Quinta, 6 de abril de 2023
Carta ao futuro: precisamos de paz.
Profa. Fátima Sousa*
Estamos em 5 de abril de 2038. Passaram-se 15 anos desde o dia em que vocês partiram sem saber o porquê. Certamente vocês já estariam matriculados numa universidade pública. Imagino que estariam em Blumenau, ou em qualquer outra cidade brasileira, preparando-se para uma carreira profissional brilhante. Imagino que vocês estariam na saúde, nas engenharias, no direito ou quem sabe preparando-se para serem professores, assim como eu.
Como professora e enfermeira sanitarista, promotora da paz e não violência, estaria vibrando junto com suas famílias ao verem seus nomes na lista de aprovados no vestibular, ou mesmo assistindo a conclusão do ensino médio e fazendo todos os esforços para que vocês tivessem êxito em todas as fases de seleção para suas carreiras futuras.
A violência brutal não havia alcançado nenhum de vocês e as dores na alma de suas mães e pais não estariam instaladas para todo sempre. Vocês nem conseguiram chegar à adolescência, não conhecerem seu algoz, mas conheceram a força da lâmina que ceifou suas vidas abruptamente.
Mas porque escrever a um futuro que não chegará a estas crianças? Porque precisamos falar sobre a violência descabida e torpe que tem assolado nossos espaços de saber: escolas, creches e universidades, dentro e fora do Brasil.
Depois da pandemia da COVID-19, imaginei que as pessoas, ao se verem diante da morte, dos lutos, das perdas irreparáveis, sairiam desta tragédia humanitária infinitamente melhores. Onde o amor a si e ao próximo seria o alimento de suas almas.
Mas o que leva um homem entrar numa creche com machado nas mãos para tirar a vida de cinco crianças? Estaríamos falidos como seres humanos? Onde habita a compaixão? Para onde foi a empatia, um sentimento gerado pela capacidade de sentir-se como outra pessoa e colocar-se na condição do outro? Perdeu-se completamente o respeito à ética da vida? E a obrigatoriedade do respeito ao cumprimento das leis de um país?
Essas e outras questões que me faço no calor da tristeza ficarão sem respostas, mas certamente o futuro há de nos prover de valores que nos façam acordar para o tempo de paz que nos bate à porta com urgência. Blumenau chora e todo o Brasil chora junto. Aqui, minhas lágrimas escorrem também.
*Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Doutora honoris causa pela Universidade Federal da Paraíba e pós-doutora pela Université du Québec à Montréal.