Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 14 de outubro de 2018

Brasil no Mundo Também Não É Pauta Eleitoral

Domingo, 14 de outubro de 2018
Por
Pedro Augusto Pinho

Não sei como os historiadores irão comentar a campanha eleitoral, em 2018, para Presidente da República. A eleição das farsas? das fraudes? da incongruente violência ou da apatia com agressões?

Do lado que saiu mais votado nas urnas do 1º turno não há surpresa. Ele é fruto do golpe de 2016, da ação permanente do interesse estrangeiro no País que tem a 5ª maior extensão territorial e população e, com todo desmonte do governo Temer, ainda é o 9º maior Produto Interno Bruto (PIB), do mundo.

Além de ter descoberto a maior jazida do cada vez mais raro e mais caro motor da civilização: o petróleo. O pré-sal, ainda em fase de desenvolvimento, não surpreenderá se for uma Arábia Saudita em águas profundas.

E um País de todas riquezas minerais, de solo, sol e chuva que o transformam no grande supridor de alimentos.

A infelicidade brasileira é a elite que se acostumou pelos 400 anos de escravismo legal e pelo tempo restante, desde seu descobrimento, pelo escravismo não oficial, a não respeitar os pobres e, dentre estes, os negros. No País em que a maioria absoluta da população é formada de negros e mestiços de negros e de índios.

Este é o grande problema interno. Mas vamos tratar do mundo nesta segunda década do século XXI, que parece ser um planeta diferente do que vivemos pelas ações e declarações do governo brasileiro e dos candidatos em campanha.

Com as desregulações financeiras dos anos 1980 e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) surgiu um mundo unipolar. E os Estados Unidos da América (EUA) no afã de construi-lo a seu gosto e gozo, acabaram por dar início a nova era de conflitos.

Mas precisamos entender que estes novos conflitos trariam novas estratégias, usariam novas armas que as tecnologias da informação e da comunicação permitiam.

Sempre se disse que a primeira vítima de qualquer guerra era a verdade. Mas a comunicação de massa oligopolista, que passou a dominar o mundo pelas mãos do sistema financeiro (a banca), incluiu a pós-verdade aos pensamentos e raciocínios petrificados, impermeáveis às evidências.

Em 20 de setembro, em Nova Iorque, o website Intelligence Squared organizou um debate, reportado por Federico Pieraccini, do qual tivemos conhecimento pela sempre magnífica tradução do competente Vila Mandinga (ex Vila Vudu).

Participaram John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, Stephen F. Cohen, das Universidade de Princeton e de Nova York, especialista em assuntos da Rússia, Derek Chollet, do German Marshall Fund of the US, Reuel Marc Gerecht, ex-analista da CIA, atualmente na Fundação para Defesa das Democracias, e Kori Schake, do International Institute for Strategic Studies (IISS).

Vamos recolher alguns temas que nos atinge, no Brasil, quer na questão política quanto na econômica e da segurança nacional (esta também fora dos debates presidenciais).

Embora o debate tenha sido conflituoso pelas arraigadas posições e compromissos dos participantes, ficaram indiscutíveis as péssimas e infundadas estratégias estadunidenses para conformar o mundo a sua imagem e semelhança.

De início pelo raciocínio da guerra fria, da inexistente bipolaridade ideológica. Mal que o Capitão Bolsonaro ainda sofre.

A OTAN, após a queda da URSS, perdeu sua razão de ser. Para mantê-la foram necessários dois ardis, um Europeu e outro dos EUA, que custaram muito mais ao segundo.O medo da Rússia, se houver motivo, será muito mais ou quase exclusivamente comercial. Inimaginável a invasão da Europa por tropas russas. Nenhum lucro compensaria os custos.

Mas alguns países europeus, nomeadamente a Polônia e os bálticos, viram nas tropas estadunidenses a redução de gastos em defesa e, em consequência, possibilidade de outros investimentos. Ocorre que a Rússia interpretou como um avanço dos EUA para tomar-lhe áreas de influência. Resultaram daí a guerra na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014).

Ao tratar do Irã, o nível de hipocrisia foi “espantoso, inacreditável”. Ao replicar a belicista Kori Schake, Mearsheimer arrancou aplausos e risos da plateia ao afirma que “os EUA são campeões mundiais de mudança de regimes e de interferência em assuntos internos de outros países”.

Transcrevo na íntegra três parágrafos do relato, com a nota do tradutor, pelo significado para um improvável debate presidencial, mas para exemplificar a farsa que venho anunciando desde que se consolidaram os parâmetros para esta eleição.

“Maior frustração foi quanto ao traço “Davi contra Golias” do debate, com os argumentos de Cohen e Mearsheimer em luta contra um paredão de mentiras acumuladas, incansavelmente repetidas pelos veículos da mídia-empresa e amplificadas e rementidas pelos três imperialistas presentes. Sem dúvida o público estava muito mais habituado a ouvir os argumentos dos imperialistas; Cohen e Mearsheimer não tiveram nem tempo suficiente para ultrapassar a barreira do pensamento e do raciocínio petrificados, do lado do público. Ainda assim, uma parte dos presentes mudou completamente seu modo de pensar, depois do debate. Alguns haviam chegado convictos de que a OTAN seria indispensável, e a Rússia seria potência agressora. Saíram sabendo que a OTAN é hoje obsoleta e que a Rússia dessa vez não é a potência agressora.

Hoje, parte fundamental de nossa vida é achar informação prestável. Se não temos informação prestável, não temos os recursos mínimos indispensáveis para votar e eleger representantes que realmente visem a promover nossos interesses. Sem informação prestável, não temos os instrumentos mínimos necessários para modelar e determinar o curso dos eventos nas supostas democracias nas quais vivemos.

Esse debate mostrou o quanto o mundo dos EUA imperialistas é desconectado do mundo real, e especialmente o dano descomunal que esse modo de pensar neoliberal neoconservador causou, conseguindo, ironicamente, produzir resultados opostos aos seus objetivos declarados, e acelerando, exclusivamente, o fim da dominação que os EUA já exerceram sobre o mundo. Quanto mais a informação prestável alastra-se e alcança mais e mais pessoas, mais o mundo compreenderá o desastre que são as ações do establishment euro-norte-americano em todo o mundo [o golpe de 2016 no Brasil é uma dessas ações desastrosas (NTs)]”.

No artigo “Moinhos de Vento ou Reflexões sobre a Eleição de 7 de outubro de 2018” (Brasil 247, 12/10/18) alertei para a crise, mais uma na série que teve início nas do petróleo, em 1968, e que mudaram toda geopolítica do planeta e empoderaram a banca. Previ, com os riscos das surpresas das ações humanas, que esta crise seria muito maior do que as falências, os desempregos, as perdas e ganhos de ativos que conhecemos desde 1929. Ela poderia mudar o sentido civilizatório para oriente-ocidente.

A grande derrota será dos EUA, do Atlântico Norte, que buscarão no seu quintal as compensações econômicas, políticas e da dominação cultural, como de praxe. E o Brasil ficará “menor do que salário de professor” (Chico Anísio).

Enquanto a Rússia e a China estão convertendo suas reservas em ouro, o Brasil do golpe, como fazia antes, a imobiliza na moeda que será a mais ou das mais desvalorizadas entre as negociadas no mundo.

Considerando que no próximo quadriênio, na quase unânime avaliação dos analistas internacionais, das diversas orientações econômicas e compromissos, se dará esta tsunâmica crise, é dar crédito ao Cabo Daciolo que saiu da campanha para rezar. Ajoelhemos todos, pois nossos candidatos não são deste planeta.

Por fim, há uma questão de competência e seriedade. Desde o Império, o corpo de diplomatas brasileiros é reconhecido, no Brasil e no mundo, pela competência, profissionalismo e seriedade.

Mesmo nos momentos mais críticos de nossa história, na Revolução de 1930, na deposição e no suicídio de Vargas, no golpe de 1964, o Itamarati soube manter os compromissos internacionais do Brasil e negociar com capacidade e firmeza as determinações políticas.
Desde o golpe de 2016, o Brasil saiu do mundo civilizado. Os Ministros constrangendo a equipe profissional, mostram mais do que impulsos ideológicos subalternos e submissos, a enorme ignorância sobre seus papéis de agentes públicos brasileiros no cenário internacional. Humilharam mais a Pátria do que o Ministro de Fernando Cardoso, tirando o sapato para guarda aduaneiro, em viagem como Chanceler Brasileiro aos EUA.

As manifestações, quando o Comitê da ONU se pronunciou pela violação de tratado assinado pelo Brasil, a respeito das condições impostas a Lula, não foram simples atos políticos, mas o desacato à convivência civilizada. O Ministro Celso Amorim, em entrevista, disse que apenas o Taliban tem atitude explícita como a assumida pelo Chanceler de Temer.

É muito sério e degradante para a cidadania brasileira ter Presidente despreparado e ignorante de suas responsabilidades.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado