Sexta, 4 de novembro de 2016
Do Correio da Cidadania
www.correiocidadania.com.br
por Paulo Metri*
O mercado internacional do petróleo sofre com o desaquecimento da
economia mundial. É influenciado por grupos relacionados a novas
tecnologias, interessados em capturar fatias deste mercado. A magnitude
das reservas descobertas no planeta impacta o mercado. O cartel dos
países exportadores (a OPEP) e as grandes petrolíferas de países que não
estão na OPEP são atores ativos neste mercado.
Grandes petrolíferas internacionais disputam as reservas dos países
socialmente desorganizados, militarmente fracos e politicamente
dominados. Como consequência, há forte disputa geopolítica, relacionada à
garantia do suprimento deste energético essencial no médio prazo.
Assim, quem diz que o petróleo é uma simples commodity está querendo enganar.
Daniel Yergin (1), no livro “O petróleo, uma história de ganância,
dinheiro e poder”, resume magistralmente a importância estratégica do
petróleo: “A energia é a base da sociedade industrializada. E, entre
todas as fontes de energia, o petróleo vem se mostrando a maior e a
mais problemática devido ao seu papel central, ao seu caráter
estratégico, à sua distribuição geográfica, ao padrão recorrente de
crise em seu fornecimento – e à inevitável e irresistível tentação de
tomar posse de suas recompensas (...) Ele vem tornando possível nossa
vida cotidiana e, literalmente, nosso pão de cada dia, através de
produtos químicos, agrícolas e dos transportes. Ele tem abastecido,
ainda, as lutas globais por supremacia política e econômica. Muito
sangue tem sido derramado em seu nome. A feroz e, muitas vezes, violenta
busca pelo petróleo – e pela riqueza e poder inerentes a ele – irão
continuar com certeza enquanto ele ocupar essa posição central. Pois o
nosso é um século no qual cada faceta de nossa civilização vem sendo
transformada pela moderna e hipnotizante alquimia do petróleo”.
Atribui-se a John D. Rockfeller (2) uma citação do seguinte teor: "o
melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo bem administrada, o
segundo melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo
medianamente administrada e o terceiro melhor é uma companhia de
petróleo mal administrada". Ou seja, o setor de petróleo tende a
render, em um horizonte de avaliação de médio prazo, lucros
extraordinários. O problema das sociedades de países com reservas
consideráveis de petróleo é fazer fluir para a sociedade seus lucros e
as oportunidades criadas pela sua existência.
Na História, pode-se constatar que alguns países com reservas de
petróleo perderam a oportunidade de se desenvolver devido inclusive a
modelos de exploração que não garantiam o fluxo do lucro e das
oportunidades para a sociedade. Caso típico foi a exploração de petróleo
durante anos na Venezuela, logo após a descoberta de petróleo neste
país em 1928. As majors (4) pagavam subornos para o ditador
Gomez e seus asseclas, que permitiam a exploração e a produção de
petróleo, enquanto o Estado venezuelano nada recebia e, assim, a
sociedade em nada se beneficiava. Infelizmente, este modelo de subtração
de benefícios da sociedade não se restringiu à Venezuela, tendo
ocorrido também com a Nigéria, o Sudão, a Argélia, a Indonésia, o Irã, o
Iraque, a Líbia, dentre outros.
Não só pelo lucro proporcionado pela exploração do petróleo, mas
também pelo poderio que ele acarreta, governos foram depostos, ditadores
impostos, lideranças assassinadas ou exiladas, o ambientalista Ken
Saro-Wiwa foi enforcado, guerras sangrentas ocorreram, etnias foram
perseguidas, além de inúmeras outras atrocidades (4). Há pouco tempo, o
Iraque foi invadido por possuir, segundo Bush filho afirmava, arma de
destruição em massa e financiar o terrorismo, o que se comprovou não ser
verdade, mas suas reservas de pelo menos 115 bilhões de barris eram
verdade e foram entregues às empresas ocidentais de países financiadores
da invasão.
Desta forma, é justo dizer que o lucro excepcional do petróleo do
Pré-Sal pertence aos nascidos no Brasil, assim como os demais benefícios
derivados de sua existência devem gerar o máximo usufruto para os
brasileiros. No entanto, “aves de rapina”, como bem disse Getúlio Vargas
na sua Carta Testamento, trabalham incessantemente para ficar com a
maior parte do lucro e dos benefícios. É da mesma carta o seguinte
trecho: “quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas
riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de
agitação se avoluma”. Proponho, como forma de se contrapor a esta usurpação, basicamente o uso da racionalidade.
A natureza “colocou”, no mínimo, 100 bilhões de barris de petróleo de
boa qualidade dentro do nosso território, na área do Pré-Sal, podendo
chegar a mais de 170 bilhões de barris. O que se deveria discutir em
relação ao modelo de exploração do Pré-Sal é, em primeiro lugar, como
deve ser repartido o excedente petrolífero ou lucro líquido desta
atividade. Mas deve-se discutir também se a atividade petrolífera pode
ser usada para que metas de políticas públicas sejam atingidas. Os
conservadores buscam encerrar a discussão proveitosa, manipulando o
debate ao dizer somente que a abertura de mercado proposta por eles irá
aumentar a produção de petróleo do país e o número de empresas atuando
no país, sem provar que esta proposta é a melhor opção para a sociedade.
Existe um diálogo interessante em “Alice no país das maravilhas” (5), entre Alice e o gato. Ela pergunta: “Para onde vai essa estrada?” O gato responde: “Para onde você quer ir?” Alice volta a dizer: “Eu não sei, estou perdida.” E o gato responde: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.
Trazendo este conceito para a disputa, atualmente cheia de camuflagem,
sobre o melhor modelo de funcionamento para o setor de petróleo, pode-se
dizer que, se não são conhecidos os objetivos deste setor, qualquer
modelo serve.
Assim, passo a sugerir os objetivos sociais, mostrados a seguir, como
os principais a serem alcançados pelo setor de petróleo, podendo ser
chamados de objetivos do interesse nacional e que servirão para avaliar
os modelos de exploração das reservas de petróleo do país:
a) abastecer a demanda nacional de derivados e petroquímicos.
b) garantir um fluxo constante de recursos financeiros de vulto
para o Estado, retirado do excedente petrolífero (lucro líquido).
c) exportar os excedentes da produção de petróleo, se eles
estiverem com o maior valor agregado possível (derivados, produtos
petroquímicos etc.). Em situações especiais, a exportação de petróleo in natura
pode ser aceita. Além disso, a qualquer momento, as reservas
remanescentes devem ter a capacidade de abastecer o país por, no mínimo,
os próximos 20 anos;
d) ativar a economia, através da maximização das compras locais;
e) aumentar a geração de empregos no país;
f) maximizar a encomenda de desenvolvimentos tecnológicos no país;
g) minimizar a saída de divisas do país, por exemplo, através da remessa de lucros;
h) nunca produzir petróleo de forma predatória;
i) garantir ao máximo a segurança operacional;
j) tomar todas as precauções para evitar danos ambientais;
k) permitir ao Estado brasileiro ter controle sobre a produção de petróleo do país, adequando-a a seus interesses;
l) possibilitar ao Estado ter efetivo conhecimento sobre o
volume e os custos da produção, sem precisar montar apurado sistema de
controle;
m) possibilitar ao Brasil a adoção de ações geopolíticas e
estratégicas, o que só ocorre se o Estado brasileiro detiver a posse de
parte do petróleo produzido;
Para exemplificar o uso desta metodologia, utilizamos um caso real.
Trata-se de comparar os dois modelos de contratos de partilha que
estavam em discussão até bem pouco tempo: o contrato de partilha
original, conforme a lei 12.351 de 2010, e este mesmo contrato
modificado pelo projeto de lei 4.567 recém-aprovado. Assim, as
alternativas a serem comparadas são:
1) contrato de partilha com a Petrobras sendo a operadora de cada
consórcio do Pré-Sal e participando, no mínimo, com 30% dos
investimentos de cada consórcio;
2) contrato de partilha sem a obrigatoriedade de a Petrobras ser a
operadora única do Pré-Sal e sem um limite mínimo de participação desta
empresa nos consórcios.
Sob o ponto de vista do critério de julgamento do atendimento à
demanda nacional (item a) pode-se dizer que tanto a alternativa 1 quanto
a 2 podem atender igualmente à demanda nacional, apesar de que, em uma
situação de escassez, a Petrobras terá maior compromisso com o
abastecimento nacional. Também as petrolíferas estrangeiras são
incapazes de participar da constituição de um estoque estratégico para o
país, que o abasteceria em caso de emergência, se uma escassez
prolongada ocorresse.
No entanto, a Petrobras participaria, ganhando, assim, a alternativa
1. Quanto ao critério da garantia de fluxo financeiro para o Estado
(item b), as duas alternativas se diferenciam bem. Como a Petrobras não
subfatura suas exportações de petróleo e não superfatura as importações
de máquinas, equipamentos e materiais, como a Petrobras não usa
providências expeditas para minimizar o pagamento de tributos, o que ela
paga de tributos ao Estado é maior do que as petrolíferas estrangeiras
pagariam, se estivessem no mesmo campo. Desta forma, a alternativa 1 é
melhor neste critério.
Quanto às restrições à exportação de petróleo (item c), a alternativa
1 é certamente melhor, pois as empresas estrangeiras só querem retirar o
máximo de petróleo do subsolo e exportá-lo in natura, à medida
que precisam abastecer suas refinarias no exterior ou querem auferir
lucro no curto prazo. Quanto à maximização das compras locais (item d),
basta observar o passado para concluir que a empresa que mais compra no
país é a Petrobras. Aliás, desde a quebra do monopólio e a entrada das
multinacionais do petróleo no país, há 19 anos, só a Petrobras contratou
plataformas no país. Esta é a razão pela qual é importante a Petrobras
ser a operadora única do Pré-Sal, uma vez que a operadora é quem decide,
dentre outras questões, as compras; sendo a Petrobras a operadora, as
compras serão realizadas no país (6).
Assim, quanto ao critério da maximização das compras locais, a
alternativa 1, mais uma vez, é a melhor. Sobre esse item, argumentam
sempre que os produtos e serviços locais são mais caros que os comprados
no exterior. Em primeiro lugar, em todos os países, indústrias
nascentes têm preços mais caros e são sempre protegidas pelo Estado.
Depois, o setor do petróleo, assim como qualquer outro da economia, não
pode ser visto de forma isolada. Todos eles têm influência nos demais e o
que se deseja é o desenvolvimento da economia como um todo, e não o
desenvolvimento de um setor isolado. Assim, a compra pela Petrobras de
determinado produto ou serviço um pouco mais caro pode ser muito melhor
que comprá-lo no exterior, devido ao impacto causado na cadeia produtiva
e na economia.
Quanto ao critério de julgamento das alternativas que fala da
maximização da geração de empregos no país (item e), é preciso explicar
que a fase de grande geração de emprego neste setor é a do
desenvolvimento do campo, especificamente durante a construção da
plataforma. A geração de empregos durante a prospecção e a produção é
insignificante. Desta forma, quem compra plataformas no país é também
quem mais gera empregos, sendo necessário, portanto, que a Petrobras
seja a operadora de todos os consórcios do Pré-Sal para poder atender a
este critério, o que significa que a melhor alternativa é novamente a 1.
Quanto ao critério de julgamento da maximização da encomenda no país de
desenvolvimentos tecnológicos (item f), mais uma vez, quem os contrata
no país é somente a Petrobras. Portanto, se esta empresa for a operadora
de todos os consórcios, que é o caso da alternativa 1, esta maximização
estará garantida.
Quanto ao critério de julgamento da minimização da saída de divisas
(item g), é preciso estar ciente que, se não for a Petrobras, o operador
do campo será uma petrolífera estrangeira e todas elas irão remeter a
sua parcela do lucro do empreendimento para a matriz no exterior,
utilizando divisas na remessa. A parcela do lucro que fica com a
Petrobras, retirados os dividendos aos acionistas e outros pagamentos, é
reinvestido basicamente no Brasil, sem remeter divisas. Desta forma, a
alternativa 1 novamente satisfaz melhor tal critério.
Quanto à proibição da produção predatória de petróleo (item h), é
fácil compreender que a única empresa das atuantes no Pré-Sal que não é
motivada a produzir predatoriamente é a Petrobras. As petrolíferas
estrangeiras querem rapidamente realizar o lucro do negócio, pois este
fato maximiza a rentabilidade. Só uma empresa do Estado pode colocar
acima da rentabilidade, a recuperação máxima de petróleo do campo.
Assim, a Petrobras precisa ser a operadora de todos os campos do
Pré-Sal, que é a alternativa 1, para em todos eles não ocorrer produção
predatória.
Quanto aos dois critérios de julgamento de maximizar a segurança
operacional (item i) e de minimizar os impactos ao meio ambiente (item
j), só uma empresa do Estado, que prioriza estes critérios acima da
lucratividade do empreendimento, é que pode os satisfazer plenamente.
Portanto, a alternativa 1 ganha em ambos os critérios.
O seguinte critério de julgamento refere-se a uma adequação da
produção do país ao interesse nacional (item k). Suponha que, em
determinado momento, só há petróleo conhecido para mais cinco anos de
produção, pois as descobertas dos últimos anos não compensaram a
produção destes anos. Se o modelo de organização do setor contemplar
basicamente petrolíferas estrangeiras, elas seguirão o cronograma que
traz a máxima rentabilidade, que inclui exportar petróleo, enquanto o
modelo com a Petrobras irá se prender prioritariamente a objetivos
nacionais, significando que a alternativa 1 vence. Com a Petrobras, na
situação descrita, se houver produção visando exportação, dentro dos
limites técnicos, ela será diminuída.
Desenvolvimentos de campos visando exportação serão postergados e
muitos recursos serão destinados à exploração. Por outro lado, o Estado
ter controle sobre o volume produzido e os custos da produção é
importante porque tributos e a parcela do óleo produzido pertencente ao
Estado dependem deles (item l). Como a motivação principal das empresas
privadas é a maximização do lucro, é normal que parâmetros que
influenciam o lucro possam ser manipulados. A Petrobras não tem a mesma
motivação para esta manipulação, significando a vitória da alternativa
1.
O último critério de julgamento avalia cada alternativa de
organização do setor para verificar se o Estado brasileiro consegue
adotar ações geopolíticas e estratégicas (item m). Se o Estado
brasileiro entregar o petróleo para petrolíferas estrangeiras e, assim,
ficar sem sua posse, ele não consegue realizar estas ações. Logo, a
alternativa 1 com a Petrobras à frente é melhor também neste critério.
Neste ponto, os que buscam introduzir temas em discussões só para
confundir, dizem de forma categórica que geopolítica não é algo que se
deve considerar em questões objetivas, como a definição de um modelo de
organização do setor de petróleo. Donde se conclui que o interesse pela
manipulação leva a arrogâncias incríveis. É a hora de se perguntar, por
exemplo, por que Hitler foi obrigado a invadir a União Soviética, quando
ainda não estava bem preparado? Ou por que, como consequência desta
invasão, Stalin discursou para as suas tropas, dizendo: "lutar pelo nosso petróleo é lutar pela nossa liberdade"?
Pelo que foi analisado, sob todos estes critérios de julgamento, a
alternativa 1 é melhor que a 2. Apesar deste fato, o projeto de lei
4.567 passou no Congresso porque outros interesses políticos de grupos o
aprovaram. Ele é péssimo para a sociedade brasileira, como já vimos
através da aplicação desta metodologia de análise de alternativas de
organização do setor. Esta metodologia foi apresentada por mim na
Audiência Pública da Comissão Especial de Julgamento do Projeto de Lei no 4.567, na Câmara dos Deputados, em 17/05/2016.
Em vez de participarem de um debate racional, os neoliberais e
entreguistas, como sempre, com a intenção de roubar a riqueza alheia e
se manterem no poder, e utilizando a desonesta mídia tradicional, não
informam, além de mentirem para a população, que desta forma permanece
omissa, permitindo a usurpação de seu futuro promissor. Mas os canais
alternativos de mídia começam a iluminar as mentes, permitindo a
esperança da conscientização.
Notas:
1) Presidente do Cambridge Energy Research Associates (CERA).
2) Magnata norte-americano (1839-1937), fundador da Standard Oil e pioneiro da indústria do petróleo.
3) São as grandes petrolíferas, basicamente privadas, que atuam
internacionalmente. Muitas vezes, ocorrem fusões ou petrolíferas menores
crescem, atingindo o status de majors. No momento, elas são a Exxon, a Chevron, a Shell, a BP, a Total, além de outras.
4) Sugiro a leitura do artigo “Caráter das petrolíferas estrangeiras”, sobre este tema, em: http://paulometri.blogspot.com.br/2015/08/carater-das-petroliferas-estrangeiras.html. Ele foi baseado no documentário “O Segredo das Sete Irmãs: A Vergonhosa História do Petróleo”, disponível na internet.
5) Obra infantil de Charles Lutwidge Dodgson, publicada em 1865.
6) Refiro-me à posição histórica da Petrobras. Se ela, hoje, tem um
administrador alinhado com as posições das petrolíferas estrangeiras,
prefiro imaginar que, com o tempo, este erro de nomeação será corrigido.
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Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
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