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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A República não foi promulgada e sim implantada

Segunda, 16 de novembro de 2021
"A República não foi promulgada e sim implantada"

Este artigo é de autoria do saudoso jornalista Helio Fernandes e foi reproduzido do jornal Tribuna da Imprensa pelo Blog Gama Livre numa quinta, 16 de novembro de 2017. 
Hélio Fernandes

Ela nasceu militar, militarista e militarizada. A belíssima e histórica geração de civis, se empenhou em duas extraordinárias campanhas. Os "abolicionistas" e os "Propagandistas da República". Foram todos superados.

Os dois marechais que vieram brigados (como coronéis) da estranha e extravagante "Guerra do Paraguai", se reconciliaram e se apossaram do poder.

Deodoro ficou como presidente que não mandava nada. Floriano como vice imponente, reforçado pelo cargo de Ministro da Guerra, que utilizou com seu estilo autoritário e draconiano. Foram nomeados em 25 de fevereiro de 1891, numa escolha sem povo e sem voto. Basta lembrar como foram recepcionados depois da nomeação.

Primeiro Deodoro, alguns aplausos e palmas formais. 1 hora depois Floriano, quase o plenário do Senado (ainda na Quinta da Boavista) não resistia ao estrondo em volta do vice. Quem sabia ver, viu logo, e não se surpreendeu quando 8 meses depois, ainda em 1891, Floriano derrubou Deodoro, acumulou todos os poderes.

A Constituição redigida e relatada por Rui Barbosa, determinava: "Se a presidência ficasse vaga por qualquer motivo, antes de completada a primeira metade do mandato, o vice assumiria e faria eleição (indireta) em 30 dias. Floriano, que não respeitava pessoas, porque respeitaria a Constituição. Assumiu a presidência e ficou sem consulta alguma, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Poderia ser para ele, mas não para Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, e pessoalmente o nome mais importante da nascente República. Rui tomou posse com um discurso que aterrorizou os "barões do café" de São Paulo. Textual: "A Revolução Industrial da Inglaterra já tem mais de 100 anos e o Brasil insiste em ser um pais ESSENCIALMENTE AGRÍCOLA".

Isso tinha endereço certo: o Brasil plantava, colhia e vendia 96% do café bebido pelo mundo. 92% em São Paulo, 2% no Estado do Rio, outros 2 no Espírito Santo. Isso durou 30 anos, era uma riqueza intocável e intransferível. Que só foi atingida pela "quebra" de Wall Street, em 1929. O mundo empobreceu, passou a beber chá e outras bebidas mais baratas.

1 ano depois veio Vargas e a "revolução" de 30, o que fazer com a produção de 60 milhões de sacas sem comprador? A ruína da primarice: passaram a queimar café ou jogá-lo no mar. Era ditadura, o ditador podia fazer o que bem entendesse. Foi a primeira grande crise econômica, sem recuperação, a não ser o refúgio do "país do futuro". Esperado e alardeado há 128 anos.

Esta não é a República dos nossos sonhos

A frase, incisiva, elucidativa, definitiva, é do notável Saldanha Marinho, dos mais importantes propagandistas da República. Em 1860, antes da guerra do Paraguai, fundou o jornal diário, "A República". Pela ultima Constituição do Império, de 1846, para lançar um jornal era preciso autorização pessoal do imperador. Saldanha foi recebido por ele, leu o nome do jornal, falou, "todo sucesso ao seu jornal". Um imperador que diz isso, tem muito de republicano e democrata. Dom Pedro Segundo era exatamente isso.

Em 1886, o imperador pediu ao Primeiro Ministro, que em seu nome, convidasse Rui Barbosa para Ministro da Justiça. Rui, respondeu: "Por favor, diga ao Imperador, que estou envolvido num movimento, que será vitorioso, com ele se for possível, sem ele se for necessário". Era a República. 

PS- Não dá para relatar os caminhos e descaminhos da República. Mas foram lancinantes, melancólicos, traidores.

PS2- Em 1890, Saldanha Marinho se elegeu senador. Em 1892, estava na tribuna, um assessor lhe entregou um papel, que 2 soldados lhe passaram. Era uma ordem de prisão, vinda diretamente de Floriano.

PS3- Saldanha virou para o plenário, falou: "Estou sendo preso, quem assinou a ordem, não gosta de esperar". E acompanhou os policiais. 

*Matéria pode ser republicada com citação do autor.
Blog Oficial do Jornal da Tribuna da Imprensa.
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125 ANOS DE REPÚBLICA, GOLPES E MAIS GOLPES. QUASE TUDO “LUTA ARMADA” DE GENERAIS. EM 1945/46 CONHECI OS 13 DEPUTADOS COMUNISTAS, QUE 20 ANOS DEPOIS SERIAM OS BRAVOS GUERRILHEIROS DO ARAGUAIA.

Reprise: 21.02.15

A República nasceu militar, militarista e militarizada. Dois marechais, (Floriano e Deodoro) na madrugada de 15 de novembro de 1889, derrotaram a brilhantíssima geração dos “Abolicionistas” e dos “Propagandistas da República”. E implantaram um regime com o qual sonhávamos, e que o grande Saldanha Marinho fulminou numa frase que muita gente não conhece mas, é inesquecível: “Esta realmente não é a República dos nossos sonhos”.

Em 1860, Saldanha fundou o jornal diário “A República” e durante 29 anos, lutou diariamente pela República. Quando se esperava que tudo mudasse com a “promulgação” da República, as coisas pioraram terrivelmente com a “implantação” de um governo fantasiado de República, dominado pelos dois marechais envelhecidos, política e militarmente envelhecidos.

Vieram brigados da estranha Guerra do Paraguai, eram coronéis, chegaram a marechais. Se reconciliaram por interesses pessoais. Ao contrário da França e dos EUA, que na mesma época (1789 e 1788) mobilizaram o povo em nome da República e da independência. Tudo pelo voto direto, apesar das dificuldades.

Aqui tudo nos bastidores, sem voto, sem povo, sem urnas. E se confrontando, Deodoro e Floriano dominaram o país até 1894, quando foram expulsos do poder. No 15 de novembro, oficiais de cavalaria mal podiam subir num cavalo. Mas logo depois, Floriano, “eleito” vice em fevereiro de 1891, derrubava Deodoro, conseguia se manter como “presidente” até 1894, quando veio o primeiro civil eleito, Prudente de Moraes.

Esses 41 anos, mais tarde admiravelmente de “Republica velha”, mergulharam o país num lamaçal político e financeiro, com os militares dominando tudo.

Em 1910, Rui Barbosa tentou iluminar o cenário, se lançou candidato a presidente. Só havia um partido, por ironia ou gozação chamado de Republicano. Foi escalado um general para derrotá-lo. Rui fez campanha maravilhosa, sem qualquer recurso financeiro ou técnico.

Sem comunicação, sem gravação, até sem microfone, Rui fez discursos extraordinários, que apesar de tudo, chegaram aos nossos tempos. Chamou sua luta de ”campanha Civilista”, explicou: “Temos que combater a influência da Igreja, do exército, do partido único”. Foi derrotado pelo Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro e Ministro da Guerra do presidente Nilo Peçanha, que usou todo poder da máquina e do exército, para derrotá-lo.
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*Fonte: Blog Oficial do Jornal da Tribuna da Imprensa. Matéria pode ser republicada com citação do autor.