Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

COMO O VOTO FISIOLÓGICO ELEGEU TONHO DA LUA

Sexta, 16 de setembro de 2022
Aldemario  Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 16 de setembro de 2022

Paulo Antônio Zinca herdou a condução dos negócios da família. O carro-chefe das atividades era a empresa ZXC SERVIÇOS LTDA, que prestava serviços de vigilância e limpeza para dezenas de repartições do Estado de Sucupira. A relação de mais de quinze anos entre a empresa e o Poder Público estava marcada por deficiências de fiscalização pelos agentes públicos, denúncias de preços bem superiores aos praticados no mercado e centenas de milhões de reais pagos sem cobertura contratual.

Com a proximidade das eleições para escolha do novo governador de Sucupira, Paulo Antônio precisava garantir a necessária influência política sobre o novo governo. Em última instância, precisava manter intocáveis e lucrativos os negócios da família, notadamente a atuação da empresa ZXC SERVIÇOS LTDA.

Para viabilizar esse objetivo negocial foi escolhido um membro da família para ser eleito Deputado Estadual. O indicado para a tarefa foi Tonho da Lua, irmão mais novo de Paulo Zinca. Tonho era um sujeito meio abobalhado, característica que rendeu o apelido. Seu nome de batismo e registro cartorial era André Antônio Zinca.

Para efetivar a eleição do irmão, Paulo Antônio reservou a quantia de R$ 5 milhões de reais. Na sequência, realizou os contatos com as pessoas certas. Começou a “campanha eleitoral” de Tonho da Lua com uma produtiva conversa com pastor Patrício Rosque, o conhecido PR, ministro da Igreja do Evangelho Transcendental dos Últimos Dias. O pastor Rosque tinha influência ou controle sobre 500 votos da comunidade de Santa Mary. Todos esses eleitores estavam devidamente cadastrados com nome, endereço e, principalmente, zona e seção eleitoral em que votavam.

A “negociação” entre Paulo Antônio e Patrício Rosque foi conduzida nos seguintes termos:

a) PR recebeu R$ 100.000,00 em dinheiro vivo;

b) PR forneceu a lista dos 500 eleitores agrupada por seção eleitoral (20 votos na seção 267, 35 votos na seção 269, 42 votos na seção 271 e assim por diante);

c) no final do dia eleição seriam conferidos, pelos boletins de urna, a quantidade de votos “contratados” em cada seção eleitoral para o candidato Tonho da Lua;

d) garantidos os votos para o candidato, o pastor PR receberia, no dia seguinte ao pleito, o valor de R$ 200.000,00, também em dinheiro vivo.

A negociação com o pastor PR foi repetida outras dezenas de vezes com outros pastores e lideranças comunitárias. Ao final da “campanha” eleitoral de Tonho da Lua, que também contratou algumas centenas de cabos eleitorais e fez promessas de vantagens e empregos para eles e familiares, foram contabilizados 18.369 votos nas urnas no Estado de Sucupira. Com esse número de votos “legitimamente” obtidos e rigorosamente contabilizados pelas urnas eletrônicas, o novo Deputado Estadual estava eleito e os negócios da família garantidos por mais quatro anos.

Meu novo livro trata desse assunto. O título e subtítulo da obra é o seguinte: “COMO ESCOLHER SEU DEPUTADO. Pequeno manual para orientar o eleitor no dia 2 de outubro de 2022”. Ele está disponível no meu site no seguinte endereço eletrônico: aldemario.adv.br.

Explorei, em linhas gerais, os dois tipos básicos de votos: a) fisiológico e b) de opinião. Registrei que a construção de uma sociedade livre, justa e sustentável exige que o “voto fisiológico”, aquele que elegeu o Deputado Tonho da Lua, seja minoritário e, no limite, alcance a posição de ser meramente residual. Para tanto, três caminhos foram recusados, inclusive por ineficiência: a) a atuação de mitos, super-heróis, salvadores da Pátria, escolhidos por Deus ou coisa parecida; b) o recurso a golpes ou soluções autoritárias e c) a confiança platônica nas instituições estatais para operar mudanças profundas na realidade social. Apontei como único caminho aceitável, embora demorado e trabalhoso, aquele pautado por altas e energéticas doses de conscientização, organização e mobilização políticas, com a utilização de ferramentas educacionais e democratização econômica dos meios de comunicação.

A conclusão, e resumo, do livro pode ser observada na seguinte passagem: “caro eleitor, preste atenção, por favor, em relação aos candidatos:

a) na trajetória pessoal, profissional e política;

b) na forma de fazer política e, especialmente a campanha eleitoral;

c) nas propostas e compromissos apresentados e

d) sobretudo, nos interesses socioeconômicos defendidos ou representados (em que “lado” está o postulante)”.