Domingo, 14 de novembro de 2021
Por Fernando Tolentino*
Goiás acaba de perder o governador Iris Rezende (MDB), um dos políticos de maior carisma que conheci.
Depois de se eleger vereador em 1959 e deputado estadual em 1962, Iris foi eleito prefeito de Goiânia em 1965, já após o golpe militar.
Mas foi cassado em outubro de 1969, com base no AI-5, tendo os direitos políticos suspensos por 10 anos. Algumas de suas obras e, principalmente, os mutirões para a construção de moradias populares haviam feito dele uma candidatura tida como imbatível ao governo de Goiás na eleição de 1970.
Afastado da política, Iris tornou-se o governador que os goianos não tiveram. E assim permaneceu até que, anistiado, foi em 1982 lançado pelo PMDB.
O quadro partidário sofrera grande mudança em 1980. Desapareceu o bipartidarismo da ditadura militar. No lugar da governista ARENA, surgiu o PDS. Parte dela deu lugar ao PFL. O MDB procurou se manter unido, como PMDB. Além deles, surgiu o PT, originado principalmente das lutas do movimento operário do ABC, e dois partidos que reivindicavam a herança do trabalhismo anterior ao golpe de 1964, o PDT, sob a liderança de Brizola, e o PTB, sob influência governista.
Mesmo sem eleições, as esquerdas de Brasília resolveram se estruturar em partidos e dividiram-se entre o PT, o PDT e o PMDB. A falta de eleições fez o PMDB ganhar forte viés esquerdista, já que políticos conservadores não se interessaram pela participação e ele abrigou as militâncias de partidos ainda então clandestinos: PCB, PCdoB e, mais adiante, MR8.
A luta definida como prioritária pelo PMDB foi justamente pela conquista de eleições em Brasília. Em 1982, a tática adotada foi fazer campanhas de outros estados, sendo priorizados Pedro Simon (Rio Grande do Sul) e Iris Rezende (Goiás).
Participei ativamente da campanha no entorno goiano, com militantes do PCdoB e atraindo os do PMDB de cidades do Distrito Federal vizinhas às de Goiás.
Junto com o nome de Iris Rezende para governador, levamos o de Mauro Borges (senador) e, para deputado federal, Aldo Arantes, que o PCdoB lançou com a legenda do PMDB.
Plantamos a campanha pelo menos em Formosa, Valparaíso, Cidade Ocidental, Novo Gama, Luziânia, Padre Bernardo, Planaltina de Goiás (Brasilinha) e Santo Antônio do Descoberto.
Uma invasão de militantes desfilava em cada cidade, pintava os muros com caprichosas propagandas dos candidatos, depois de prévia consulta aos moradores, que eram também convidados para uma plenária no final do dia. Em Formosa, a reunião foi precedida da exibição de "O Homem Que Virou Suco" (de João Batista de Andrade) em um cinema que estava desativado.
A partir daí, a campanha de cada cidade ficava sob a responsabilidade de um militante. Fiquei com Brasilinha, juntamente com Thâmar, Beth e outros companheiros. Uma maratona de correr a cidade no fim de semana, procurando conversar com as pessoas em suas casas e comícios em todas as quintas-feiras, nos quais me cediam espaço de fala, como representante de Aldo.
No primeiro comício, eu estranhei quando pelo menos a metade do público se retirou mal comecei a falar. Por trás de mim, sussurraram-me que alongasse o discurso, pois o público voltaria. Haviam saído porque era a hora do churrasco no comício do PDS. Depois de comerem o sanduíche de carne, realmente voltaram e ouviram o que eu ainda tinha a dizer.
Na época, cada partido podia lançar até três candidatos para prefeito. Somavam-se as votações de todos e o eleito era quem tivesse mais votos entre eles.
O resultado da campanha foi compensador. Aldo teve cerca de 2 mil votos no entorno e por volta de 1.200 em Brasilinha, onde Aldo esteve uma só vez, no grande comício de Iris.
O regente dessa orquestra foi o jornalista Jaime Sautchuck, recentemente falecido.
Aldo fazia a campanha (na época durava alguns meses) sem um carro sequer para seu uso pessoal. A coordenação da campanha em Brasília promoveu a rifa de uma obra cedida pessoalmente pelo artista plástico Elifas Andreato e conseguiu adquirir uma perua Brasília.
Vários bilhetes foram passados a parlamentares solidários com aquela campanha quase heroica. O senador Teotônio Vilela sensibilizou-se com a situação e doou um som para ser colocado no carro.
Com ele instalado, um pequeno grupo de jornalistas o levou para Goiânia. Foi uma viagem memorável. Jaime, Moacir Oliveira Filho (Moa), Antônio Carlos Queiroz (ACQ) e eu percorremos os cerca de 200 km em quase 8 horas, tempo empregado para pichar toda superfície que desse visibilidade ao nome de Aldo Arantes.
Como isso incluía as costas de placas de sinalização, o veículo foi apreendido pela Polícia Rodoviária em Anápolis. Um providencial contato com o jornalista Valdimir Diniz, então assessor de imprensa do ministro Mário Andreazza, dos Transportes, permitiu que a caravana alcançasse o seu intento. No final da tarde, a Brasília e seus felizes ocupantes entravam em Goiânia e, após repetidas buzinadas, anunciavam diante de uma plenária da campanha pelo acanhado, mas simbólico, som do carro que vinham fazer a sua entrega aos camaradas goianos.
Aldo Arantes alcançou a primeira suplência pelo PMDB, mas cumpriu praticamente todo o mandato, na vaga de José Freire, nomeado secretário de Segurança Pública por Iris Rezende.
A eleição de Iris, como diversos outros governadores do PMDB, foi importante para a campanha das Diretas Já (1984).
Participei intensamente dela, como um de seus coordenadores em Brasília, e fui a pelo menos dois comícios em outras capitais: São Paulo e Goiânia.
No comício de Goiânia, pude ver de perto o impressionante carisma de Iris Rezende. Chamou-me a atenção como os goianos não paravam para ouvirem os oradores, mesmo políticos conhecidos nacionalmente. Era um desfile incessante daquela multidão.
Detiveram-se apenas para ouvir Iris e seu jeito peculiar de dirigir-se ao seu povo. Era como se falasse com cada um e cada uma. "Quero dizer aos professores, aos comerciantes, aos agricultores..." Ao meu lado, uma senhora ergueu uma criança para que visse Iris. E murmurava: "E as viúvas?". E ele voltava: "Lembro a você, estudante, ao servidor público, ao profissional liberal..." Dispus-me a carregar a criança, para que ficasse mais acima, enquanto escutava a mulher: "As viúvas." Adiante, o governador fez novo chamamento: "Os aposentados, as viúvas." E aquela senhora respirou aliviada.
Esta semana, quantas daquelas pessoas sentiam-se chamadas pelo líder que se despedia definitivamente de todos os goianos e goianas?
Fernando Tolentino —Jornalista e Administrador