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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O LABORIOSO ESTADISTA E O IGNORANTE PREGUIÇOSO – UMA HISTÓRIA REAL

Quinta, 18 de novembro de 2021



Felipe Quintas e Pedro Pinho*

Corria o ano de 1969, Emílio Garrastazu Médici assumira a presidência do Brasil; Jair Messias Bolsonaro completara 14 anos.

O golpe, organizado e financiado pelos Estados Unidos da América (EUA), no Brasil, com apoio de parcela dos militares e de empresários que preferiam mamar nas tetas do Estado a aceitar os desafios do desenvolvimento, prosseguia com o terceiro mandatário. Houve golpe dentro do golpe, mudanças de pessoas e de interesses políticos, entre 1º de abril de 1964 e 30 de outubro de 1969. O desenvolvimento nacional, inaugurado por Getúlio Vargas e continuado por Juscelino Kubitschek e João Goulart, tornara-se imperativo e sobrepujara os comandos imperialistas. Os EUA tentaram derrubar a Era Vargas em 1964, mas ela se provara mais forte do que o Tio Sam.

Médici aproveitaria o fim dos “30 anos gloriosos”, expressão cunhada pela Academia Francesa de Economia Política para designar o período que vai do fim da II Grande Guerra (setembro de 1945) ao início das crises do petróleo (outubro de 1973), para promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Entre 1969 e 1973, a economia brasileira registrou taxas de crescimento que variavam entre 7% e 13% ao ano. Foram realizadas grandes obras de infraestrutura, conforme aprovadas no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) – 1972-1974, e o crescimento das pessoas ocupadas, à taxa média anual de 4,3% no período, bem superiores à taxa de crescimento demográfico. Registrou-se pleno emprego, com a taxa de desemprego inferior a 2%, e a participação da massa salarial na renda nacional alcançou sua máxima histórica, de pouco mais de 47%.

Em 1971, foi lançado o Fundo de Assistência Rural (FUNRURAL), que previa benefícios de aposentadoria e o aumento dos serviços de saúde até então concedidos aos trabalhadores rurais. Entre outras medidas, o FUNRURAL previa a aposentadoria por velhice e por invalidez para trabalhadores rurais maiores de 70 anos de idade, no valor de ½ salário mínimo; pensão, equivalente a 70% da aposentadoria, e auxílio funeral, para dependentes do beneficiário; serviços de saúde, incluindo assistência médico-cirúrgico-hospitalar e tratamento odontológico; serviço social em geral. A efetividade do programa estava garantida, uma vez que a legislação que o criou também estabeleceu a obtenção de recursos para sua implementação.

O FUNRURAL distinguia-se do sistema previdenciário urbano em pelo menos três aspectos: 1) seu financiamento era feito através de um imposto sobre a comercialização dos produtos rurais e, em parte, por tributação incidente sobre as empresas urbanas, em lugar de uma concepção contratual; 2) os trabalhadores rurais não faziam qualquer contribuição direta para o fundo; 3) não existia estratificação ocupacional entre os trabalhadores rurais. Durante a década de 1970, a cobertura previdenciária foi estendida ainda às categorias profissionais que haviam sido marginalizadas nos planos anteriores. Entre as medidas deste período estavam: a inclusão dos empregados domésticos (1972), a regulamentação da inscrição de trabalhadores autônomos em caráter compulsório (1973), a instituição do amparo previdenciário aos maiores de 70 anos de idade e aos inválidos não segurados (1974) e a extensão dos benefícios de previdência e assistência social aos empregadores rurais e seus dependentes (1976). Ao longo da década de 1970, a pobreza foi reduzida em 40%, e, em 1980, o investimento público social em relação ao PIB era o triplo de 1960, com base num PIB muito maior.

Foram criados o PIS-PASEP, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Projeto Rondon, para estudantes universitários conhecerem o Brasil e ajudarem nas ações sociais, a EMBRAPA, a TELEBRÁS, a Dataprev, a EMBRAER, a hidrelétrica Itaipu Binacional e, em 1971, a Central de Medicamentos – CEME, para fornecer a preços acessíveis medicamentos para pessoas sem condições econômicas de os adquirirem no mercado (esta extinta em 1997, no mandato de Fernando Henrique Cardoso).

Disso tudo resultou o desenvolvimento, que exigiu grande aumento no consumo de petróleo. Em 1964, à época do golpe, o Brasil importava cerca de 78% do petróleo que consumia. Os investimentos realizados, sobretudo após 1966, permitiram atingir, em 1973, a produção nacional de 170 mil barris por dia (b/d). No entanto o consumo resultante do acelerado desenvolvimento no Governo Geisel, fazia com que esta produção significasse 16,5% da necessidade nacional.

Em 15 de agosto de 1971, os EUA, pressionados pela inflação e pelo aumento do custo das reservas, rompe o Acordo de Bretton Woods, firmado em 1944, que mantivera a estabilidade monetária e que permitira os “anos gloriosos”. O mundo todo sofre com esta decisão unilateral dos EUA. As taxas de juros, fixadas pelo FED, que se mantinham desde 1960 sempre abaixo de 3% a.a. passam a 8,10%, em 1970, e 10,51% a.a. no mesmo ano da posse do Presidente Ernesto Geisel (15/03/1974).

Como se pode observar, o Brasil crescera, ampliara o consumo, adotara políticas sociais, numa expectativa de energia barata e juros compatíveis com os resultados da economia. Subitamente, as finanças internacionais, buscando derrotar o poder da indústria, conseguem reverter este quadro: as “crises” do petróleo e as taxas de juros vão pressionar o governo Geisel.

Nem de longe as condições atuais do Brasil se comparam com as dos anos 1970.

Primeiro, o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo e derivados e só não favorece a nação com esta capacidade por interesses ideológicos (neoliberalismo) e pela venalidade da classe dirigente: civis e militares que ocupam o governo. Depois, longe de estar pressionado por altas taxas de juros, o Brasil tem reservas internacionais nunca antes acumuladas: US$353,44 bilhões e tem condição de exportar minerais e produtos agropecuários, em preços e volumes capazes de equilibrar a pauta de importações.

Por que então vivemos esta miséria crescente, desde 2017?

Não temos governantes capazes, que arregacem as mangas e se empenhem na solução dos problemas. Estes governantes, desde 2016 sumiram do País. Também não há competência política nem administrativa. São governos dirigidos pelos capitais apátridas, sediados nos paraísos fiscais, onde muitos, senão todos – elites e dirigentes, também colocam seus recursos financeiros. E estes capitais estão envolvidos com os tráficos de drogas (confira com os narcotraficantes em conexão com o Primeiro Comando da Capital (PCC paulista, há 26 anos com os tucanos do PSDB) obtendo 18 permissões de garimpo, conforme agência Spotlight) e de pessoas (exportação de crianças para exploração sexual no Oriente Médio, onde se encontram, neste novembro/2021, Jair Messias e Paulo Guedes) além de outras atividades ilícitas e de milícias protegidas pelo Estado.

À crise do petróleo, Ernesto Geisel não respondeu com a venda da Petrobrás, da Eletrobrás, para ficar livre do problema, as entregando ao “mercado”. O Estadista investiu na produção de derivados de óleo e gás natural, construindo e reformando refinarias, ampliando a pesquisa tecnológica para produção de petróleo em águas oceânicas e dos folhelhos betuminosos (xisto) – este empreendimento (SIX) doado, com custos imensos a serem suportados pela Petrobrás, pelo atual Conselho de Administração da companhia ao banco comercial privado Forbes & Manhattan Resources, sediado em Toronto – também iniciou, com o Proálcool, a produção de energia da biomassa, no Brasil, e, enfrentado a oposição dos EUA, implantou a energia nuclear no País (Nuclebrás).

Também como Médici, Geisel investiu na área social, criando a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE) que, entre muitas atividades, empreendeu o levantamento do folclore brasileiro, registrado nos Cadernos de Folclore (publicados 27 estudos até 1978, por Édison Carneiro, M. Diégues Júnior, Luís da Câmara Cascudo, Beatriz G. Dantas, Théo Brandão, entre outros) e a série Folclore Brasileiro, que até o fim de seu governo já editara o levantamento em nove estados brasileiros, da literatura e linguagem oral, danças, folguedos, cultos, arte e artesanato, música, culinária, festas tradicionais e de outras manifestações.

Hoje, com a ergofobia do Presidente e seu entourage, e com o pretexto de seguir o neoliberalismo, a teologia neopentecostal da prosperidade e a aliança com os EUA e o Estado de Israel, tudo é entregue ao “mercado”, constituído pelos capitais apátridas, e ao estrangeiro. Embora ilegítima em sua origem, a ditadura militar buscou construir a legitimidade por amplos programas de desenvolvimento econômico e social que elevaram a Era Vargas a um patamar que o próprio Getúlio não imaginava ser possível em tão pouco tempo. O governo Bolsonaro, embora legítimo em sua origem, constrói sua ilegitimidade ao abdicar de governar o país, sacrificando a Nação em reverência ao “touro de ouro” da B3, versão brasileira do bíblico bezerro de ouro, símbolo da ganância, da agiotagem e da maldade.

Que falta nos fazem dirigentes laboriosos e nacionalistas, mesmo com governos autoritários. Pois também sofremos hoje com a opressão das mídias, das milícias, do crime e da miséria. E as mentiras que os atuais dirigentes contam de nosso País no exterior, nos envergonham e humilham.

* Felipe Maruf Quintas, doutorando em Ciência Política, e Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

TRANSCRITO DO PÁTRIA LATINA