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(Millôr Fernandes)

domingo, 5 de junho de 2022

Privatização das praias brasileiras

Domingo, 5 de junho de 2022

Privatização das praias brasileiras
                  Foto: Reprodução Pixabay gratuito

Há bastante tempo, vem-se notando a invasão informal de enormes empreendimentos que não permitem às pessoas banharem-se ou, até mesmo, apreciarem o mar, lagoas e rios


Do Blog Contexto Exato

Por Por Salin Siddartha

Sem embargo de as praias litorâneas, lacustres e fluviais serem terrenos de marinha e bens de uso comum da população, o fato é que, crescentemente, vêm sendo constituídas praias particulares, cujo acesso é permitido apenas a moradores de condomínios, a hotéis, clubes e diversos empreendimentos imobiliários que se apropriam dessas áreas.

Outrossim, na Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, escapou uma referência crítica aos loteamentos e construções que, nas áreas litorâneas, lacustres e fluviais privatizam, num afã imobiliário incomensurável, o uso das praias que, por sua própria natureza, são patrimônio comum, não podendo, desse modo, serem subtraídas ao lazer popular, como vem acontecendo por todo litoral e áreas praianas do nosso país.

Como exemplos, no momento em que estamos redigindo esta matéria, tramitam, no Congresso Nacional, duas proposições legislativas que pretendem privatizar os terrenos de marinha e de uso comum: o Projeto de Lei nº 4.444/2021 e a Proposta de Emenda à Constituição nº 03/2022. Aquele ainda está sob apreciação na Câmara dos Deputados, e esta já foi aprovada naquela Casa e, agora, encontra-se em regime de urgência para ser votada no Senado Federal a qualquer momento.

O Projeto de Lei nº 4.444/2021 pretende reservar o uso de 10% do trecho de areia das orlas e praias marítimas, estuárias, lacustres e fluviais do Brasil para fins de exploração de hotéis, clubes e empreendimentos imobiliários. Considerando-se que, no caso do litoral brasileiro, 10% das praias representam cerca de 750 quilômetros – área superior aos litorais de São Paulo (662 km) e Paraná (98 km) juntos –, se o PL 4.444/2021 for aprovado, será mais um descaso da legislação a gerar problemas para a sociedade e também ao meio ambiente, pois submeterá os ecossistemas praianos à ganância do capital, em uma sanha destrutiva do bem público de uso comum, porque muitos são os benefícios fornecidos pelas praias, dentre eles a alimentação, a proteção contra alagamentos, inundações e erosão, a tradição cultural, bem como a recreação e o lazer.

Há bastante tempo, vem-se notando a invasão informal de enormes empreendimentos que não permitem às pessoas banharem-se ou, até mesmo, apreciarem o mar, lagoas e rios. Então, se legalizada for, a privatização das praias impossibilitará, definitivamente, o exercício do direito de ir e vir das pessoas, para atender os interesses dos grandes incorporadores imobiliários nacionais e estrangeiros.

Quanto à PEC 03/2022, que pode ser votada pelo Senado Federal a qualquer momento, ela acaba com os terrenos de marinha, ao propor a transferência de propriedade das terras do Governo Federal para os Estados e Municípios, repassando as faixas territoriais de 33 metros à margem dos cursos de água e do mar, da titularidade da União para seus ocupantes, dando a essas unidades federativas a possibilidade de privatizarem essas áreas ou, simplesmente, fazê-las desaparecer. Assim, os terrenos de marinha deixariam de ser bens da União para agraciar a propriedade privada.

Essa situação é intolerável, e urge seja dada uma solução à questão por intermédio de uma outra proposição legislativa (“ex-adversa”), já que os parlamentares do Congresso Nacional devem ficar atentos para impedir que se proíba a privatização de praias litorâneas, lacustres e fluviais expressamente em lei.

Sabemos que alguns deputados federais já demonstraram interesse em apresentar projeto de lei que impeça a concretização desse absurdo que em nada contribui para o aprimoramento da vida social brasileira. Em se tratando de providência democrática cujo anelo é o bem comum, é de se esperar que uma proposição legislativa venha a coibir que seja privado o acesso da população às praias brasileiras.

Guará-DF, 2 de junho de 2022
SALIN SIDDARTHA

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