Terça, 2 de dezembro de 2014
Organização dos Estados Americanos determinou ao país a elaboração de relatório com as reparações para as vítimas
Rio - A Corte Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) voltou a condenar o
Brasil pelas mortes e desaparecimentos forçados ocorridos na Guerrilha
do Araguaia, durante a ditadura militar. Em 2010, a Corte já havia
responsabilizado o estado brasileiro pelo desaparecimento de 62 pessoas
entre 1972 e 1974. A OEA também estipulou que o Brasil elabore um
relatório com as reparações previstas para as vítimas da ditadura até
março de 2015.
Desta vez, a Corte avaliou o que foi feito pelo
Brasil nos últimos quatro anos com relação ao episódio, e constatou que
o Estado não só descumpriu o acordo de investigar e revelar o paradeiro
dos corpos, como violou os direitos dos familiares. Na resolução, de 41
páginas, a Corte considera que a interpretação dada a Lei da Anistia de
1979 "afetou o dever internacional do Brasil em investigar e punir as
graves violações de direitos humanos".
“São inadmissíveis as disposições de
anistia e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que
pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves
violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias,
extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas
elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo
Direito Internacional dos Direitos Humanos", diz trecho do documento.
Outro trecho acusa o país de estar "perpetuando a impunidade".
O conteúdo da resolução foi revelado em
entrevista coletiva realizada na manhã de hoje, na sede do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Rio. O anúncio foi feito por membros do
Grupo Tortura Nunca Mais, pela Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos, e pelo Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (Cejil).
OEA repreende Brasil por não identificar corpos
À Corte Interamericana, o Brasil alegou que a
Lei de Anistia não impediu o Ministério Público Federal (MPF) de ajuizar
duas ações contra militares que participaram da repressão e empreendeu
buscas para apurar o paradeiro dos desaparecidos. A OEA constatou,
porém, que apenas seis dos 62 desaparecidos foram considerados vítimas
pelos processos, e que nenhum dos corpos foi identificado.
"A Corte verificou a disposição do Estado de
realizar os esforços técnicos, institucionais e orçamentários
necessários para dar cumprimento a esta medida de reparação. Três anos e
onze meses depois da primeira sentença, não há resultado do paradeiro
ou localização dos restos das vítimas. Por isso, a Corte considera que
esta medida está pendente descumprimento, e solicita ao Estado que
continue implementando todos os esforços necessários conformeo indicado
na presente.
Familiares de vítimas cobram punição
Os grupos de familiares de desaparecidos e
mortos na ditadura comentaram a resolução da OEA. "Neste país, tudo é
paliativo. Na Argentina, o ditador foi preso, e no Brasil, nada. Que
país é este?", criticou Victória Grabois, filha do líder guerrilheiro
Maurício Grabois, desaparecido desde 1973, e presidente do Grupo Tortura
Nunca Mais.
Durante o encontro, familiares de vítimas
criticaram a Comissão Nacional da Verdade, cujos trabalhos se encerram
neste mês. O relatório final será apresentado no próximo dia 10. "O
mínimo que deveriam fazer é, no texto final, dizer que essa Comissão é
resultado de uma luta antiga, que travamos desde os anos 1970. Vivemos o
império da impunidade. O mínimo que o Estado deveria fazer era um
pedido de desculpas", declarou Elizabeth Silveira e Silva, uma das
familiares de vítimas que esteve no encontro.