Do Blog Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
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De Jobim para Wagner: "Eu sou você amanhã!". |
Futuro ministro da Defesa, o governador baiano Jaques Wagner ameaça se tornar o novo Nelson Jobim.
Aquele, vencendo a luta interna que foi travada no Ministério de Lula
entre agosto e setembro de 2007, deu o principal passo para a impunidade
eterna dos torturadores da ditadura militar, ao convencer seus pares e
seu presidente de que o governo federal deveria lavar as mãos nesta
questão, atirando o abacaxi no colo dos togados.
Como consequência, já lá se vão mais de sete anos que patinamos sem sair
do lugar, com as eventuais vitórias judiciais sendo anuladas pelas
instâncias superiores e o Supremo Tribunal Federal se mostrando convicto
defensor da prerrogativa dos tiranos, de anistiarem a si próprios e a
seus esbirros em plena vigência do arbítrio.
É chocante que a grande imprensa e as forças conservadoras impinjam até agora a lorota do pacto de pacificação nacional, quando salta aos olhos que ocorreu apenas e tão somente a imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco!
De Wagner para Jobim: "Ué, pensei que já fosse hoje". |
Temos de repetir mil vezes que os presos políticos e os exilados serviram como reféns para
os fardados enfiarem tal simulacro de anistia goela dos oposicionistas
adentro, condicionando a libertação dos primeiros e a permissão de volta
dos segundos ao endosso parlamentar que fosse dado àquela patética
farsa de meados de 1979!
E que os assassinos seriais da repressão política, os executores de
prisioneiros rendidos, os torturadores, os estupradores e os ocultadores
de cadáveres receberam de imediato seu habeas corpus preventivo,
enquanto resistentes que justificadamente pegaram em armas contra o
despotismo não foram incluídos na Lei da Anistia, permanecendo presos
até que os tribunais militares os liberassem a conta-gotas, sob vários
pretextos legais.
Ou seja, os algozes puderam dormir ainda mais tranquilos e as vítimas,
depois de barbarizadas e de amargarem longos anos de cativeiro, foram
colocadas sorrateiramente nas ruas, como se tudo não passasse de um ato
(meio envergonhado) de clemência dos usurpadores do poder!
O exemplo de Jobim parece inspirar Wagner: ele defende que a responsabilização dos culpados pelo festival de horrores dos anos de chumbo
se faça em "movimentos suaves" e que a "água suja" da ditadura não seja
despejada o quanto antes no esgoto a que pertence, mas sim clareada aos
pouquinhos, com "cuidado e parcimônia", à medida que a ela se adicione
água limpa (sua inglória e abastardada entrevista pode ser acessada aqui).
Senhor futuro ministro, o que V. Exª sugere é, de novo, um tratamento desigual, além de uma solução inadequada, pois:
- não eram suaves os movimentos dos que me espancaram a ponto de estourarem meu tímpano e que giravam com furiosa sofreguidão a manivela do dispositivo de aplicar choques, quase me fazendo enfartar aos 19 anos de idade;
- intocáveis há quatro décadas, quantos desses ogros sobreviverão (a maioria já morreu) até que os movimentos suaves da Justiça terrena os alcancem? Pelo andar da carruagem, a celestial chegará muito antes...
- as tentativas de se purificar a água suja, ao invés de removê-la até a última gota, não deram certo nem com o mensalão, nem com o petrolão (talvez o apropriado seja outro lugar comum, aquele sobre certas matérias que, quanto mais são mexidas, mais fedem), portanto os precedentes desaconselham esta forma de se lidar com líquidos pútridos, ainda mais quando se trata da água ensanguentada pela bestialidade do homem contra o homem!