Domingo, 21 de dezembro de 2014
Do site resistir.info
por James Petras
Sociólogo e analista político norte-americano.
Quaisquer que tenham sido os ganhos obtidos entre 2003-2013, serão
revertidos. Os trabalhadores brasileiros enfrentam uma "década de
infâmia". O regime Rousseff abraçou a política do
"capitalismo selvagem" tal como personificado na
nomeação de dois dos mais extremos advogados de políticas
neoliberais.
O "Partido dos Trabalhadores" e a ascendência do capital
financeiro
No princípio de Dezembro de 2014, a presidente Rousseff nomeou Joaquim
Levy como o novo ministro das Finanças – de facto o novo czar
económico para dirigir a economia brasileira. Levy é um
importante membro da oligarquia financeira brasileira. Entre 2010-2014 foi
presidente do Bradesco Asset Management, um braço de gestão de
activos do gigantesco conglomerado Bradesco que administra mais de 130 mil
milhões de dólares. Desde os seus tempos de doutoramento na
Universidade de Chicago, Levy é um leal seguidor do supremo neoliberal,
o professor Milton Friedman, antigo conselheiro económico do ditador
militar chileno Augusto Pinochet. Como antigo responsável de topo no
Fundo Monetário Internacional (1992-1999), Levy foi um forte advogado de
duros programas de austeridade os quais uma década depois empobreceram o
Sul da Europa e a Irlanda. Durante a presidência de Henrique Cardoso,
Levy actuou como estratega económico de topo, envolvido directamente na
maciça privatização de empresas públicas lucrativas
– a preços de saldo – e na liberalização do
sistema financeiro, a qual facilitou a saída financeira ilícita
de US$15 mil milhões por ano. A presença de Levy como membro
eminente da oligarquia financeira do Brasil e seus profundos e antigos
laços a instituições financeiras internacionais é
precisamente a razão porque a presidente Rousseff o colocou como
responsável da economia brasileira. A nomeação de Levy
é parte integral da adopção por Rousseff de uma nova
estratégia de
aumentar amplamente
os lucros do capital financeiro estrangeiro e interno, na esperança de
atrair investimentos em grande escala e findar a estagnação
económica.
Para a presidente Rousseff e seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva, toda a
economia deve ser direccionada para obter a "confiança" da
classe capitalista.
As políticas sociais que foram implementadas anteriormente são
agora sujeitas à eliminação ou redução, pois
o novo czar financeiro, Joaquim "Jack o Estripador" Levy,
avança na aplicação da sua "terapia de choque".
Cortes profundos e abrangentes na parte do rendimento nacional que cabe ao
trabalho estão no topo da sua agenda. O objectivo é concentrar
riqueza e capital nos dez por centos superiores na esperança de que
invistam e aumentem o crescimento.
Se bem que a nomeação de Levy represente decididamente uma
viragem para a extrema-direita, as políticas e práticas
económicas dos doze anos anteriores prepararam os fundamentos para o
retorno de uma versão virulenta da ortodoxia neoliberal.
Os fundamentos económicos para o retorno de capitações
selvagens
Durante a campanha eleitoral em 2001, Lula da Silva assinou um acordo
económico com o FMI que garantia um excedente orçamental de 3%.
Lula quis tranquilizar banqueiros, financeiros internacionais e multinacionais
assegurando que o Brasil pagaria seus credores, aumentaria as reservas [de
divisas] estrangeiras para remessa de lucros e fluxos financeiros
ilícitos para o exterior.
A adopção por Lula de políticas orçamentais
conservadoras foi acompanhada pelas suas políticas de austeridade,
redução de salários de funcionários públicos
e de pensões, bem como de proporcionar apenas aumentos marginais no
salário mínimo. Acima de tudo, Lula apoiou todas as
privatizações corruptas que tiveram lugar sob o anterior regime
Cardoso. No fim do primeiro ano de Lula no governo, em 2003, a Wall Street
louvou-o como o "Homem do ano" pelas suas "políticas
pragmáticas" e a sua desmobilização e
desradicalização dos principais sindicatos e movimentos sociais.
Em Janeiro de 2003, o presidente Lula da Silva nomeou Levy como
secretário do Tesouro, uma posição que ele manteve
até 2006 – o mais socialmente regressivo período da
presidência Lula da Silva. Este período também coincidiu
com uma série de escândalos de corrupção enormemente
lucrativos, de muitos milhares de milhões de dólares, envolvendo
dúzias de altos responsáveis do PT no regime Lula que recebiam
comissões clandestinas das principais companhias de
construção.
Dois acontecimentos em meados dos anos 2000 permitiram a Da Silva moderar suas
políticas e introduzir reformas sociais limitadas. O boom das
commodity
– um aumento agudo na procura e nos preços das
exportações agro-minerais – encheu os cofres do Tesouro. E a
pressão acrescida dos sindicatos, dos movimentos rurais e dos pobres por
uma fatia na prosperidade económica levou a aumentos em gastos sociais,
salários e crédito fácil sem afectar a riqueza,
propriedade e privilégios da elite. Com o boom económico, Lula
podia também satisfazer o FMI, o sector financeiro e a elite dos
negócios com subsídios, isenções fiscais, juros
baixos nos empréstimos e lucrativos contratos estatais com
"sobrepreços". Os pobres receberam 1% do orçamento
através de uma "subvenção familiar", uma esmola
de US$60 por mês, e trabalhadores mal pagos receberam um salário
mínimo mais alto. O custo do bem-estar social
(social welfare)
foi uma fracção dos 40% do orçamento que os bancos
receberam em pagamentos do principal e de juros na dúbia dívida
pública incorrida pelos anteriores regimes neoliberais.
Com o fim do boom, o governo de Rousseff reverteu às políticas
ortodoxas de Lula no período 2003-2005 e renomeou Levy para
executá-las.
A terapia de choque de Levy e suas consequências
A tarefa de Levy de reconcentrar rendimento, ascender lucros e reverter
políticas sociais será muito mais árdua em 2014-2015 do
que foi em 2003-2005. Principalmente porque, anteriormente, ele estava
simplesmente a
continuar
as políticas do regime Cardoso – e Lula prometeu aos trabalhadores
que isso era apenas temporário. Hoje Levy deve cortar e retalhar ganhos
que os trabalhadores e os pobres consideravam como garantidos. De facto, em
2013-2014 movimentos de massa urbanos pressionavam por
maiores despesas sociais
em transportes, educação e saúde.
Para a terapia de choque de Levy avançar, em algum ponto será
necessária repressão, como foi o caso no Chile e na Europa do Sul
quando políticas de austeridade semelhantes deprimiram rendimentos e
multiplicaram o desemprego.
Levy propõe resgatar os interesses do capital financeiro tomando
várias medidas cruciais, as quais estarão alinhadas com a agenda
da Wall Street, da City de Londres e dos potentados financeiros brasileiros.
Consideradas na sua totalidade, as políticas financeiras de Levy
equivalem a "tratamento de choque" – medidas económicas
duras e rápidas aplicadas contra os padrões de vida dos
trabalhadores, o equivalente a choques eléctricos em pacientes com
perturbações aplicados por psicólogos dementes a afirmarem
que "sofrimento é ganho", mas que mais frequentemente
transformam os pacientes em zumbis ou coisa pior.
A primeira prioridade de Levy é cortar e retalhar investimentos
públicos, pensões, pagamentos por desemprego e salários do
sector público. Sob o pretexto de "estabilizar a economia"
(para os grupos financeiros) ele
desestabilizará
a economia familiar de dezenas de milhões. Ele cancelará
isenções fiscais para a massa de consumidores que compra carros,
electrodomésticos e "produtos da linha branca", aumentando
portanto os custos para milhões de famílias da classe
trabalhadora ou expulsando-as do mercado através dos preços. O
objectivo de Levy é
desequilibrar
orçamentos familiares (aumento da dívida em
relação ao rendimento) a fim de aumentar o excedente do
orçamento do Estado e assegurar plenos e prontos pagamentos de
dívidas a credores como o seu próprio conglomerado Bradesco.
Em segundo lugar, Levy "ajustará" preços. Mais
especificamente o controle do preço final de combustíveis,
energia e transportes de modo a que os oligarcas financeiros com milhões
de acções naqueles sectores possam elevar preços e
"ajustar" sua riqueza ascendente para os milhares de milhões
de dólares. Em consequência, a classe trabalhadora e a
média terão de gastar uma maior fatia do seu rendimento
declinante com combustível, transporte e energia.
Em terceiro lugar, Levy provavelmente deixará a divisa enfraquecer a fim
de promover exportações agro-minerais sob o disfarce da maior
"competitividade". Mas uma divisa mais barata aumentará o
custo de importações, especialmente de alimentos básicos e
bens manufacturados. A desvalorização de facto atingirá
mais duramente os milhões que não podem proteger suas
poupanças e favorecerá os especuladores financeiros que
capitalizarão nos movimentos da divisa. E estudos comparativos
demonstram que uma divisa mais barata não aumenta necessariamente os
investimentos produtivos.
Em quarto lugar, é provável que Levy afirme que as falhas de
energia devidas à seca, a qual reduziu a produção das
hidroeléctricas do Brasil, exigem "reforma" do sector da
energia, eufemismo de Levy para
privatização.
Ele proporá a liquidação do gigante semi-público
Petrobrás e acelerará a privatização da
exploração de sítios offshore, em termos favoráveis
a grandes bancos de investimento.
Em quinto lugar, é provável que Levy retalhe e incinere
regulamentações ambientais e de negócios, incluindo
aquelas que afectam a floresta tropical, direitos do trabalho e dos
índios, a fim de facilitar a entrada e saída rápida de
capital financeiro.
A "terapia de choque" de Levy terá um profundo impacto social
e económico sobre a sociedade brasileira. Toda indicação,
de experiências passadas e presentes, é que em todo o país
onde "Chicago boys", como Levy, aplicaram sua fórmula de
"choque", o resultado foi profunda recessão económica,
regressão social e intranquilidade política.
Ao contrário das expectativas da presidente Rousseff, cortes em
crédito, salários e investimento público
deprimirão
a economia – remetendo-a da estagnação para a
recessão. A retrógrada equilibragem do orçamento diminui a
procura e não induz fluxos de capital produtivo. Os sectores de
crescimento mais dinâmico na manufactura, indústria
automobilística, serão drástica e adversamente afectados
pelos aumentos nos impostos sobre compras. E o mesmo se passa quanto a
electrodomésticos.
Até agora a expansão do investimento público fora a
principal força condutora do magro crescimento económico.
Não há razão racional para acreditar que vastos fluxos de
capitais privados subitamente preencherão a lacuna, especialmente num
mercado em contracção. Isto é especialmente verdadeiro se,
como é provável que aconteça, o conflito de classe se
intensificar na generalidade devido a reduções em salários
e padrões de vida.
Levy, como todos os fanáticos do mercado livre, argumentará que a
recessão e regressão é necessária a curto prazo e
que "no longo prazo" terá êxito. Mas em todos os
países contemporâneos que seguiram sua fórmula de choque, o
resultado foi a regressão prolongada. A Grécia, Espanha,
Itália e Portugal estão no sétimo ano de austeridade que
induziu a depressão
e a sua dívida pública está em crescimento.
As efectivas consequências reais da terapia de choque
Temos de por de lado as afirmações ideológica de
"estabilidade e crescimento" dos Levyitas e olhar para os
resultados reais
das políticas que ele promete.
Em primeiro lugar e acima de tudo, as desigualdades aumentarão porque
quaisquer ganhos no rendimento serão a seguir concentrados no topo. As
políticas do governo de desregulamentação
orçamental e das taxas de câmbio aprofundarão os
desequilíbrios na economia, favorecendo credores em
relação a devedores, a finança estrangeira em
relação a manufacturas locais, os proprietários de capital
em relação aos trabalhadores assalariados, o sector privado em
relação ao sector público.
Levy na verdade "assegurará a confiança do capital"
porque o que é alcunhado como "confiança do investidor"
repousa sobre uma licença sem empecilhos para pilhar o ambiente, reduzir
salários e explorar um crescente exército de reserva de
desempregados.
Conclusão
A terapia de choque de Levy intensificará a tensão de classe e
inevitavelmente resultará na ruptura do pacto social entre o regime do
assim chamado Partido dos Trabalhadores e os sindicatos, os trabalhadores
rurais sem terra e os movimentos sociais urbanos.
Rousseff e a liderança do pretenso "Partido dos
Trabalhadores", confrontada com a
estagnação económica
resultante do declínio no preços das
commodities
e da decisão do capital privado de evitar investimentos, podia ter
optado por socializar a economia, acabar com o capitalismo de compadrio
(crony capitalism)
e aumentar o investimento público. Ao invés disso, eles
capitularam. Rousseff reciclou as políticas neoliberais ortodoxas que
Lula implementou durante os primeiros dois anos do seu regime.
Ao invés de mobilizar trabalhadores e profissionais para mudanças
estruturais mais profundas, Rousseff e Lula da Silva estão a contar com
a "ala esquerda" do PT para lamentar, criticar
e conformar-se.
Eles estão a contar com líderes cooptados da
confederação sindical (CUT) para hiper-ventilar e limitarem-se a
protestos simbólicos inconsequentes os quais não abalarão
a "terapia de choque" de Levy. Contudo, o âmbito, profundidade
e extremismo do assim chamado programa de ajustamento e
estabilização de Levy provocarão greves gerais, sobretudo
no sector público. Os cortes na indústria automobilística
e o aumento do desemprego resultarão em acções de protesto
no sector manufactureiro. Os cortes no investimento público e a
ascensão nos custos do transporte, cuidados de saúde e
educação revitalizarão os movimentos de massa urbanos.
Dentro de um ano, as políticas de choque de Rousseff e Levy
converterão o Brasil num caldeirão fervente de descontentamento
social. Os gestos pseudo-populistas de Lula e a retórica vazia
não terão efeitos. Rousseff não será capaz de
convencer o povo trabalhador a aceitar o viés de classe do programa de
"austeridade" de Levy, seus incentivos para "ganhar a
confiança dos mercados internacionais" e sua política de
contracção do rendimento da vasta maioria do povo trabalhador.
As políticas de Levy aprofundarão a recessão, não
redespertarão os espíritos animais de empresários.
Após um ano de "mais sofrimento e nenhum ganho" (excepto
quanto a lucros mais altos para financeiros e exportadores agro-minerais), a
presidente Rousseff enfrentará o inevitável resultado
político negativo de ter perdido o apoio dos trabalhadores, da classe
média e dos pobres rurais
sem ganhar o apoio
dos negócios e da elite financeira – eles têm os seus
próprios líderes confiáveis. Uma vez tendo posto em
prática suas radicalmente regressivas políticas de mercado livre,
e tendo provocado maciço descontentamento popular, Levy
demitir-se-á e retornará à presidência do Bradesco,
do fundo de investimento de muitos milhares de milhões de
dólares, declarando "missão cumprida".
Rousseff pode substituir Levy e tentar "moderar" sua "terapia de
choque". Mas nessa altura será demasiado pouco e demasiado tarde. O
Partido dos Trabalhadores acabará no caixote de lixo da história.
A decisão de Rousseff de nomear Levy como czar económico é
uma
declaração de guerra de classe
. E a fim de vencer a guerra de classe, não podemos excluir que as
políticas radicalmente regressivas serão
impostas
pela
violência estatal
– a repressão de protestos da massa urbana, o desalojamento
selvagem de pacíficos trabalhadores rurais sem terra que ocuparem terras
devolutas.
A viragem do regime do "Partido dos Trabalhadores" do
"neoliberalismo inclusivo" para o extremismo friedmanista do livre
mercado
radicalizará
e
polarizará
a sociedade brasileira. A oligarquia pressionará pela
remilitarização da sociedade civil. Isto por sua vez,
estimulará o crescimento da consciência de classe dos movimentos
sociais, como aqueles que terminaram vinte anos de domínio militar.
Talvez desta vez a revolução social
(social upheaval)
possa não acabar numa democracia liberal, talvez a luta que vem
aí traga o Brasil mais próximo de uma república socialista.
14/Dezembro/2014
Do autor sobre o Brasil:
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |