Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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quinta-feira, 25 de maio de 2023

ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO – PARTE II

Quinta, 25 de maio de 2023


ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO – PARTE II


Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 26 de maio de 2023

No texto “ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO ...”, datado de 7 de abril de 2023 [acesse aqui], destaquei a notícia de que a fortuna do homem mais rico do mundo alcançou a impressionante cifra de 1,1 trilhão de reais. Disse mais. Para se ter uma mínima ideia do tamanho desse patrimônio, podemos imaginar uma inusitada situação. Para o trilionário Bernard Arnault, maior acionista do conglomerado LVMH, “consumir” sua fortuna, precisaria gastar cerca de 30 milhões de reais por dia durante 100 anos.

Outra notícia, veiculada no dia 1º de maio de 2023, reforça a afirmação anterior de que existe algo muito errado neste mundo. Segundo dados do relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), considerada uma das principais entidades globais de análise de conflitos, os gastos militares bateram o recorde de 2,24 trilhões de dólares, algo em torno de 11 trilhões de reais, em 2022 (fonte: noticias.uol.com.br).

Esta é a lista dos dez países com maiores despesas na área militar no ano de 2022: a) Estados Unidos (US$ 877 bilhões, equivalente a R$ 4,44 trilhões); b) China (US$ 292 bilhões, equivalente a R$ 1,47 trilhão); c) Rússia (US$ 86,4 bilhões, equivalente a R$ 437 bilhões); d) Índia (US$ 81,4 bilhões, equivalente a R$ 412 bilhões); e) Arábia Saudita (US$ 75 bilhões, equivalente a R$ 379 bilhões); f) Reino Unido (US$ 68,5 bilhões, equivalente a R$ 347 bilhões); g) Alemanha (US$ 55,8 bilhões, equivalente a R$ 282 bilhões); h) França (US$ 53,6 bilhões, equivalente a R$ 271 bilhões); i) Coreia do Sul (US$ 46,4 bilhões, equivalente a R$ 235 bilhões); e j) Japão (US$ 46 bilhões, equivalente a R$ 233 bilhões).

Recupero alguns dados apresentados no escrito anterior (“ALGO MUITO ERRADO NESTE MUNDO ...”). Segundo o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU: a) quase 924 milhões de pessoas, ou 11,7% da população global, enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos e b) quase 3,1 bilhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável em 2020 (fonte: brasil.un.org). A alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou que "mais de 4 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial, não têm acesso a nenhum tipo de proteção social" (fonte: vaticannews.va).

Apresento outros dados igualmente estarrecedores. Segundo o relatório Poverty and Shared Prosperity (Pobreza e Prosperidade Compartilhada), do Banco Mundial, divulgado em 2022, cerca de 719 milhões de pessoas sobreviviam com menos de 2,15 dólares por dia no final de 2020 (fonte: ambientelegal.com.br). “Mesmo antes da pandemia de Covid-19 e da atual crise de custo de vida, os dados mostravam que 1,2 bilhão de pessoas em 111 países em desenvolvimento viviam em pobreza multidimensional aguda. Isso é quase o dobro do número de pessoas consideradas neste grupo com base na definição da pobreza, que é sobreviver com menos de US$ 1,90 por dia” (fonte: news.un.org). Essa última consideração decorre de análise realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Iniciativa Oxford de Pobreza e Desenvolvimento Humano, da Universidade de Oxford. O estudo, divulgado em outubro de 2022, não se concentra na renda para entender como as pessoas vivenciam a pobreza. São observados diferentes aspectos, desde acesso à educação e saúde, a padrões de vida como moradia, água potável, saneamento e eletricidade.

Disse antes, e repito agora, que a situação atual, tanto na sociedade brasileira quanto mundial, é perturbadora, para dizer o mínimo. Além das desigualdades socioeconômicas cada vez mais acentuadas também enfrentamos problemas enormes, como: a) uma crise ambiental profunda; b) uma forte financeirização parasitária da economia que coexiste com corporações transnacionais poderosas e Estados nacionais relativamente impotentes e c) a erosão dos valores democráticos e dos direitos humanos, que inclui a crise da democracia representativa tradicional e a abordagem ainda deficiente dos direitos da natureza e dos animais. Enfrentar essas questões e construir uma sociedade democrática, justa e sustentável é uma tarefa extremamente difícil, mas não é impossível.

Nesse contexto, é inacreditável, com toda dose de ingenuidade que possa ser atribuída a essa inquietação, que a humanidade, diante de todos os problemas humanitários destacados e outros tantos não mencionados, comprometa a montanha de recursos referida inicialmente com artefatos voltados para produzir dor, sofrimento e morte em magnitudes estratosféricos.

Onze trilhões de reais de despesas militares anuais no mundo quantificam, sem o menor espaço para dúvidas e tergiversações, o tamanho do atraso civilizatório vivenciado no Planeta Azul. Avançamos um bocado, desde os tempos da pedra lascada como artefato bélico, mas ainda engatinhamos nos primeiros degraus na escala universal do progresso moral. Reza a lenda que o grande Albert Einstein teria afirmado: “Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas poderei vos dizer como será a Quarta: com paus e pedras”.

Atualmente, entre os espíritas, e mesmo para além deles, é comum encontrar afirmações no sentido de que a Terra passa por uma peculiar transição. De um mundo de provas e expiações, em que o destrutivo prepondera sobre o construtivo, estaríamos passando para um mundo em que o positivo supera o negativo. Não rejeito o sentido geral da evolução planetária. Só não estou convencido de que estamos experimentando o aludido momento de transição. A realidade socioeconômica e os dados dela emergentes não parecem apontar nesse sentido. E, ainda, é preciso considerar a hipótese de a humanidade destruir toda a vida (tal como a conhecemos) num intervalo de tempo relativamente curto (poluição, aquecimento global, guerra nuclear, inteligência artificial descontrolada, etc).

Disse e repito. Antes de ser qualificado como comunista, como milhões e milhões de almas sensíveis à justiça social, expresso uma preocupação em sentido diverso. Esperanço (do verbo esperançar) uma organização socioeconômica da humanidade que antecipe o Céu (ou o Mundo Espiritual) na Terra. Sou um “ceuista”.

Acredito na possibilidade, ainda por aqui, de um sistema de produção e distribuição de riquezas que não transforme tudo em mercadoria, não destrua nossa casa cósmica e não persiga lucro e acumulação patrimonial acima de tudo e de todos. Se no Céu (ou no Mundo Espiritual) não existem desigualdades e injustiças sociais, é uma utopia legítima pretender que comecemos “imediatamente” a treinar ou nos acostumar com esses novos padrões de convívio como dominantes. Inegavelmente, são parâmetros radicalmente diferentes dos experimentados atualmente nos domínios de Arnault, da poderosa indústria bélica e companhia limitada (muito limitada, limitadíssima).

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Adeus Ano Velho

Terça, 7 de dezembro de 2021




Adeus Ano Velho

Por Ranulfo Vidigal*
Publicado no Monitor Mercantil em 6 De Dezembro De 2021


Os últimos capítulos da série espanhola Casa de Papel trabalharam, inteligentemente, com a força dos fatores simbólicos da moeda, do crédito e do ouro na formação da confiança dos detentores da riqueza financeira e da dívida pública ao redor do planeta.

No tempo presente, o mundo se afoga num oceano de moeda e crédito, fato inédito nos últimos 75 anos. Entretanto, a precariedade da situação é cada vez mais elevada, basta olhar a aceleração dos preços dos alimentos e a escassez de componentes industriais para setores estratégicos. Tudo aumenta de preços. Carros, computadores, vestuário, calçados, remédios, aluguéis, transportes, combustíveis etc. As mazelas da economia ficam mais transparentes quando explodem os preços. A carestia pega pesado na vida do trabalhador.

A questão central é que a crise que assola tanto a economia mundial, quanto a brasileira não tem como razão de fundo, apenas, a pandemia. Neste contexto, a estratégia de desenvolvimento conservadora e a política econômica ortodoxa já eram um rotundo fracasso antes da pandemia por estas bandas ao sul do equador.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Guerras caladas

Outubro
17

Guerras caladas

Hoje é o Dia contra a Pobreza.
A pobreza não explode como  as bombas, nem ecoa como os tiros.
 Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem, quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, em quem não votam, em que não creem.
  Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
     Será porque sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias(Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 329.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Combata a pobreza: Maquie os números

Dezembro
16

Combata a pobreza:
Maquie os números

Durante uns bons anos, os grandes meios de desinformação celebraram, com tambores e clarins, as vitórias na guerra contra a pobreza. Ano após ano, a pobreza batia em retirada.
Assim foi até o dia de hoje de 2007. Então, os especialistas do Banco Mundial, com a colaboração do Fundo Monetário Internacional e de alguns órgão das Nações Unidas, atualizaram suas tabelas do poder de compra da população do mundo. Num relatório do Intenational Comparisom Program, que teve escassa ou nenhuma difusão, os especialistas corrigiram alguns dados das medições anteriores. Entre outros errinhos, descobriram que os pobres somavam quinhentos milhões a mais do que tinham sido registrados pelas estatísticas internacionais.
Eles, os pobres, já sabiam disso.

Eduardo Galeano no livro ‘Os filhos dos dias’. 2ª edição —dezembro de 2012, página 394, Editora L&PM.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guerras caladas

Outubro
17

Guerras caladas

Hoje é o Dia contra a Pobreza.
A pobreza não explode como  as bombas, nem ecoa como os tiros.
 Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem, quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, em quem não votam, em que não creem.
  Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
     Será porque sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 329.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Pobreza mundial

Sexta, 10 de junho de 2016
Do resistir.info
por Prabhat Patnaik [*]
Previsões da OIT.




















A Organização Internacional do Trabalho (OIT) publica todos os anos o World Employment and Social Outlook . O relatório deste ano, divulgado em 18 de Maio, tem o sub-título "Transformar empregos para acabar a pobreza". Ali se apresentam estimativas do nível da pobreza mundial e do montante das transferências de rendimento para os pobres necessário para acabar com a pobreza mundial.

Antes de ir a estas estimativas, vale a pena discutir como a OIT define pobreza. Ela utiliza a mensuração do Banco Mundial do ano 2011 de que viver abaixo dos US$1,90 por pessoa por dia é a definição de "pobreza extrema" e viver entre US$1,90 e US$3,10 por pessoa por dia constitui "pobreza moderada" em "países emergentes e em desenvolvimento". Estas linhas de pobreza são convertidas para as divisas locais destes países através da utilização das "paridades de poder de compra" (PPC) de 2011 e não das taxas de câmbio nominais.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A morte anunciada em cada trilho

Terça, 8 de dezembro de 2015
siro (1) 
Siro Darlan*, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.

 
Um bebê de um ano e oito meses , Davi Lucas da Silva Pereira ( foto) “é atropelado por trem na Zona Oeste e morre. Anuncia uma manchete de jornal.
 
Mais uma vida foi ceifada pela negligência do agente público concessionária. Muitos são os casos semelhantes que chegam aos tribunais buscando a tardia indenização que custa muito mais do que se o agente tivesse sido diligente.
 
A legislação não é nova e desde o advento das primeiras ferrovias o legislador tem a firmado a responsabilidade objetiva da empresa de transporte que tem o dever de cercar e fiscalizar o leito por onde o transporte se movimenta.
 
A falta do cuidado com a vida, sobretudo dos mais desvalidos, operários que residem à beira dos leitos ferroviários que muitas vezes necessita se deslocar para a escola, para o trabalho ou para qualquer outra finalidade e não encontra a ferrovia protegida como a lei impõe com cercas e passarelas. A jurisprudência dos tribunais tem resistido aos lobbies empresariais após a série de privatizações e concessões desse serviço e mantido a responsabilidade objetiva prevista expressamente na lei.
 
No entanto já existe alguma oscilação atribuindo culpas concorrentes ou exclusivas das vítimas, muito embora não haja previsão legal para tais interpretações. Não se pode tergiversar com o bem maior a ser protegido, que é a vida e não há justificativa para cancelas e outras impropriedades utilizadas pelos caminhos de ferro com imprudência capaz de ceifar tantas vidas deixando órfãos e viúvas á mercê das interpretações judiciais e dos inúmeros recursos que retardam o pagamento das indenizações devidas.
 
Recentemente num debate entre ilustres magistrados, registreis os seguintes comentários: “… não se pode esquecer dos casos (que não são poucos) de gente morta pelos mais diversos motivos (infartos, crime, etc…) que é jogada na linha do trem”. Tal afirmação é uma afronta aos peritos oficiais que atestam as causas das mortes, como se todos fossem venais ou incompetentes. E outra ainda mais característica do preconceito de alguns quando afirma: “trem não sai dos trilhos; faz barulho e trepidação quando vem chegando; anda em velocidade reduzida em áreas urbanas. Assim a vítima só pode ser atropelada se estiver, distraída, embriagada ou drogada, agir com extrema imprudência ou pretender suicídio.”
1 
Nenhuma sensibilidade com crianças, idosos ou deficientes diante da gritante negligência de quem tem o dever de cercar e fiscalizar que é nitidamente poupado pelo poder econômico que representa.
 
E para coroar essa ladainha de preconceitos: “Acrescento ainda que, em 100% dos casos, os autores são beneficiários de justiça gratuita, mas somente para o pagamento das custas processuais”. O que é óbvio porque os caminhos de ferro não atravessam a zona sul e os pobres estão sujeitos à separação dos trilhos onde não há a proteção exigida pela lei. Coincidentemente essas mortes causadas pela negligência das concessionárias ocorrem nas mesmas áreas onde são maiores as mortes provocadas pelos chamados “autos de resistência” segundo a Justiça Global e são ferramentas que têm em comum minimizar o valor da vida de cidadãos que moram na periferia e são, em sua maioria negra e pobre.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O Nobel e a Economia Política

Quarta, 21 de outubro de 2015
Da Tribuna da Imprensa
HÉLIO DUQUE*

Alvíssaras! O ganhador do Prêmio Nobel da Economia, outorga patrocinada pela Academia Real de Ciências da Suécia, demonstra a importância da economia política. O economista Angus Deaton, professor de Economia e Relações Internacionais da Universidade de Princeton, nos EUA, tem a sua obra alicerçada no desenvolvimento com bem estar social. No seu livro “A Grande Fuga: Saúde, Riqueza e as Origens da Desigualdade”, analisa o desenvolvimento ao longo de dois séculos. Ao receber a notícia da premiação, sua fala foi sobre a desigualdade entre pessoas e países, também traduzida atualmente na crise de refugiados que invade a Europa. Afirmando: “O que estamos vendo agora é o resultado de centenas de anos de desenvolvimento desigual nos países ricos, deixando boa parte do mundo para trás. Essas pessoas deixadas para trás querem uma vida melhor, e isso está colocando uma pressão enorme nas fronteiras entre os mundos rico e pobre”.

Não é um tecnocrata da economia para quem a macro e a micro economia deve servir apenas a produção da riqueza concentradora da renda. O economista Angus Deaton entende que o sistema econômico é constituído por um conjunto de grupos sociais e amplos setores produtivos interligados entre si. Resgata a essencialidade da economia política desde os tempos pré-capitalistas. Daí o professor Tyler Cowen, economista da Universidade George Mason, dos EUA, assim se referir ao ganhador do Prêmio Nobel: “Pensem em Deaton como um economista que olha de perto o que os lares pobres consomem para ter uma ideia melhor de seus padrões de vida e de possíveis caminhos para o desenvolvimento econômico. Penso nisto como um prêmio para o empirismo, a importância do desenvolvimento econômico, e indiretamente como um prêmio para a história econômica”.

Infelizmente, a partir do pós-guerra, a economia política foi rebaixada para ser vista como apenas economia, considerada Ciência Econômica. Nada mais equivocado. Ela é uma ciência social e não, como querem fazer entender, uma ciência exata. A inflexão da suposta exatidão tem na matemática, na econometria, na estatística e matérias afins, ministradas nos cursos de economia, instrumentos para a análise da realidade quantificável. Só isso. Enquanto a economia política enfoca, como faz o Nobel de Economia, a sobrevivência humana, valorizando as relações sociais, entendendo que a economia, além da produção, deve ocorrer a distribuição dos bens pelos quais o ser humano atende as suas necessidades básicas. Traduzindo: produção e distribuição constitui a base do processo econômico.

Em 1615, no auge da Revolução Comercial, ao escrever “Traité de d’économie Politique”, o francês Antoine Montchrestien, fundamentava a relação na sociedade das classes detentoras de capital, os proletários e os latifundiários. Defendia que não se deveria separar o adjetivo política do substantivo economia. Anos depois, nos primórdios da Revolução Industrial, quando Adam Smith lançou “A Riqueza das Nações”, produziria a grande obra de economia política, fundamentada na tese da estar a justiça social diretamente vinculada ao progresso econômico, sendo o mercado o principal regulador na construção e geração da riqueza nacional.

A história, a sociologia e a teoria política são partes da economia política, compondo a estrutura da vida em sociedade, no Estado e na própria cidadania. Ao laurear o economista Angus Deaton, com o Nobel de Economia, a academia sueca clarifica que a economia tecnocratizada, despida de preocupação social, é falsificadora da realidade. Os brasileiros estão, nos dias atuais, conhecendo as falácias perversas do que é a burocracia estatal da economia tecnocratizada.

* Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

sábado, 17 de outubro de 2015

Espanhóis protestam contra políticas que geram desigualdade


Sábado, 17 de outubro de 2015
Da Agência Lusa /// Agência Brasil
Mais de 1,3 mil organizações da sociedade civil espanhola convocaram para hoje (17) mobilizações em meia centena de cidades, incluindo Madrid, para protestar contra as políticas que geram pobreza e desigualdade. O lema das manifestações é “As pessoas acima das multinacionais”.
Coincidindo com o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o protesto na capital espanhola vai figurar como a “última grande ação” da semana global de iniciativas contra a pobreza e o Acordo Transatlântico de Livre Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos, segundo os organizadores (TTIP).

Guerras caladas

Outubro
17
Guerras caladas
Hoje é o Dia contra a Pobreza.
A pobreza não explode como  as bombas, nem ecoa como os tiros.
Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem, quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, em quem não votam, em que não creem.
Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
     Será porque sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 329.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

ONG inglesa diz que 1% da população vai deter, em 2016, mais riqueza que os 99% restantes

Segunda, 19 de janeiro de 2015
Da Agência Lusa / Agência Brasil
A organização não governamental britânica (ONG) Oxfam informou hoje (19) que, em 2016, o patrimônio acumulado pelos mais ricos do mundo – 1% da população mundial – vai ultrapassar o dos restantes 99%. "A parte do patrimônio mundial detida por 1% dos mais ricos passou de 44% em 2009 para 48% no ano passado e vai ultrapassar os 50% no próximo ano."
A Oxfam, cuja diretora-geral, Winnie Byanyima, copresidirá o Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), exigiu "a realização, este ano, de uma cúpula mundial para reescrever as regras fiscais internacionais". O fórum será reaizado de quarta-feira (21) até sábado (24) e reunirá importanres líderes mundiais.
"A amplitude das desigualdades mundiais é vertiginosa", disse Winnie, para quem "o fosso entre as grandes fortunas e o resto da população aumenta rapidamente".
A Oxfam apelou aos Estados para que adotem um plano de luta contra as desigualdades, coibindo a evasão fiscal, com a promoção de serviços públicos gratuitos, com mais impostos sobre o capital e menos sobre o trabalho, criando salários mínimos, ou ainda por meio da criação de sistemas de proteção social para os mais pobres.
São esperados para o 45º Fórum Econômico Mundial mais de 300 chefes de Estado e de Governo e líderes políticos, incluindo a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente francês, François Hollande, o chefe do governo italiano, Matteo Renzi, o primeiro-ministro chinês, Li Kepiang, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.
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Leia mais:

Ossuper-ricos do mundo

Ocapitalismo não pode atender as necessidades humanas

Mais trampas [trapaças, tramoias, ardis]do Banco Central Europeu para encobrir Merkel

Metade da riqueza mundial é controlada porapenas 1% da população

Seis coisas para saber sobre os 21trilhões escondidos em paraísos fiscais

A descida da América para a pobreza

Esmagar debaixo dos pés – Recuperação paraos 7 por cento 

São os juros, estúpido! 

A artede ignorar os pobre

Osbanqueiros são os ditadores do Ocidente

Asmentiras teóricas do Banco Mundial


 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Guerras caladas

Outubro
17

Guerras caladas
Hoje é o Dia contra a Pobreza.
A pobreza não explode como  as bombas, nem ecoa como os tiros.
Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem, quanto não pesam, quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, em quem não votam, em que não creem.
Só nos falta saber por que os pobres são pobres.
Será porque sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?
Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 329.

sábado, 17 de maio de 2014

Pobreza da aritmética

Sábado, 17 de maio de 2014
Senador Cristovam Buarque
O Brasil passou a acreditar que 22 milhões de brasileiros teriam saído da pobreza extrema. Este discurso se baseava na ideia de que estas famílias passaram a receber complemento de renda suficiente para ultrapassar a linha de R$ 70 por pessoa por mês. Esta visão aritmética não resiste a uma análise social que efetivamente cuide da pobreza.
Nada indica que uma família sem adequada provisão de escola, saúde, cultura, segurança, moradia, água e esgoto saia da pobreza apenas porque pode comprar aproximadamente oito pães por pessoa a cada dia.

Leia a íntegra do artigo do senador Cristovam Buarque no Blog do Noblat

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Época: A miséria mora ao lado

Sábado, 23 de fevereiro de 2013

Na semana em que a presidente Dilma anunciou o fim da pobreza extrema no país, famílias que ganham Bolsa-Família catavam comida no lixo da Esplanada - o que nos leva à pergunta: o que é ser miserável no Brasil?

FLÁVIA TAVARES
A presidente Dilma Rousseff discursa em evento que amplia o Bolsa Família e a família de Maria Madalena (Foto: Roberto Stuckert Filho e Celso Junior/ÉPOCA)

Às 11h da manhã de terça-feira, o sol abrasador do verão brasiliense invadia, com raios e calor, as frestas do barraco de papelão da catadora de papel Maria Madalena. Ela preparava a refeição das cinco filhas e do marido. O almoço seria farto na favelinha conhecida como invasão da garagem do Senado: havia uma panela com arroz branco, outra com feijão e uma terceira com carne moída. Lá, cerca de 50 almas vivem distribuídas em oito barracos de madeira e papelão, montados sobre um pequeno chão de terra - menor, por exemplo, do que o plenário do Senado. Quase todos pertencem à mesma família, que emigrou de Tabira, em Pernambuco, para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, há 25 anos. Maria Madalena, uma mulher de 28 anos e poucos dentes, e Rodrigo, seu marido, calculam ganhar R$ 300 reais por mês com a venda de lixo reciclável, além de receber R$ 394 do programa Bolsa Família. Rosa, irmã de Maria Madalena, que também mora na invasão, não recebe Bolsa Família e tira R$ 130 reais com a venda de lixo. Para o governo, Rosa, Maria Madalena e Rodrigo não são miseráveis. Miserável, ou “extremamente pobre”, pelos critérios dos burocratas de Brasília, é quem sobrevive com menos de R$ 70 por mês. Naquela manhã de terça, a menos de um quilômetro dali, a presidente Dilma Rousseff anunciava, numa cerimônia no Palácio do Planalto, que o governo aumentaria os gastos com o Bolsa Família, de modo que todos inscritos no programa venham a receber ao menos R$ 70 reais a partir de março. “Com o ato que assino hoje, o Brasil vira uma página decisiva na nossa longa história de exclusão social. Nessa página, está escrito que mais 2 milhões e 500 mil brasileiros e brasileiras estão deixando a extrema pobreza”, disse Dilma. Enquanto ministros, governadores e parlamentares aplaudiam Dilma, as meninas de Maria Madalena - as pequenas Giuli, de oito meses, Pamela, de 3 anos, Giovana, de seis anos, Kevelyn, de 9 anos, e Juliana, de 11 anos - preparavam-se para comer o pratinho do dia. Não era comida de supermercado. Era comida achada num lixo da Esplanada, no dia anterior. “A ideia inicial por trás deste ato hoje é esta: por não termos abandonado o nosso povo, a miséria está nos abandonando”, disse Dilma. Mais aplausos.

É do lixo que os não-miseráveis, ou pobres - ou seja lá como o governo queira qualificar agora as famílias como a da invasão - sobrevivem. Do lixo eles tiram o sustento - e do lixo, amiúde, tiram também as calorias. Homens e mulheres catam papel nas lixeiras dos ministérios da Esplanada. Cada um tem seu carrinho para fazer o serviço, feito de madeira e pneus velhos. Não há cavalos para empurrar o carrinho: é um trabalho braçal. Começa às seis da manhã e não tem hora para terminar. A cada quinze dias, eles vendem o lixo a uma empresa de reciclagem. Ganham R$ 0,26 por cada quilo de papel branco e R$ 0,10 por cada quilo de papel de jornal ou papelão. O quilo do plástico paga melhor: R$ 0,30 o quilo. Dependendo do mês, pode render R$ 150. Para os catadores, é um bom dinheirinho. Nada que se compare, vá lá, aos gastos de publicidade do governo com o ato que anunciou o fim da miséria. Somente no evento de terça no Planalto, o governo gastou R$ 275 mil, na criação de banners, folders e na decoração do palco - a conta desconsidera os gastos com publicidade. À guisa de ilustração, esse gasto bancaria um mês de Bolsa Família para 1.900 ex-miseráveis. Rosa, por exemplo, teria que trabalhar 176 anos para ganhar algo parecido. Isso nos meses de maior movimento em Brasília. Em janeiro e fevereiro, quando os parlamentares pouco ou nada trabalham, a produção de lixo cai muito - e, com ela, o sustento das famílias. “Se eles (parlamentares) não trabalham, não tem trabalho para nós”, diz Maria Madalena.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A descida da América para a pobreza

Quarta, 29 de agosto de 2012
De "resistir.info"
por Paul Craig Roberts [*]
Os Estados Unidos entraram em colapso economicamente, socialmente, politicamente, legalmente, constitucionalmente, ambientalmente e moralmente. O país que hoje existe não é nem mesmo uma sombra do país em que nasci. Neste artigo tratarei do colapso económico da América. Em artigos seguintes tratarei de outros aspectos do colapso americano.

Economicamente, a América desceu para dentro da pobreza. Como diz
Peter Edelman , "O salário baixo para o trabalho já é pandemia".

Na América da "liberdade e democracia" de hoje, "a única super-potência do mundo", um quarto da força de trabalho tem empregos que pagam menos de US$22.000 [por ano], a linha de pobreza para uma família de quatro pessoas. Algumas destas pessoas mal pagas são jovens licenciados em faculdades, sobrecarregados com empréstimos para a educação, que partilham a habitação com três ou quatro outros na mesma situação desesperada. Outras delas são pais solteiros com problemas médicos ou desempregadas.


Outros podem ter Ph.D.s a ensinarem em universidades como professores adjuntos por US$10.000 por ano ou menos. A educação ainda é apregoada como o caminho para sair da pobreza, mas torna-se cada vez mais um caminho para a entrada na
pobreza ou para o alistamento nos serviços militares.

Edelman, que estuda esta questões, informa que 20,5 milhões de americanos têm rendimentos de menos de US$9.500 por ano, o qual é a metade da definição de pobreza para uma família de três pessoas.


Food stamps.
Há seis milhões de americanos cujo único rendimento é o do auxílio alimentar (food stamps). Isso significa que há seis milhões de americanos que vivem nas ruas ou em casas de parentes ou amigos. Republicanos cruéis continuam a combater o estado previdência (welfare), mas Edelman afirma que "basicamente o estado previdência já se foi".

Na minha opinião como economista, a linha oficial de pobreza está há muito ultrapassada. A perspectiva de três pessoas a viverem com US$19.000 por ano é descabelada. Considerando os preços da renda de casa, electricidade, água, pão e refeições ligeiras, uma pessoa não pode viver nos EUA com US$6.333,33 por ano. Na Tailândia, talvez, até o dólar entrar em colapso, isso possa acontecer, mas não nos EUA.


Como Dan Ariely (Duke University) e Mike Norton (Harvard University) mostraram empiricamente, 40% da população, os 40% menos ricos, possuem 0,3%, isto é, três décimos de um por cento, da riqueza pessoal da América. Quem possui os outros 99,7%?


Os 20% do topo têm 84% da riqueza do país. Aqueles americanos no terceiro e quartos quintis – essencialmente a classe média da América – têm apenas 15,7% da riqueza da nação. Uma distribuição tão desigual do rendimento é sem precedentes no mundo economicamente desenvolvido.


No meu tempo, confrontado com tal disparidade na distribuição do rendimento e da riqueza, uma disparidade que obviamente coloca um problema dramático para a politica económica, estabilidade política e a macro gestão da economia, os democratas teriam exigido correcções e os republicanos teriam concordado com relutância.


Mas não hoje. Ambos os partidos prostituíram-se por dinheiro.


Os republicanos acreditam que o sofrimento dos americanos pobres não está a ajudar os ricos suficientemente. Paul Ryan e Mitt Romney comprometeram-se a abolir todo programa que trate de necessidades que os republicanos ridicularizam como "comedores inúteis"
("useless eaters").

Os "comedores inúteis" são os trabalhadores pobres e a antiga classe média cujos empregos foram
deslocalizados de modo a que executivos corporativos pudessem receber muitos milhões de dólares de pagamento em compensação pelo desempenho e os seus accionistas pudessem ganhar milhões de dólares sobre ganhos de capital. Enquanto um punhado de executivos desfruta iates e garotas Playboy, dezenas de milhões de americanos mal conseguem sobreviver.

Na propaganda política, os "comedores inúteis" não são meramente um fardo sobre a sociedade e os ricos. Eles são sanguessugas que forçam contribuintes honestos a pagarem pelas suas muitas horas de lazer confortável a desfrutar a vida, assistir eventos desportivos e pescar trutas em rios, enquanto sacam seu abastecimento na mercearia ou vendem seus corpos ao MacDonald mais próximo.


A concentração de riqueza e poder nos EUA de hoje vai muito além de qualquer coisa que os meus professores de ciência económica pudessem imaginar na década de 1060. Em quatro das melhores universidades do mundo que frequentei, a opinião [predominante] era que a competição no mercado livre impediria grandes disparidades na distribuição do rendimento e da riqueza. Como vim a aprender, esta crença era baseada numa ideologia – não na realidade.


O Congresso, ao actuar com base nesta crença errónea da perfeição do mercado livre, desregulamentou a economia dos EUA a fim de criar um mercado livre. A consequência imediata foi o recurso a toda acção que anteriormente era ilegal para monopolizar, cometer fraudes financeiras e outras, destruir a base produtiva dos rendimentos do consumidor americano e redireccionar rendimento e riqueza para os um por cento.


A "democrática" administração Clinton, tal como as administrações Bush e Obama, foi subornada pela ideologia do mercado livre. A administração Clinton, vendida ao Big Money, aboliu a Ajuda a Famílias com Crianças Dependentes. Mas esta liquidação de americanos lutadores não foi suficiente para satisfazer o Partido Republicano. Mitt Romney e Paul Ryan querem cortar ou abolir todo programa que amenize a situação de
americanos atingidos pela crise e que os impeça de caírem na fome e ficarem sem casa.

Republicanos afirmam que a única razão para a existência de americanos carentes é o governo utilizar dinheiro dos contribuintes para subsidiar os que não querem trabalhar. Tal como os republicanos vêem isto, enquanto nós trabalhadores esforçados sacrificamos nosso lazer e tempo com nossas famílias, a ralé do estado previdência desfruta o lazer que os nossos dólares fiscais lhes proporcionam.


Esta crença vesga, de presidentes de corporações que maximizam seus rendimentos deslocalizando empregos classe média de milhões de americanos, deixou cidadãos na pobreza e cidades, municípios, estados e o governo federal sem uma base fiscal, o que resulta em bancarrotas ao nível estadual e local bem como défices orçamentais maciços ao nível federal que ameaçam o valor do dólar e o seu papel como divisa de reserva.


A destruição económica da América beneficiou os mega-ricos com muitos milhares de milhões de dólares com os quais desfrutam a vida e o seu séquito de acompanhamentos caros sempre que queiram. Enquanto isso, longe da Riviera francesa, o Ministério do Interior
(Homeland Security) está a acumular munição suficiente que chegue para manter americanos pauperizados sob controle.
26/Agosto/2012

[*]
Ex-secretário do Tesouro dos EUA e antigo editor associado do Wall Street Journal.

O original encontra-se em
www.paulcraigroberts.org/2012/08/24/americas-descent-poverty-paul-craig-roberts/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sem-abrigo: De Marselha a Hamburgo, a caça aos pobres generaliza-se

Quarta, 7 de dezembro de 2011
Da "Esquerda.net"

Várias cidades francesas adotaram medidas contra os mendigos nos últimos meses. Na Alemanha, a instalação de uma vedação para impedir os sem-abrigo de pernoitarem debaixo de uma ponte de Hamburgo suscitou protestos. Por toda a parte, os sem-abrigo são empurrados para fora dos centros das cidades por cercas, multas ou milícias privadas. 
 
Por Christian Jakob
Ponte Kersten-Miles em Hamburgo, na faixa pode ler-se: Exclusão!
Ponte Kersten-Miles em Hamburgo, na faixa pode ler-se: Exclusão!
A 17 de outubro, a cidade de Marselha aprovou uma portaria antimendicidade para a quase totalidade do centro da cidade. Alguns dias antes, a prefeitura de Paris proibiu a mendicidade nos Campos Elísios. Outras medidas do mesmo tipo foram tomadas pelos presidentes das câmaras de Nogent-sur-Marne (Val-de-Marne) e La Madeleine (Nord). A municipalidade de Beauvais (Oise) teve mesmo a ideia de levar a tribunal os sem-papéis instalados debaixo de uma ponte!

Este tipo de medidas não é específico da França. Em Hamburgo, a segunda cidade alemã, a autarquia do bairro de Saint-Pauli desembolsou 18.000 euros em Agosto passado para erigir uma cerca por baixo da ponte Kersten-Miles, onde dormiam pessoas sem-abrigo. Depois de fortes protestos, a cerca foi finalmente removida no fim de setembro.

A caça aos sem-abrigo vai provavelmente prosseguir na Alemanha. Desde o dia 1 de novembro, a Deutsche Bahn (o principal operador ferroviário) dispõe de um “direito especial de utilização” dos terrenos em redor da estação. Contra o pagamento de uma taxa, a sociedade dos caminhos de ferro ficou com o direito de usufruto de uma zona até aqui pública. As empresas privadas de segurança poderão agora decidir expulsar quem queiram. Este procedimento poderá ser estendido a gares noutras cidades. Para Stefan Karrenbauer, trabalhador social no jornal dos sem-abrigo de Hamburgo Hinz & Kunzt, a vedação na ponte é “uma primeira no país”. Mas as diversas tentativas de banir os sem-abrigo da cidade “voltam regularmente”.
 
22.000 pessoas na rua

Na Alemanha, mais de 240.000 pessoas não têm habitação fixa, segundo os últimos dados publicados em novembro pelo agrupamento de associações BAWG (Bundesarbeitsgemeinschaft Wohnungslosenhilfe). São mais 10% do que em 2008. 22.000 encontram-se verdadeiramente na rua.

Segundo o diretor da BAWG, Thomas Specht, este número poderá descer “para um nível mínimo” dentro de alguns anos somente graças a um trabalho social de rua consequente e a uma política de construção de habitação. Mas, para o militante, é também uma consequência do processo de gentrificação (valorização imobiliária), que acontece em numerosas cidades alemãs. As casas aumentam a seguir a “modernizações excessivas”. As “habitações normais” tornam-se raras e a Alemanha não constrói suficiente habitação social para compensar. “Em seguida, a pressão aumenta também sobre a rua”, constata Thomas Specht.
 
Regulamentos de rua...

A vida torna-se então ainda menos confortável para aqueles que pouco têm. E não só desde que a Deutsche Bahn começou, no quadro da sua privatização, a vender as suas gares como centros comerciais. “As condições de vida nos centros das cidades estão sempre mais submetidas ao diktatdo consumo”, lamentava já em 2003 o diretor do serviço de apoio à habitação da Caritas. Entre os meios de fazer pressão sobre os mais pobres, os “regulamentos de rua” espalharam-se pelo país. “Quase todas as grandes cidades adotaram um destes textos indignos nascidos de um furor burocrático de regulamentação”, constatava ainda a Caritas. Atividades totalmente legais na Alemanha, como a de dormir em parques ou espaços públicos, ou consumir álcool em pé tornaram-se assim “utilizações particulares” dos locais públicos, e portanto, proibidas. Em caso de infração, há a multa.

A maior parte destes regulamentos de rua surgiram nos anos 90. Os debates da época são reveladores. A teoria americana das “janelas partidas” (segundo a qual os mais pequenos problemas de degradação do espaço público devem ser rapidamente tratados para não evoluírem para um estado de degradação geral de bairros inteiros) encontrou adeptos na Alemanha. “Onde há lixo também há ratos e onde reina a degradação também há escória”, declarava, por exemplo, o deputado berlinense conservador Klaus-Rüdiger Landowsky no parlamento local.
 
Os ladrões reincidentes banidos do centro

Em 1996, o antigo ministro federal do interior, o conservador Manfred Kanther, tinha lançado com a sua “ação securitária” a primeira pedra dos regulamento de rua e das parcerias para a ordem pública, que põem a trabalhar em conjunto empresas de segurança privadas, comerciantes e administrações municipais. À ação de segurança foi atribuído como objetivo “a defesa da ordem pública contra os desordeiros”. Os seus efeitos são visíveis ainda hoje. Mas é sobretudo pela interdição da mendicidade que muitas cidades esperam desembaraçar-se dos indesejáveis. Porém, vários tribunais decidiram que a mendicidade deve ser aceite como um “fenómeno social”. Resta o conceito vago de “mendicidade agressiva”, que se impôs nos regulamentos de rua.

egundo um estudo de Titus Simon, da universidade de Magdeburgo-Stendal, 72% de 616 cidades alemãs sondadas indicaram ter adotado tais regulamentos no final dos anos 90. Em 2005, a cidade de Colónia ameaçou mesmo multar os que catavam o lixo – os sem-abrigo que procuravam garrafas recicláveis. Os protestos impediram no entanto esta medida.

A cidade de Celle, na Baixa Saxónia, foi mais longe. Desde os finais dos anos 90, os ladrões de lojas reincidentes foram proibidos de entrar na cidade. Se têm lá a sua habitação principal, deixaram de poder ir à cidade velha e ao centro. “Nós fomos os percursores”, afirma o porta-voz da municipalidade. Todos os anos, a cidade de Celle aprova cerca de 14 destas interdições, válidas por um ano. A infração custa 250 euros. “Em geral, estas medidas dizem respeito a toxicómanos”, continua o porta-voz. A cidade não conta mudar de prática, apesar da associação BAGW a considerar contrária à Constituição. Mas os toxicodependentes raramente processam as administrações vexatórias.
 
As gares, locais de encontro como os outros

Os municípios também atacam os sem-abrigo por meio de estratégias de construção: sistemas de rega, planos íngremes, bancadas curvas, blocos de cimento colocados nas superfícies planas, grades afiadas em torno dos edifícios. “O mundo está cheio de arquiteturas que tornam a vida mais difícil aos sem-abrigo”, constata Stephan Nagel, da Obra diaconal alemã. Em Paris, o coletivo de artistas Survival Groupassumiu como missão o combate a este mobiliário urbano. “O espaço efetivamente público é capturado de maneira autoritária”, explica Arnaud Elfort, do Survival Group”: “Estas instalações modificam a atmosfera social. A cidade torna-se ameaçadora.”

A política de repressão conheceu no entanto um revés jurídico na Alemanha, pelo menos para as gares. Em fevereiro passado, o tribunal constitucional federal declarou que os equipamentos de transporte em parte públicos continuam a ser “locais de encontro públicos”. 

Concretamente, esta decisão permitiu realizar-se uma manifestação no aeroporto de Frankfurt. “É uma excelente decisão jurídica, segundo Wolfgang Hecker, professor de direito da Escola superior de polícia e da administração de Hesse. Se o direito fundamental de liberdade de reunião está garantido, isso vale sem dúvida ainda mais para o simples direito de passar algum tempo nas gares”. As consequências são claras: “A ninguém pode ser recusada a entrada numa estação simplesmente porque a pessoa não se insere no conceito de marketing da Deutsche Bahn, limitado ao consumo e ao transporte”.
Christian Jakob
 
Artigo publicado em Jungle World a 20 de outubro de 2011. Traduzido para francês e adaptado para Basta! por Rachel Knaebel. Traduçãode francês para português de Carlos Santos para o esquerda.net

1 Este número engloba as pessoas que ficam em abrigos de emergência ou num alojamento fornecido pelos municípios sem contrato de arrendamento.