Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 5 de novembro de 2016

Li a PEC nº 241/2016 (nº 55/2016 no Senado), sua exposição de motivos e … (partes 1 e 2)

Sábado, 5 de novembro de 2016

Aldemario Araujo Castro — Advogado, Procurador
da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB, Diretor da ANAFE – Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais

Brasília, 5 de novembro de 2016

Em relação à PEC n. 241/2016 (n. 55/2016 no Senado Federal), o Senhor Michel Temer, ocupante do posto de Presidente da República, afirmou em recente entrevista: "Eu vejo que muita gente não leu [a proposta]." (Disponível em:

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/11/05/nao-assumi-poder-para-perseguir-trabalhador-diz-temer-sobre-pec-241.htm.

Eu li: a) a proposta original; b) a exposição de motivos subscrita pelo banqueiro Henrique Meirelles; c) o substitutivo apresentado pelo relator na Câmara dos Deputados e d) cerca de 20 (vinte) textos sobre o assunto (contrários e favoráveis). Pesquisei uma série de dados sobre as contas públicas e algumas das principais variáveis econômicas, notadamente em sites de instituições oficiais (Banco Central, Tesouro Nacional, IBGE, Portal da Transparência, etc). Escrevi 5 (cinco) textos acerca da proposta apresentada pelo Governo Meirelles-Temer.

A conclusão desse esforço indica que a PEC n. 241/206 (n. 55/2016 no Senado Federal) pretende realizar a maior mudança na ordem econômico-financeira brasileira desde a edição da Constituição de 1988. Trata-se de uma medida de arrocho seletivo. Ignora solenemente as possibilidades de aumento das receitas com justiça social e as várias despesas financeiras trilionárias. Atinge exclusivamente as despesas primárias (responsáveis direta e indiretamente pela manutenção e ampliação dos direitos sociais, incluídas a educação, saúde, aposentadorias, assistência social, habitação, transporte, segurança, etc).

Na sequência, de forma cumulativa, serão destacados alguns dos principais aspectos relacionados com o debate em torno da PEC em questão.

I. O LIMITE DE GASTOS PROPOSTO É PARCIAL

A grande imprensa repete à exaustão que se trata de uma medida voltada para limitar o gasto público, evitando gastanças e desperdícios. As abordagens são genéricas. Diante da falta de detalhamento ou especificação, imagina-se a tentativa de implementar um limite total ou global para as despesas públicas.

Ocorre que o limite será parcial. Somente as despesas primárias serão submetidas, em conjunto, a um teto (valor máximo). O limite, nos próximos 20 (vinte) anos, corresponderá ao gasto do exercício anterior corrigido pela inflação verificada no período de um ano (art. 102 a ser inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT).

As despesas primárias, não financeiras, são justamente aquelas responsáveis, direta ou indiretamente, pela manutenção e ampliação dos direitos sociais. Compreende: a) gastos previdenciários (aposentadorias, por exemplo); b) remunerações de servidores públicos ativos e inativos e c) despesas com educação, saúde, assistência social, moradia, segurança, esporte, cultura, pesquisa científica e e tecnológica, política agrícola, reforma agrária, comunicação social, proteção do meio ambiente, entre outros.


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 II. AS DESPESAS FINANCEIRAS NÃO SERÃO LIMITADAS (esta parte II foi incluída nesta postagem às 9h43 de 6 de novembro)

A PEC n. 241/2016 (n. 55/2016 no Senado) estabelece um limite para as despesas primárias (direta e indiretamente relacionadas com os direitos sociais). As despesas financeiras não são limitadas, sequer mencionadas, pela PEC em questão.

Essas despesas financeiras correspondem basicamente ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública existente. Em 2015, alcançaram 387 bilhões de reais segundo dados governamentais (desconsiderada a rolagem) e 962 bilhões de reais segundo levantamento da Auditoria Cidadã da Dívida. Importa destacar que essa importante organização da sociedade civil identificou, com clara violação da “regra de ouro” (art. 167, inciso III, da Constituição), uma redução na contabilização oficial do pagamento de juros (parte deles são registrados como amortização/refinanciamento).

Os mecanismos monetários e cambiais responsáveis pelo vertiginoso aumento da dívida pública e de seu serviço foram “esquecidos” pelas autoridades governamentais e, por via de consequência, pela PEC em tela. Nenhuma palavra, nenhum controle, nenhum limite para: a) a fixação da taxa de juros SELIC; b) o nível e administração das reservas monetárias internacionais; c) o tamanho da base monetária; d) a realização de operações compromissadas (segundo dados do BACEN, representavam R$ 1,11 trilhões da dívida pública em agosto de 2016) e todas as formas de “ajuste de liquidez”; e) o câmbio; f) o fluxo de capitais e g) as operações de swap cambial (calcula-se em quase R$ 170 bilhões os prejuízos nesse campo nos últimos meses).

Como bem registrou Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho do DIAP: “a primeira consequência [da PEC n. 241/2016 transformada em norma constitucional] será a limitação ou o direcionamento do papel do Estado apenas para garantir o direito de propriedade, assegurar o cumprimento de acordos e honrar os compromissos com os credores das dívidas interna e externa” (http://www.diap.org.br/index.php/noticias/artigos/26284-a-pec-241-e-o-papel-do-estado-brasileiro).