Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 20 de dezembro de 2014

Sutileza do roubo


Sábado, 20 de dezembro de 2014
Paulo Metriconselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania

O setor do petróleo em 2014

Durante a campanha eleitoral deste ano, o setor do petróleo esteve na berlinda, por se tratar de uma riqueza inestimável. O candidato Aécio defendia as concessões e os adeptos da candidata Marina criticavam a presidente Dilma por ter leiloado o campo de Libra no ano anterior. Hoje, creio que o leilão só ocorreu para satisfazer, com o bônus arrecadado, à necessidade de superávit primário do ano de 2013.
O fato do petróleo excedente aos cinco bilhões de barris, que eram necessários para a capitalização da Petrobras, ter sido entregue a esta empresa, sem leilão, através de outro contrato de cessão onerosa, foi uma justiça com quem o descobriu. As frequentes descobertas da Petrobras no país, inclusive em 2014, chegando ao ponto da população assimilá-las como corriqueiras, dão ao Brasil uma folgada segurança energética. Potências da Europa e o Japão gostariam de ter uma parcela desta segurança.
Com os insistentes assédios do capital petrolífero internacional, deve ser difícil para o governo brasileiro não atender a nenhuma das suas exigências. Pode ser que o leilão de Libra tenha sido uma destas exigências. Os porta-vozes deste capital, disfarçados em “especialistas em energia”, estão sempre na mídia corrupta, a única a que o cidadão comum tem acesso, buscando iludir a população. Mais uma vez, fica claro que uma nova lei de mídia faz enorme falta.
Estes “especialistas”, visando entregar o petróleo a empresas estrangeiras, criticam o fato de não ter ocorrido rodadas de leilões de áreas de petróleo em 2014. Eles dizem que não se deve guardar o petróleo no subsolo, uma vez que seu ciclo irá acabar e ele perderá seu alto valor. O que eles querem é uma exploração rápida, que não poderá ser feita sozinha pela Petrobras. A verdade é que o petróleo barato irá acabar, mas não de forma abrupta e, também, bem no futuro.

Neste final de ano, o preço do barril do petróleo está despencando no mercado mundial, graças a uma super oferta dos grandes exportadores do Oriente Médio, que votaram contra a diminuição das cotas de produção dos membros da OPEP, na última reunião da organização. Os países desta região formam uma maioria na OPEP. Há a possibilidade de se tratar de um acordo secreto dos Estados Unidos com estes grandes exportadores, para trazer dificuldades econômicas para a Rússia, o Irã e a Venezuela (1). Casualmente ou não, o baixo preço do barril ajuda também a convencer o governo do Brasil a mudar o atual marco regulatório do Pré-Sal.
Foram descobertos em 2014 os inimagináveis roubos dentro da Petrobras. Eles trazem consequências tão graves que se pode até aventar a hipótese de existir um plano maquiavélico externo. O fato de o capital internacional estar em campanha para o convencimento da opinião pública e a cooptação de políticos, visando se apoderar do Pré-Sal, inclusive com a alegação velada que as empresas privadas são imunes a desvios, significa que a descoberta dos roubos veio a calhar. Nosso instrumento de realizações soberanas na área de petróleo, que é a Petrobras, estando desacreditado, o objetivo dos agentes externos de se apoderar das nossas reservas fica facilitado.
Lembro que se está falando de uma riqueza da ordem de dezenas de trilhões de dólares. Por cifras muito menores que esta, insurreições, “primaveras”, deposições, assassinatos, genocídios e guerras são providenciados. Recomendo a leitura da história do setor do petróleo no mundo (2), onde as grandes empresas petrolíferas foram, mesmo que indiretamente, causadoras da morte de milhões de pessoas.
Há roubos também em empresas privadas, que têm a esperteza de não divulgá-los. A Enron, todo o sistema imobiliário norte americano com seus derivativos, os CEO, que roubaram as próprias empresas que dirigiam, a Shell, que divulgou reservas de petróleo que não possuía, estão aí para provar.
Sem retirar a culpa dos governos que não fiscalizaram a Petrobras, a ida desta empresa para captar recursos na bolsa norte-americana foi uma decisão, no mínimo, arriscada do governo FHC. Sabia-se do passado de escândalos no país e da dura penalização exercida pela SEC, a CVM norte-americana. Com esta submissão, FHC diminuiu o grau de soberania do nosso país sobre nossa empresa. Agora, pipocam processos contra a Petrobras em tribunal estrangeiro. Tenho dúvida se há a possibilidade de se convencer um juiz norte-americano de que, apesar do roubo existente, tendo em vista o valor dos dividendos pagos, os acionistas não foram lesados.
O maior prejuízo que o bando de assaltantes, que se empoleirou na empresa, está causando é o baque da autoestima do povo brasileiro, que se orgulhava da sua empresa maior e a viu nas manchetes como foco de corrupção. É claro que a triste mídia que aí está trabalha insistentemente para destruir qualquer orgulho nacional, pois fica mais fácil para o seu dono arrancar do povo deprimido qualquer riqueza.

O porvir

A Petrobras terá alguma dificuldade para tomar novos empréstimos, por conta da sua atual dívida total, que é em torno de R$ 240 bilhões e função da cotação do dólar. Sua receita de venda de petróleo para o exterior, que é pequena, com a queda de preço do barril, irá diminuir, mas é de pequeno impacto. Ela não precisará mais comprar derivados de petróleo do exterior porque suas novas refinarias serão inauguradas brevemente. Sua receita de vendas dos derivados no Brasil, depois de longo período de contenção de preços, hoje, está razoável. Terá alguma dificuldade para pagar suas dívidas no exterior porque 70% da divida total estão em dólares e 10% em euros, cujas moedas se valorizaram em relação ao real.
Por outro lado, a Petrobras tem de reservas os 14 bilhões de barris anteriores à descoberta do Pré-Sal, os 20 bilhões das duas cessões onerosas e mais as suas participações em consórcios no Pré-Sal e em novas descobertas no restante do Brasil. Sendo conservador, ela tem mais de 50 bilhões de barris de reservas totalmente suas. Neste valor não estão os barris das empresas consorciadas da Petrobras nos diversos campos. No momento, ela tem dificuldade para gerar recursos próprios para todos seus investimentos. Seus custos já estão enxutos. A empresa tem a possibilidade de fazer algum caixa com o programa de desinvestimento, mas ele tem um limite. E, para desinvestir, é recomendável que o bem seja leiloado, para se evitar novos roubos. Então, a empresa provavelmente terá que fazer algum corte nos seus investimentos.
O governo da presidente Dilma tem uma missão primordial, se deseja ter a Petrobras saneada, como empresa de ponta em desenvolvimentos tecnológicos e na capacidade de enfrentar desafios com sucesso. Obviamente, o primeiro passo é demitir quem for comprovadamente corrupto, processar a todos estes e buscar reaver o dinheiro roubado da empresa. Depois, deve se conscientizar que os contratos da ANP foram escritos para satisfazer às empresas estrangeiras para elas retirarem rapidamente o petróleo do subsolo e levá-lo para o exterior. Este não é o caso da Petrobras.
Então, existem tempos estabelecidos nos contratos que, devido à situação atual da Petrobras, precisam ser reformulados, sem aplicação de multas pela ANP. Esta Agência precisa acabar com a pressa com a qual gere estes contratos. Neste momento, tamanha pressa só serve para inundar mais ainda o mercado internacional de petróleo e, com isso, ajudar a baixar o preço do barril. Serve também para asfixiar a Petrobras, que está em um momento de crise de liquidez. A ANP precisa trazer benefícios para a sociedade do nosso país e, não, para o capital internacional.
Um ponto que escapa da minha compreensão é que a Dilma que vai à reunião dos BRICS, cria o banco e o fundo deste grupo, que apóia a UNASUL, que busca aprofundar as relações sul-sul, não pode ser a mesma Dilma que, por exemplo, deixa a ANP agir sem controle e dá ordem para que a 13ª rodada de leilões de áreas de petróleo seja realizada no segundo trimestre de 2015. Esta última decisão não é do interesse nacional, porque o país está abastecido, graças à Petrobras, pelos próximos 40 anos e devido à exportação não ser atrativa, enquanto o preço do barril estiver baixo e por não ser garantido que ela será realizada pela Petrobras. Os leilões não garantem isso.
A presidente deveria analisar a possibilidade de o governo brasileiro recomprar as ações da Petrobras, principalmente as ADR. Sei que, se a decisão for tomada, uma imensa quantidade de recursos irá ser necessária, porque, ao se anunciar a recompra das ações, sua cotação irá subir. Mas, o governo do Brasil precisa voltar a ter controle total sobre as decisões da empresa. Não perco espaço para falar sobre a queda do preço das ações da Petrobras, por isto só interessar a especuladores e arautos da catástrofe.
Nos dias atuais, os neoliberais, que não têm mais pruridos, querem que as novas áreas de potencial ocorrência de petróleo sejam concedidas para as empresas estrangeiras. Na concessão, todo o petróleo produzido pertence ao concessionário, que, sendo ele estrangeiro, o levará para o exterior. Ele deixará uma quinquilharia no país, que são os royalties. Este fato é um roubo, que é permitido pela lei das concessões, uma lei injusta, por causar danos à sociedade.
Finalmente, o ladrão sutil, primeiro “flexibiliza” a legislação, de forma a permitir o ato de surrupiar o petróleo da sociedade, levando-o para o exterior e deixando pouca compensação para ela. Com esta realidade, Paulo Roberto Costa só pode ser acusado de ser um corrupto ansioso, bronco e nada sutil, além de ser um inocente útil que prestou enorme serviço ao capital internacional ao contribuir para macular a Petrobras.
Notas:
(1)   Metri, Paulo, artigo “Futuro do Pré-Sal”, Correio da Cidadania
(2)   Produtores Frédéric Tonolli e Arnaud Hamelin, vídeo “O Segredo das Sete Irmãs, a Vergonhosa História do Petróleo”, https://www.youtube.com/watch?v=jQYK3ttfVaw

Artigo veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 19/12/14