Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A legitimindade democrática comprometida pela corrupção no DF

Segunda, 9 de dezembro de 2013
Do blog do Professor Salin Siddartha
O Distrito Federal tem-se destacado como uma das Unidades da Federação em que a corrupção ocorre com maior incidência, chegando a comprometer a própria autoestima da população e dos políticos probos do DF. Nesse aspecto, Brasília é uma ferida aberta que se ressente de inúmeros escândalos impunes que destacam negativamente a história do País – desde o chamado Buritigate, em 1973, até a Caixa de Pandora, em 2009, passando por uma série de situações moralmente vexatórias para a vida pública de diversos políticos e governos do DF.

A corrupção é um dos elementos centrais de frequentes crises políticas na Capital Federal que submetem a democracia, principalmente no que tange ao aspecto da despolitização como barreira ideológica interposta à participação do indivíduo e da sociedade civil no poder local.  Ela desestimula a população a integrar-se como agente do processo político pela ideologia que é implantada pelas próprias oligarquias corruptas no seio da sociedade, sob a alegação de que “todo político é corrupto”, “não há como fazer política sem praticar corrupção” e outras balelas que, propositalmente, afastam o cidadão da prática política, fazem com que ele se recuse a participar do próprio poder local e, assim, deixe o campo livre para que os corruptos continuem a locupletar-se, comprometendo a democracia.


São poderosas organizações criminosas que se infiltram na administração pública em detrimento da moralidade administrativa, da gestão do dinheiro público, dando causa a serviços sem qualidade e que usam o dinheiro do Estado para fins privados. Utilizam a máquina administrativa para finalidades criminosas, nomeando verdadeiros ladrões para ocupar postos-chaves para a prática de atos na administração que visam garantir as finalidades e objetivos mafiosos; controlam seus atos, fiscalizando o cumprimento de suas ordens, solicitam de empresas um percentual certo de propina, a ser calculado sobre os pagamentos feitos por prestação de serviços, idealizam todas as ações administrativas e privadas que viabilizam o pagamento de verbas públicas, sobre cujo valor é calculado o montante da “gorjeta”.

Eles exigem a entrega para si de sua parte na velhacaria e determinam o pagamento para comprar apoio político e econômico no interesse da quadrilha. A dispensa de licitação e a licitação fraudada têm o objetivo de assegurar a contratação de empresas envolvidas no esquema ilícito da gangue.

 O reconhecimento de dívida por prestação de serviços, que deveriam ter sido licitados, garante elevados pagamentos às empresas envolvidas no esquema ilegal da quadrilha. Eles recebem a propina dos representantes das empresas, no momento mais próximo à data do pagamento da prestação de serviços pelo governo, no exato valor correspondente ao percentual incidente sobre o valor pago, conforme previamente definido com os representantes das empresas, que oferecem a propina.

Os líderes da quadrilha conquistam e compram apoio político, entregando porcentagem a parlamentares e representantes de partidos, oferecida em troca de apoio eleitoral e parlamentar. Os gângsteres também atuam para evitar que parlamentares e representantes de partidos políticos corrompidos por eles façam eficiente fiscalização legislativa da atuação do governo.

Isso significa o fracasso da prática democrática, o que termina perigosamente por tornar ilegítima a estrutura de poder em que ela se assenta. É um processo que deslegitima a democracia por meio da ação hegemonizante de grande parte da elite política.

Assim, o Poder Executivo investe-se autoritariamente no governo local, contaminando o coletivo dos cidadãos com uma visão clientelista, patrimonialista e populista. O clientelismo e o patrimonialismo são a fonte de tanto desperdício; e não têm a face apenas das oligarquias políticas, mas também de diversos setores corrompidos e corruptores da sociedade.

A oligarquia local tem grande interesse em manter o status quo a fim de manter-se no poder, e, com o vácuo deixado pelos cidadãos, o poder político acaba concentrando-se nas mãos de uma elite conservadora. O patrimonialismo e o clientelismo impõem a necessidade de participar de uma “panelinha” como condição de sobrevivência política dos agentes públicos.

A velha tradição de um favor por um voto, com muito pedido de ajuda pessoal na época da eleição, os churrascos oferecidos, com os candidatos disputando os votos dos moradores muito mais nos patrocínios do que nas propostas, continuam presentes, principalmente nas localidades periféricas do Distrito Federal. Nessa situação, o eleitor desempenha o papel de um cliente que deseja obter as benesses dos recursos de autoridade política que um outro controla ou influencia.

São os chamados recursos patrimoniais do Estado sob gestão dos poderes públicos que fundam sua estrutura de organização e poder com base no maior ou menor controle desses expedientes e no caráter discricionário com que se tem acesso a eles. A especificidade do aspecto clientelista da troca política diz respeito aos termos fundados em acordo ou na expectativa mútua entre o político “manda-chuva” e o “cliente” em auferir benefícios com a troca.

Isso camufla a corrupção política, com uma espécie de troca de favores, em que empresas financiam campanhas eleitorais de determinados candidatos, não porque acreditam na capacidade do político, mas sim porque, caso ele venha a ser eleito, ela tirará proveito disso. O voto para esses “clientes” é uma mera mercadoria, um produto de troca. Ou seja, termina induzindo o eleitor a renunciar a ser agente do processo, a ser sujeito histórico, para ser sujeitado. Sua voz é calada por um preço pago pela oligarquia. E não ter voz no cenário político é a maior exclusão social que pode ser imposta a um cidadão.

O Ministério Público, o Tribunal de Contas, o Poder Legislativo, o Judiciário e o Executivo, cada um desses poderes e instituições tem responsabilidade pelo fim do patrimonialismo oligárquico. Não fosse o quadro nacional eivado de escândalos, a própria estabilidade política, a representatividade democrática e a autonomia do Distrito Federal poderia ser comprometida pelas atitudes não-cidadãs que vêm tomando lugar reiteradamente na Capital Federal. Quando do escândalo da operação Caixa de Pandora, que resultou, inclusive, na prisão de um ex-governador do DF, não faltou quem pedisse o fim da autonomia política do Distrito Federal. Isso abre espaço até mesmo para uma discussão do significado da democracia, do republicanismo, da Federação e dos pilares constitucionais sobre os quais foi erguida a autonomia política da Capital.

A defesa da continuidade da inserção autônoma do Distrito Federal como Unidade federativa é um dos principais desafios históricos da Capital ante as forças contrárias que, vira e mexe, se insurgem contra a conquista que a população obteve ao adquirir direito de representação distrital e federal. Mais ainda, é obrigação do governo cumprir o disposto no Título II, capítulo II, artigo 10, parágrafo 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, que dispõe sobre a descentralização administrativa, onde se afirma a necessidade de regulamentação legal da participação popular no processo de escolha do Administrador Regional e do Conselho de Representantes Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras a que cada Região Administrativa fará jus.

Contudo ainda é bastante modesta a descentralização administrativa, não existe nenhuma lei que disponha sobre a participação popular no processo de escolha dos Administradores Regionais, as Administrações Regionais ainda não se vinculam diretamente ao Governador, mas à Coordenadoria das Cidades – órgão subordinado à Casa Civil – e não existe lei que normatize o Conselho de Representantes Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras. Por isso, para além de manter a autonomia política do DF, é importante que se lute por uma maior participação popular nos processos decisórios, capaz de afastar, essa sim, a corrupção como espectro ameaçador à autonomia e implantar novas práticas e políticas públicas.