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(Millôr Fernandes)

sábado, 11 de junho de 2022

COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 — PARTE IV

Sábado, 11 de junho de 2022
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 11 de junho de 2022

No primeiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE I, explorei alguns dos procedimentos utilizados nas campanhas eleitorais baseadas no “voto fisiológico”. Mencionei: a) a contratação interesseira de cabos eleitorais e b) a compra de lotes de votos controlados por certas lideranças comunitárias, religiosas e afins. Destaquei, ainda, que paralelamente ao “fisiologismo pesado” (ou hard) convivem fisiologismos “mais leves” (ou soft).

No segundo escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE II, foram analisados três tipos de fisiologismos mais leves e muito comuns no universo das campanhas eleitorais nesta quadra da história do Brasil. São eles: a) os voltados para a formação de grupos políticos; b) os criados a partir da distribuição enviesada de recursos decorrentes de emendas parlamentares e c) aqueles constituídos por forte inspiração corporativa ou institucional, em especial a religiosa.

O terceiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE III, abordou o “voto de opinião”. Anotou-se que, nesse campo, a preferência eleitoral não está baseada na perspectiva de obtenção de vantagens mensuráveis em pecúnia. Em geral, o eleitor busca identificação com propostas programáticas e verifica a trajetória de vida do candidato nos planos profissionais e políticos, notadamente a ocupação de funções públicas (eletivas ou não).

No campo do “voto de opinião” existe um comportamento, marcado pela boa-fé, que reclama uma especial atenção. Refiro-me aos candidatos a cargos parlamentares que apresentam propostas excessivamente genéricas ou proposições típicas da implementação de políticas públicas formatadas e conduzidas pelo Poder Executivo. Eis alguns exemplos: a) “em defesa da educação”; b) “pela saúde da população”. c) “empregabilidade”; d) “segurança com policiamento constante”; e) “direitos dos trabalhadores garantidos” e f) “transporte público acessível para todos”.

Ocorre que no exercício dos mandatos parlamentares não se dispõe de instrumentos para realização abrangente ou direta de políticas públicas. Mesmo as emendas ao orçamento, apresentadas pelos parlamentares, são pontuais. Percebe-se, mesmo entre os postulantes a cargos no parlamento, uma considerável dificuldade de entender o papel e a extensão da atuação do vereador, deputado (estadual ou distrital) ou senador.

O parlamentar atua fundamentalmente na tomada de decisões mais estratégicas. Com algumas exceções, como a atuação em comissões de inquérito, a realização de pronunciamentos e a participação em audiências, a atividade parlamentar envolve basicamente a tomada de decisões em torno da formação e alteração da ordem jurídica. Alguns exemplos são ilustrativos, consideradas as competências federais, estaduais, distritais e municipais: a) votação das leis orçamentárias (e, portanto, definição das prioridades de realização de gastos públicos); b) deliberação acerca dos atingidos pela tributação e os níveis incidentes; c) fixação da organização da Administração Pública e d) estabelecimento de diretrizes para a execução das políticas nas áreas de educação, saúde, cultura, mobilidade e tantas outras.

Vejamos um exemplo recente e emblemático. Em relação a esse assunto, assim como inúmeros outros, os parlamentares federais foram chamados a decidir no curso do processo de elaboração da legislação (a função primordial do detentor de mandato eletivo). Ao decidir, o parlamentar “escolheu um lado” na disputa de interesses subjacente à definição plasmada no futuro diploma legal.

No dia 1o. de junho de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, no âmbito do Projeto de Lei n. 4.188, de 2021, de autoria do (des)governo Bolsonaro, uma proposta que permite que bancos e instituições financeiras possam penhorar o único imóvel, mesmo residencial, de uma família para quitar dívidas. A medida pretende superar a impenhorabilidade desse tipo de imóvel prevista na Lei n. 8.009, de 1990. Portanto, tínhamos (e ainda temos, até a conclusão do processo legislativo) uma preferência dada ao direito de moradia, frente ao direito de crédito, que já vigorava por mais de 30 (trinta) anos. A justificativa governamental de que o projeto irá reduzir juros e garantir mais crédito barato é risível.

Esse tema é especialmente importante porque guarda estreita relação com o principal mecanismo de produção de desigualdades socioeconômicas no Brasil. Afinal, o rentismo na atual quadra brasileira consegue produzir uma transferência de riqueza da ordem de 1,5 trilhão de reais do Poder Público, das famílias e das empresas para um punhado bem pequeno de privilegiados. São dois os elementos a serem considerados: a) o grau altíssimo de endividamento e b) as taxas de juros elevadíssimas (as maiores do mundo).

Somam-se a esse quadro: a) uma inflação significativa e crescente (em grande parte decorrente da política de preços para os combustíveis claramente contrária aos interesses nacionais, da maioria da população e em afronta aberta à Constituição); b) altos níveis de desemprego; c) um mercado consumidor relativamente pequeno e d) um (des)governo autoritário, fomentador de discriminações e voltado para atender os interesses dos privilegiados de sempre. Temos, então, uma “tempestade perfeita” onde direitos sociais são restringidos ou negados, políticas públicas de proteção dos mais vulneráveis são desarticuladas, a miséria e a fome crescem consideravelmente, as manifestações culturais são menosprezadas e tantas outras consequências nefastas são verificadas.

Nesse sentido, é preciso que o candidato (do “voto de opinião”) formule ou apresente um programa de atuação parlamentar mais detalhado ou específico, em linha com a agremiação partidária a que pertença, para que se possa identificar os critérios e valores a serem utilizados no momento do voto ou da decisão no âmbito do exercício do mandato. Afinal, a política é na essência um exercício de escolhas ou, em outras palavras, uma forma de mediação entre os grandes interesses existentes na sociedade.

Na perspectiva do eleitor é preciso identificar como o parlamentar se comportará nos vários conflitos estabelecidos ou que venham a existir. Quais os interesses a serem defendidos? Qual o lado a ser adotado? Quais os modelos de atuação estatal a serem prestigiados? Essas e várias outras questões precisam ser verificadas ou analisadas pelo eleitor.

Em suma, a escolha do candidato é algo muito relevante. As decisões a serem tomadas no exercício do mandato parlamentar, notadamente as leis aprovadas ou modificadas, afetarão a vida de todas as pessoas nos mais variados sentidos e intensidades possíveis.