhões de hectares na Amazônia brasileira – o que equivale aos
territórios da Suíça e da Áustria somados. Juntos, os 17 projetos da
empresa na região teriam potencial para gerar mais de 6 bilhões de
toneladas de créditos de carbono, segundo a própria empresa.
Os créditos por desmatamento evitado, ou REDD (Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação florestal), não são “oficiais”, ou seja,
não podem ser vendidos nos mercados regulamentados pelo protocolo de
Kyoto. Este protocolo só aceita, por exemplo, a venda de créditos por
uma empresa de um país pobre que troque sua tecnologia por uma menos
poluente; os créditos que ela deixará de emitir podem ser vendidos.
No caso das florestas, não há um mecanismo oficial que permita isso.