Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Sistema prisional: Nota Pública do Grupo de Trabalho Defesa da Cidadania

Terça, 24 de agosto de 2021

Arte: Secom/MPF

MPF e outras 10 instituições se manifestam sobre reformas em presídios no RJ

Em virtude de notícias recém-veiculadas na imprensa sobre reformas no sistema prisional no estado do Rio de Janeiro, o GT Interinstitucional Defesa da Cidadania vem a público divulgar a Nota de Esclarecimento que se segue:


Da cultura do espetáculo e dos puxadinhos no sistema carcerário: quando a mídia desinforma?

Puxadinho” no Jorge Santana. Foram com essas palavras que mais uma vez assistimos à demolição do direito de presos. A discriminação permanente de nossa sociedade teima em confundir dever do Estado e direito do preso como privilégios. Então se faz necessário trazer informação e começaremos pelo presídio, agora famoso, mas em 2018 foi nomeado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos após uma visita como “Um dos piores presídios das Américas”.

A Cadeia Pública Jorge Santana não é o símbolo de situação de conforto que possibilite a "barganha" dos presos. Ela é o monumento à barbárie do sistema prisional e, especialmente, de uma brutal desumanização e tortura coletiva. É a tradução perfeita do que o STF denomina de estado de coisas inconstitucional a partir da ADPF 347.

Alvo de Medidas Cautelares para proteção da integridade física e da vida dos presos desde 2020, Jorge Santana por anos abrigou em duas de suas celas mais de 360 presos, apesar de só comportar 180 vagas, que estavam nas piores condições de saúde do sistema. Mutilados, sem nenhum acesso à saúde, não possuíam sequer cadeira de rodas ou muletas para se locomoverem, gerando profundas escaras de pressão que infeccionavam por não poderem levantar da “cama” de cimento. Um dos medos frequentes entre os presos diante da degradação do local era a morte por septicemia.

No Jorge Santana presos usavam garrafas pet para as necessidades fisiológicas por não conseguirem chegar ao “boi” (sanitário turco). Viviam entre lixo e infestação de baratas, trancados 23 horas na cela, com pouca comida e de péssima qualidade, com água para beber e tomar banho disponível 3 vezes por dia apenas por 1 hora no máximo, armazenada em galões que as deixavam com tom de barro, não há escola, sem parlatório, mesmo que se passassem 2, 3 ou 4 anos em regime provisório, esperando uma sentença definitiva ou condenados sem conseguir transferência pela superlotação do sistema.

Marcada de inconstitucionalidades, a cadeia pública Jorge Santana finalmente havia tentado garantir um direito assegurado tanto no artigo 67, I da Lei de Execuções Penais, quanto no artigo 27 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro e com previsão na Regra 58 das Regras de Mandela da ONU, cujo próprio nome dá o tom do que tratamos aqui “Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos”, que é a visita íntima, garantia da manutenção dos laços afetivos aos que se encontram intramuros.

O tal “puxadinho” não é um privilégio ou “motel”, como fez crer a mídia, tão sedenta dos espetáculos que obstam o olhar mais criterioso, não é um direito exercido ao bel prazer do preso, é gradualmente adquirido após um longo processo de espera e altamente burocrático, só podendo ocorrer em determinado dia e hora, em uma quantidade muito pequena de vezes ao mês.

O que temos no sistema fluminense é o oposto do informado: há uma fila enorme de espera para acesso ao direito, uma quantidade irrisória de parlatórios e uma violação cotidiana do direito à visita íntima em todas as unidades. Com a demolição do puxadinho e a inconsequente desinformação gestada pela mídia sobre esse tema demos mais um passo atrás na superação da completa inconstitucionalidade que hoje são as unidades prisionais, e rumamos cada vez mais vigorosamente na destruição de qualquer legalidade do Estado e da sociedade frente ao direito dos cidadãos privados de liberdade em nossas masmorras prisionais.

Ministério Público Federal
Defensoria Pública da União
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
Centro de Assessoria Popular Mariana Criola
Fórum Grita Baixada
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
Maré 0800 – Movimento de Favelas do Rio de Janeiro
Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/Baixada Fluminense-RJ