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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Robôs impulsionaram hashtags contra ONGs na Amazônia e a favor de Salles; cerca de 1% dos perfis foram responsáveis por mais de 20% das postagens com as tags que chegaram aos assuntos mais comentados do Twitter



29 de agosto de 2019

Texto: Ethel Rudnitzki | Infográficos: Ana Karoline Silano


Na semana passada, entre 19 e 24 de agosto, as queimadas na Amazônia foram um dos assuntos mais comentados no Twitter mundialmente. Em meio à polarização no Twitter, as hashtags foram mais uma vez usadas como armas para ganhar a opinião pública – mas dessa vez, com auxílio de robôs e turbas virtuais, segundo levantamento feito pela Agência Pública.

No dia 21 de agosto, o presidente acusou, sem provas, organizações não governamentais (ONGs) pelos incêndios na Amazônia. “Pode estar havendo a ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar atenção contra o governo do Brasil”, disse em coletiva de imprensa. No mesmo dia, seus apoiadores lançaram a hashtag #AmazoniaSemOng, que chegou aos assuntos mais comentados da rede no Brasil.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também recebeu uma hashtag de apoio nas redes. A tag foi lançada, com pouca expressividade, no dia 21 de agosto. No dia seguinte, depois que o partido Rede Sustentabilidade entrou com pedido de impeachment do ministro, a #SomosTodosRicardoSalles chegou aos Trending Topics no Brasil.

A Pública teve acesso às primeiras 50 mil postagens de cada uma das hashtags #AmazôniaSemONG e #SomosTodosRicardoSalles durante os dias 21 e 22 de agosto, extraídas pelo Laboratório de Pesquisadores Forenses Digitais (DFRLab), da organização Atlantic Council. Os dados mostraram que por trás das tags estavam perfis com indícios de automação, responsáveis por manipular as tendências na rede social.

Além disso, a reportagem verificou que o uso das hashtags foi orquestrado em grupos bolsonaristas no Whatsapp. Um número identificado como “Tv a Cabo” publicou em quatro grupos ligados a Jair Bolsonaro de diferentes estados mensagem chamando para “Twittaço” com as tags #AmazôniaSemONG e #ApoioTotalRicardoSalles.

A mensagem também conclamava os participantes do grupo a seguir a conta oficial de Twitter da Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal (Secom), criada no auge da crise, em 21 de agosto.

Mensagem chamando para twittaço em favor do ministro Ricardo Salles e contra ONGs na Amazônia circulou em grupos do Whatsapp

Mensagens quase idênticas foram publicadas mais de 100 vezes pelo perfil @direitaforte7 no Twitter. O perfil, que foi excluído pela plataforma, mencionava outras contas, como a do próprio presidente e de ministros do governo, chamando para o “Twittaço”.

Procurada, a Secom não respondeu sobre sua relação com o Twittaço até a publicação da reportagem.


Poucos perfis, muitas postagens

O primeiro registro da hashtag #AmazoniaSemONG apareceu 4 horas depois de Bolsonaro publicar fala acusando as ONGs pelos incêndios na Amazônia em seu Twitter. Às 20h10 do dia 21 de agosto, o influenciador digital conservador Jouberth Souza, que acumula mais de 45 mil seguidores na rede social, comentou em publicação do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro: “Usem a tag: #AmazoniaSemONG”. O comentário teve 130 retweets.

Primeira menção à tag #AmazôniaSemONG veio do perfil @Jouberth19

Uma hora depois, a tag já tinha mais de 1500 menções no Twitter, de 617 perfis diferentes. A grande maioria de postagens vinha de usuários anônimos e alguns ativistas digitais mais influentes.