Do Correio da
Cidadania
Escrito
por Gabriel Brito, da Redação
Encerradas as eleições e seus esforços de campanha, o
Brasil volta a encarar a depressão que abala a economia e os pacotes de medidas
do governo Temer, ainda incapazes de qualquer resposta positiva à crise geral.
Ao mesmo tempo, a onda de ocupações de escolas e universidades que percorre
todo o país sinaliza que a rebeldia social e popular não está fora da cena e
sugere que as incertezas e instabilidades não têm prazo final. É sobre esse
complexo quadro que o Correio da Cidadania publica entrevista com o economista
Plinio Arruda Sampaio Junior.
“O pacote de
concessões anunciado por Temer foi preparado ainda no governo Dilma. O
aprofundamento da privatização é parte da solução liberal para a crise
econômica. Trata-se
de um esforço desesperado de recuperar a economia, criando grandes negócios
para o capital ocioso. A iniciativa certamente vai criar negócios da China para
os donos do poder, mas não contribuirá em nada para superar os problemas que
paralisam a economia. O
pacote não é para resolver nada. É para criar negócios para a tigrada.
Enquanto o comércio internacional permanecer deprimido e a crise política não
for resolvida, nenhum empresário de bom senso apostará suas fichas no Brasil”,
analisou.
Para além das críticas ao legado da esquerda hegemonizada
pelo petismo, agora espraiada pelos meios de comunicação de todos os perfis
possíveis, o professor do Instituto de Economia da Unicamp relembra o contexto
global, a impor dificuldades que se estendem de forma similar por toda a
América Latina. De toda maneira, é implacável em relação às intenções do novo
governo, que antes de qualquer tentativa de tirar o país da crise e recuperar o
emprego visa favorecer setores que nada têm a oferecer, exceto um modelo de
exploração econômica já exaurido.
“Temer e companhia
não têm base legal, sustentação política, força social e condição moral para
impor ao povo brasileiro um retrocesso social que levará o país de volta à
República Velha. É o que o programa de ajuste liderado por Meirelles pretende. Com o apoio do STF, as classes
dominantes rasgaram a Constituição de 1988. O povo brasileiro não vai engolir
um retrocesso social dessa magnitude passivamente. Quem vive do próprio
trabalho e depende de políticas públicas para sobreviver ficou sem alternativa senão
a desobediência civil. Quando a ficha cair, o bicho vai pegar. Mais dia, menos
dia, serão derrubados pela força das ruas”, sintetizou.
A entrevista completa com Plinio Arruda Sampaio Junior
pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: A PEC 241
(agora PEC 55 no Senado), que estabelece um teto percentual para os gastos
públicos para os próximos 20 anos e que deve afetar as áreas sociais, como
saúde e educação, é o grande assunto do momento. Como você a avalia em linhas
gerais?
Plínio Arruda Sampaio Jr: A PEC 241 radicaliza a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) e a drenagem de recursos estipulada pela famigerada DRU – a Desvinculação
da Receita da União. Trata-se de tirar dos pobres, que dependem de políticas
públicas, para dar aos ricos, que se locupletam na ciranda da dívida pública.
Os efeitos sociais da "PEC do fim do mundo", como muitos a chamaram,
serão catastróficos.
Se colocada em
prática, significaria uma contração das despesas primárias do governo federal
de 20% para 12% do PIB. É uma barbaridade que comprometeria totalmente os
serviços públicos. Se
esse critério tivesse sido adotado vinte anos atrás, os gastos com educação
teriam sofrido uma contração de um terço; o SUS, de acordo com a Associação
Brasileira de Economia da Saúde, teria sido inviabilizado; o salário mínimo,
que regula o rendimento de quase 50 milhões de brasileiros, segundo cálculos do
DIEESE, teria sofrido uma redução da ordem de 42%.
O congelamento dos gastos públicos por vinte anos é uma
expropriação de fundos públicos sem precedente na história brasileira. Só uma
classe dominante de origem escravista, sem nenhum compromisso com o futuro da
Nação, seria capaz de propor uma medida tão estapafúrdia. Parece que estamos
voltando a níveis de violência social da época da acumulação primitiva, nos
primórdios do capitalismo.
Quando posta ao
lado das outras iniciativas que vêm sendo impulsionadas pelas classes
dominantes - Lei Antiterrorista, Escola sem Partido, entrega do Pré-Sal,
reforma da previdência, ataque ao direito de greve dos funcionários públicos,
reforma trabalhista que solapa o poder dos sindicatos, Lei da Mordaça, fim da
avaliação de impacto ambiental para projetos de infraestrutura considerados
estratégicos - fica evidente que a burguesia declarou guerra aberta aos
trabalhadores.
Correio da Cidadania: Considerando
haver de fato uma crise fiscal, quais são, a seu ver, as suas principais
causas? Diante da gravidade da situação e do caminho que tem sido demarcado na
condução da política econômica do país, cortes e mudanças nas áreas sociais
seriam de fato necessários, em alguma medida que seja?
Plínio Arruda Sampaio Jr: Ao contrário do que martela a ladainha neoliberal, a
crise fiscal não é a causa da crise econômica. Ocorre exatamente o contrário. É
o aprofundamento da crise econômica que está gerando um grande desequilíbrio
fiscal. A vulnerabilidade fiscal é uma característica estrutural da
economia brasileira. Nos tempos de bonança o problema é camuflado pelo
crescimento. Na crise, torna-se dramático. O desequilíbrio financeiro atual tem duas causas
fundamentais. A contração das receitas, reflexo da recessão cavalar que atingiu
o Brasil desde 2015, e o aumento das despesas financeiras do setor público,
resultado de uma política monetária e cambial desastrosa (que é inerente ao
Plano Real).
O governo fala em
gastança do setor público, mas oculta que as despesas financeiras alcançaram
8,5% do PIB em 2015, montante mais de quatro vezes superior ao déficit
primário. Ao
aprofundar a recessão, o regime de austeridade fiscal só agrava o problema. É
só olhar o que acontece na Grécia para ver para onde vamos. Uma política
econômica racional deveria estar fazendo exatamente o oposto. Ao invés de cortar gastos,
deveríamos estar aumentando as despesas públicas para estimular a recuperação
da demanda agregada.
Contudo, as políticas keynesianas não estão na ordem do
dia. A ordem liberal interditou qualquer tipo de política econômica que não
obedeça cegamente às exigências do grande capital. A livre circulação de
capitais não abre espaço para que os Estados nacionais tenham um mínimo de
controle sobre seus centros internos de decisão.
Correio da Cidadania: Como
enxerga, nesse sentido, a Reforma da Previdência?
Plínio Arruda Sampaio Jr: A Reforma da Previdência é um assalto aos fundos
públicos. A narrativa de que o INSS é deficitário e a redução dos direitos
previdenciários dos trabalhadores brasileiros é um mal necessário é uma grande
mentira. Ela só se sustenta porque não há liberdade de imprensa e a opinião
pública é manipulada de maneira despudorada. Existem inúmeros estudos que
mostram como o orçamento da Seguridade Social é superavitário. O déficit da
previdência é uma construção ideológica. O número do governo, de um déficit de
R$ 85 bilhões em 2015, é calculado pela diferença entre a receita e a despesa
do INSS. Mas a Constituição de 1988 estabelece que a contribuição do INSS não é
a única fonte de receita para financiar o INSS. O Orçamento da Seguridade
também contempla os recursos advindos do COFINS - Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social - e da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido - PIS/PASEP, para citar os mais importantes.
Incluindo todas as
fontes de financiamento da Seguridade Social previstas na Constituição
brasileira, o saldo em 2015, mesmo com a crise, foi positivo, de R$ 20 bilhões
de reais. Os argumentos que sustentam o terrorismo de que a previdência
brasileira está quebrada é um embuste. O cálculo do déficit é um sofisma,
ilegítimo e ilegal, pois se baseia em critérios que violam o que foi
determinado pela Constituição de 1988. A sangria nos cofres públicos não advém do excesso de
gastos com a Previdência Social, que em 2015 absorveu algo em torno de R$ 430
bilhões, cerca de 8% do PIB, beneficiando diretamente 28 milhões de pessoas,
13,5% da população – e, indiretamente, no mínimo o dobro disso.
A sangria nos
cofres públicos é causada pelos mecanismos de transferência de renda para a
burguesia. O parasitismo do empresariado no Estado é generalizado. Dois
exemplos dão a dimensão do problema: a) as despesas financeiras do setor
público absorveram, em 2015, 8,5% do PIB, beneficiando menos de 0,1% da
população; b) segundo cálculos dos auditores fiscais, entre 2011 e 2018, a
renúncia fiscal de tributos de grandes empresas implicará um sacrifício de
receita da ordem de R$ 458 bilhões, o equivalente a 17 anos do programa Bolsa
Família.
Correio da Cidadania: Acha válida
a crítica que liga a PEC 241 a medidas passadas do governo Dilma, sugerindo uma
linha de continuidade?
Plínio Arruda Sampaio Jr: O governo Temer é a metástase do governo Dilma. A
PEC 241 leva ao paroxismo o ajuste fiscal iniciado por Joaquim Levy em 2015 e
seguido por Nelson Barbosa em 2016, até a deposição de Dilma. A lógica do regime de
austeridade fiscal, que subordina a política fiscal aos interesses dos
rentistas que mamam na dívida pública, foi legitimada pelos governos petistas.
Lula começou o governo prometendo ao FMI um superávit primário draconiano,
superior ao que os próprios técnicos do Fundo Monetário tinham imaginado, e
Dilma caiu reafirmando sua fidelidade à Lei de Responsabilidade Fiscal e seu
compromisso com a austeridade fiscal.
Correio da Cidadania: Como avalia
outras medidas anunciadas pelo governo Temer no campo da economia, a exemplo do
pacote de concessões na infraestrutura, que estimula as Parcerias
Público-Privadas? Diante da profunda crise econômica e queda de investimentos
por que passa o país, acredita que o pacote passou a ser uma imposição?
Plínio Arruda Sampaio Jr: O pacote de concessões anunciado por Temer foi preparado
ainda no governo Dilma. O aprofundamento da privatização é parte da solução
liberal para a crise econômica. Trata-se de um esforço desesperado de recuperar
a economia, criando grandes negócios para o capital ocioso. A iniciativa
certamente vai criar negócios da China para os donos do poder, mas não
contribuirá em nada para superar os problemas que paralisam a economia. O pacote não é para resolver
nada. É para criar negócios para a tigrada. Enquanto o comércio
internacional permanecer deprimido e a crise política não for resolvida, nenhum
empresário de bom senso apostará suas fichas no Brasil.
A trilogia que
organiza a solução liberal para a crise econômica - ataque aos direitos dos
trabalhadores, privatização do patrimônio público e especialização da economia
brasileira na divisão internacional do trabalho - aprofunda a crise econômica,
agrava a crise social e acirra a luta de classes. O Brasil está num impasse
histórico de grandes proporções e não sairá dele com pirotecnia privatista.
Correio da Cidadania: Nesse
momento, em função dos problemas graves com as contas públicas, e dos cortes
propostos que afetam as áreas sociais, reacendeu-se uma polêmica entre
economistas ditos desenvolvimentistas e os ditos neoliberais, com suas visões
distintas sobre o crescimento, desenvolvimento e sobre a maneira de utilizar os
instrumentos de política econômica para incidir em um momento recessivo. O que
dizer sobre essa polêmica, como você se situa nesse sentido?
Plínio Arruda Sampaio Jr: A crítica dos economistas
influenciados pelo keynesianismo ao ajuste ortodoxo é correta. O corte de gasto público, o
arrocho salarial, o aumento do desemprego, a maior exposição da economia à
concorrência global, o aumento da taxa de juros (como meio de evitar a fuga de
capital pelo incentivo à ciranda financeira lastreada em dívida pública), a
venda de patrimônio como forma emergencial de tapar buraco do orçamento público
são medidas que aprofundam a recessão. Elas atendem aos interesses do grande
capital, internacional e nacional. Mas a perspectiva keynesiana é
insuficiente para dar uma resposta civilizada à crise que paralisa a economia
brasileira.
A mundialização das forças produtivas e a crescente
mobilidade do capital - tendências inexoráveis do capitalismo global - solapam
as bases objetivas e subjetivas de uma política anticíclica ancorada no espaço
econômico nacional. A defesa de uma solução keynesiana para a crise econômica é
uma ingênua ilusão. Talvez seja por esse motivo que, quando no governo, os
neodesenvolvimentistas fizeram uma política econômica muito parecida com a dos
monetaristas. Sem uma
ruptura com os parâmetros da ordem global, a sociedade brasileira não tem como
resgatar o controle sobre os centros internos de decisão e colocar em prática
uma política econômica que priorize os interesses do conjunto da população.
Uma ruptura dessa
envergadura não é possível sem colocar em questão as relações internas e
externas responsáveis pela perpetuação do subdesenvolvimento e da dependência. É claro que no capitalismo
fundamentalista que estamos vivendo, tais transformações colocariam na ordem do
dia mudanças ainda mais profundas, a apontar para a urgência de uma superação
do próprio modo de produção capitalista. Sem levantar a bandeira da “Revolução Brasileira” e
explicitar sua natureza anticapitalista, a crítica acaba chovendo no molhado.
Correio da Cidadania: Qual sua
opinião sobre os movimentos e setores hoje presentes na cena nacional que
tentam resistir e protestar contra iniciativas que significam retrocessos nas
áreas sociais e nos direitos da população?
Plínio Arruda Sampaio Jr: Após as Jornadas de Junho de 2013, o Congresso Nacional
transformou-se definitivamente num covil de delinquentes que conspiram noite e
dia contra o povo. O medo e o pânico de perder privilégios seculares levaram as
classes dominantes a orquestrar uma ofensiva avassaladora sobre os direitos das
classes trabalhadoras. É o que explica o estelionato eleitoral da Dilma e, logo
em seguida, “dobrando a meta”, a farsa do impeachment que levou Temer ao
Planalto. A burguesia partiu para o tudo ou nada. Se for necessário, derrubam
Temer e colocam um outro qualquer para impulsionar medidas antipopulares.
É claro que um ataque dessa dimensão, que inviabiliza qualquer arremedo de
política social de caráter universalista e compromete até mesmo a possibilidade
de políticas assistencialistas minimamente estruturadas, não passará sem
reação.
A tendência é de uma forte polarização na luta de classes.
O movimentos dos secundaristas em defesa da escola pública, a luta dos
estudantes em prol das universidades federais, os protestos dos Sem Teto contra
a interrupção dos projetos de habitação popular, as inúmeras manifestações
populares contra o governo espúrio de Temer são as primeiras iniciativas de um
ciclo de luta social que não terá fim enquanto a reação conservadora não for
barrada. As aves de rapina
que tomaram o poder não têm a menor ideia do que é o Brasil. São uns
aventureiros prepotentes.
Temer e companhia
não têm base legal, sustentação política, força social e condição moral para
impor ao povo brasileiro um retrocesso social que levará o país de volta à
República Velha. É o que o programa de ajuste liderado por Meirelles pretende. Com o apoio do STF, as classes
dominantes rasgaram a Constituição de 1988. O povo brasileiro não vai engolir
um retrocesso social dessa magnitude passivamente. O homem que vive do próprio
trabalho e depende de políticas públicas para sobreviver ficou sem alternativa
senão a desobediência civil. Quando
a ficha cair, o bicho vai pegar. Mais dia, menos dia, serão derrubados pela
força das ruas.
Correio da Cidadania: Apesar da
perspectiva de novas reações populares, aparentemente o Fora Temer e os
protestos mencionados têm perdido fôlego neste momento, assim como a greve
geral que a CUT tenta orquestrar não parece forte o bastante para marcar
posição. O que isso diz da atualidade dos setores que representariam o mundo do
trabalho e as massas assalariadas em geral?
Plínio Arruda Sampaio Jr: O legado de Lula e Dilma é catastrófico. Temer e Cunha
foram alçados à primeira divisão da política brasileira pelas mãos de Lula, em
nome da famigerada governabilidade. Uma parcela expressiva da bancada que votou
a PEC 241 e o impeachment de Dilma fez campanha em 2014 de mãos dadas com Lula
e Dilma. Os juízes do Supremo Tribunal Federal que votaram contra o
direito de greve dos funcionários públicos e referendaram o golpe parlamentar
foram nomeados por Lula e Dilma. Mas o pior foi o seu papel deplorável na desorganização, desmobilização
e alienação dos trabalhadores. Para que o PT pudesse cumprir a função de
"esquerda" da ordem, era necessário evitar a qualquer custo a
presença de uma esquerda contra a ordem. Foi a desorganização e o desalento da
classe trabalhadora que abriu brecha para a agressiva ofensiva do capital sobre
os direitos do trabalho.
A CUT não vai levar
a campanha "Fora Temer" às últimas consequências porque não interessa
ao PT uma eleição agora. O jogo do PT é outro. Para Lula interessa que a poeira
abaixe. O PT aposta no desgaste do
governo Temer, na esperança de que, em 2018, a situação esteja menos
desfavorável e o partido volte a ter uma candidatura competitiva, com Lula,
Ciro Gomes ou qualquer outro aventureiro. A perda de vigor da campanha
"Fora Temer" não pode ser dissociada das alianças eleitorais do PT
com o PMDB e outros partidos da base do governo Temer em diversos municípios do
Brasil, a começar por São Paulo, onde, apesar de tudo que aconteceu, a filha do
presidente é secretária de Haddad.
Mas o
fato de a campanha pelo "Fora Temer" não alçar voo não significa que
a insatisfação com os governantes de plantão tenha arrefecido. Pelo contrário.
A vitalidade do movimento dos secundaristas e dos universitários revela que os
usurpadores não terão sossego. Como diz a moçada: "não vai ter
arrego". É claro que enquanto não houver uma bandeira programática e uma
organização política para condensar as manifestações dispersas, a revolta
contra o ajuste regressivo imposto pelas classes dominantes, agora pelas mãos
de Temer, não terá força suficiente para criar uma alternativa capaz de abrir
novos horizontes para a sociedade brasileira. Para tanto, a esquerda precisaria
superar a teoria e a prática do PT. É o desafio que está na ordem do dia. Enquanto a esquerda não
desencarnar definitivamente do PT, ela será, na melhor das hipóteses, uma mera
coadjuvante da política brasileira.
Correio da Cidadania: O que espera
para o país, considerando a hipótese de que Temer cumpra seus dois anos e
poucos meses de mandato? Chegaríamos a 2018 em que condições?
Plínio Arruda Sampaio Jr: Temer terá muita dificuldade para
concluir seu mandato. O cenário para os próximos anos é sombrio. A crise
econômica é profunda e basta olhar o cenário internacional para perceber que
ainda não se vislumbra luz no fim do túnel. A perspectiva é de uma longa
estagnação, com tudo que a acompanha - crise fiscal, aumento do desemprego,
instabilidade cambial etc. A
crise política não pode ser reduzida à crise do governo Dilma. A crise é do
sistema de representação e reflete a exaustão do padrão de dominação
institucionalizado na transição da ditadura militar para a Nova República.
Ao aprofundar a desmoralização dos "políticos",
a "solução Temer" só agrava o problema. Por um lado, a unidade dos
interesses fisiológicos que sustenta o governo Temer é precária e
extraordinariamente vulnerável aos vendavais que surgem das delações premiadas
da Operação Lava Jato. Por outro lado, Temer terá muita dificuldade para conter a revolta
popular que germina entre os que veem suas vidas piorarem dia a dia. A insatisfação dos estudantes é
apenas a ponta do iceberg. Quando a classe trabalhadora perceber
que a crise econômica não é conjuntural e a camarilha que assumiu o poder
partiu para o tudo ou nada, ela reagirá. Foi assim na ditadura.
Enfim, entramos numa era de convulsão social e turbulência
política. Ela reflete o avanço da barbárie capitalista. Na Brasil (e em toda a
América Latina) a barbárie é impulsionada pelo processo de reversão neocolonial
que compromete irremediavelmente a capacidade do Estado formular políticas
públicas que em alguma medida levem em consideração a defesa da economia
popular e os interesses estratégicos do país. É muito improvável que o povo
brasileiro se conforme a ser mão-de-obra barata de uma megafeitoria moderna -
que é o que o projeto burguês lhe reserva.
Correio da Cidadania: O que considera como esquerda hoje?
Qual o espaço de atuação que tem na atual conjuntura e o que deve buscar como
construção futura, dada a conjuntura nacional e internacional de profunda
crise?
Plínio Arruda Sampaio Jr: As esquerdas são as forças que lutam pela superação das
contradições responsáveis pelas mazelas do povo. São as forças
comprometidas com a luta intransigente contra a segregação social, contra a
dominação imperialista e contra o regime do capital. No momento, o espaço da esquerda é mínimo e, em
grande medida, estéril. Enquanto a esquerda priorizar a conquista de espaços no aparelho de
Estado, seu potencial transformador será nulo, posto que encapsulado
numa armadilha institucional que neutraliza todas as iniciativas capazes de
impulsionar a mudança das estruturas sociais. Para estar à altura dos desafios
históricos, a esquerda
precisa se reorganizar. O sentido da reorganização tem de ser dado pelas
necessidades históricas. O
avanço galopante da barbárie coloca na ordem do dia a ideia da “Revolução
Brasileira”. Essa é a conversa séria capaz de tirar a esquerda de sua
irrelevância como força política.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
A publicação deste texto é livre, desde
que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania